Trataremos aqui, em uma trilogia de crônicas, do mais instigante processo da Nação Brasileira desde a sua constituição como Estado Independente e com suas instituições juridicamente constituídas e em funcionamento no Estado Democrático de Direito. Foram mais de três anos de persecução penal, desde a abertura das primeiras investigações para apurar e levantar provas sobre uma organização com o objetivo de ruptura institucional através de um Golpe de Estado no Brasil. A tradição golpista brasileira tem um lastro histórico e o que vimos não deixa dúvidas: é resultado de um processo que não se esgotou. Busca-se aqui alinhar e interpretar os fatos nos limites que o gênero literário da crônica permitem, mas sempre escorando-os na historiografia brasileira sem o vício de oficialidade.
As crises políticas durante o Império esgotavam-se no entendimento entre a Corte Imperial e o Baronato, este representando os traficantes de escravos, donos de escravos e latifundiários e o resto era caso de polícia. Com o advento da República, e esta mesma uma ruptura institucional, é que se manifesta a presença das Forças Armadas (Exército e Marinha) que retomam para si o Poder Moderador, antes atribuído ao Imperador, e que já não constava mais da Constituição da República, para colocarem-se a frente de todos os eventos disruptivos contra a ordem constitucional. Embora, nas grandes cidades, já fossem notados sinais de resistência civil via movimentos socais nascentes e partidos políticos progressistas. Até o fim da República Velha, latifundiários, militares e políticos incumbentes da elite dirigente, auxiliados pela imprensa escrita e pelo clericato católico (mentores da opinião pública), participaram dos conchavos políticos e decidiram entre si os desfechos das crises políticas resultantes de problemas internos e afetos aos interesses desses mesmos grupos.
Findo o Estado Novo (1945), emergiu nova ordem jurídica, fundada no Estado de Direito, consagrando o voto universal, partidos políticos nacionais organizados com princípios e programas diversos, voto feminino, liberdade sindical, liberdade de imprensa e pouca disposição para enfrentar os velhos problemas sociais, que não faziam parte da pauta de discussão dos partidos da ordem e não eram do agrado das elites e da própria classe média mais robusta e operante na vida política nacional. Assim, a igualdade perante a lei não se materializou para os humildes, desvalidos e desiguais; o voto não contemplou os analfabetos e a escola era seletiva; a terra continuou na mão dos latifundiários; e os porões das polícias continuaram redutos mais sombrios da lei e da ordem. Os privilégios, a “falsa meritocracia” na ocupação de cargos públicos e o empresariado orquestrado pelas benesses do estado confirmavam o jargão da época: a elite que “mama nas tetas do Estado”; estado que abriga, incentiva e faz crescer a desigualdade social como sua marca reprodutiva. A desigualdade social, aprofundada pelo preconceito racial, pela falta de escolaridade e de oportunidades, foi naturalizada pelo populismo político, que encontrou nas novas dicotomias geopolíticas entre o rural e o urbano e, nas cidades, na divisão entre centro e periferia, espaços para os seus currais eleitorais. As contradições se acumularam, os problemas aumentaram e o confronto ideológico foi inevitável: as forças ocultas do passado saíram das cavernas e se organizaram para salvar privilégios. O Golpe Militar de 1964 teve o apoio das elites da sociedade civil e irrompeu como “furúnculo” no seio da sociedade brasileira. E levou mais de duas décadas para supurar! Mais grave e diferente que os períodos de exceção anteriores, causou dor e fraqueza moral!
A Ditadura, inspirada nos padrões da Guerra Fria trazidos por agentes do imperialismo americano aos quais aderiu de corpo e alma, agradou parte da elite regozijada com a nova ordem; outra parte se viu assustada pelo terror que se desnudava sem clemência. Inimigos internos foram perseguidos, torturados, mortos ou dados como desaparecidos. Instalou-se, assim, no seio do poder e das relações deste com a sociedade o Reino da Mentira: na política, nas relações econômicas, na educação e na cultura atravessada pela censura. E o que é mais verdadeiro: o Reino da Mentira na Política continua a espalhar corpos mortos pelas ruas, tentando mentir como antigamente!
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