Manaus, 22 de novembro de 2024

Indígenas urbanos

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“Nos últimos trinta anos a cidade de Manaus explodiu. Da pachorrenta cidade tocada pelo fim da economia da borracha restou muito pouco.

No final da década de 60 a capital amazonense começa a receber migrantes de todas as partes do País e dos países Iimítrofes, atraídos pelas promessas da Zona Franca, projeto econômico engendrado pelos tecnocratas a serviço da ditadura militar. É claro que as promessas não foram cumpridas e hoje o que se vê é uma população urbana agônica, confinada em invasões sem nenhuma infraestrutura, marcada pela exclusão e a ignorância. Em meio a essa massa de deserdados, empurrados para o andar mais baixo da cadeia alimentar econômica, há um segmento social bastante diferente: os índios destribalizados, ou os índios urbanos, como classificou o antropólogo Roberto Jaramillo Bernal em seu estudo do mesmo nome. É difícil lmaglnar.um grupo social que reúna alguma característica incomum em meio aos desgraçados que gravitam na periferia da cidade. A maior parte dos migrantes veio das áreas mais atrasadas e rústicas do Brasil, nunca tiveram nenhuma oportunidade, nenhum ensino formal e suas identidades se dilaceraram no confronto com as exigências do mundo urbano. Mas há um grupo social que embora compartilhe do sonho de melhorar de vida, os índios urbanos, estes estarão sempre separados dos outros pela fronteira cultural e o abismo que há entre concepções de mundo tão diferentes. O fenômeno da destribalização é antigo em Manaus.

No começo, era uma destribalização forçada, mas a partir de meados do século XX, a presença das etnias no amálgama populacional era expressiva. Nos anos 70 se estimava cerca de 10 mil índios destribalizados vivendo na cidade.

Eles circulavam pelos bairros, inventando um nomadismo inusitado, já que nunca se estabeleciam num lugar e a cada dois ou três meses mudavam de ares e de norte. Isto foi constatado por pesquisadores e militantes da causa indígena, que encontravam dificuldade para rastrear sua clientela no labirinto de ruas tortas da periferia, já que grupos inteiros que estavam em determinado lugar em certa data, semanas depois já ali não se encontravam. Mas como bem sabemos este grupo social não é passivo, é movido pela curiosidade, pelo espírito de aventura. Em sua grande maioria são de etnias do Norte-Amazonas, do alto rio Negro, uma província indígena que aprendeu a resistir e a negociar com a sociedade nacional abrangente, como nenhum outro agrupamento de etnias no Brasil. Por isso, os índios urbanos são surpreendentes. Eles não chegam a Manaus completamente despreparados e, em alguns casos, estão até melhor equipados que certos migrantes não-índios. É que esses índios urbanos chegam com pelo menos uma certa educação formal, são alfabetizados e quase sempre militaram em algum momento de suas vidas. É certo que vão para a periferia, que compartilham com a miséria do povo, mas a carga histórica que trazem consigo acaba por destacá-los. Há muitas histórias sobre essa gente corajosa, histórias de discriminação, ameaças e agressões. A migração interna é um dos grandes desafios para tornar Manaus uma cidade mais justa, em que todos aqueles que a escolheram para viver tenham as mesmas oportunidades, plasmando uma nova sociedade em que os valores indígenas, tão intrinsecamente parte da Amazônia tenham sua participação marcante na cultura e na estrutura social plasmando uma identidade que não teme a mudança, virtude de gente que não teme mudar, nem se aventurar, nem pisar em mundos diferentes.

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