Manaus, 18 de junho de 2025

João Ubaldo Ribeiro

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“Muitas expressões me irritam. Por exemplo: empoderamento. Um anglicismo que costuma infelicitar as reivindicações das mulheres.

Outra é aquela que quer resgatar a identidade de um País, de uma etnia. Esta história de identidade, da maneira como se aposta, sempre me traz a memória um incidente que envolveu o escritor João Ubaldo Ribeiro a um estudante peruano, durante um debate na Alemanha com um seleto grupo de escritores brasileiros, cumprindo programação de estrito aproveitamento do tempo, numa demonstração explícita de racionalismo teutônico. Tinham pela frente uma dezena de cidades, onde deveriam parar, executar algum tipo de refeição na companhia de professores de literatura e língua portuguesa e, a seguir, ou logo após, comparecer ao auditório da biblioteca pública local para falar sobre o Brasil, a literatura brasileira e outros que a curiosidade indicasse.

Uma coisa, no entanto, começava a intrigar os brasileiros. Em cada cidade, no meio dos alemães, havia um hispano americano que se levantava na plateia a “plenteavalaquestion de Ia identidade cultural” com o perdão pelo mau uso do idioma de Cervantes. Em geral a pergunta era recebida com compreensão, pelo menos no início.

E a resposta, invariavelmente, era dada por mim por indicação dos outros escritores, o que era feito com o máximo de tato a uma certa retórica de solidariedade. Com o passar do tempo, e de cidades, aquela história começou a nos dar nos nervos. Era como se houvesse uma conspiração cucaracha engendrada para nos levar à loucura, que funcionava com uma precisão e eficiência que jamais teria sido possível naquelas dilaceradas repúblicas. Foi por isso, acredito, que o escritor João Ubaldo Ribeiro, antes tão alheio ao problema, acabou por entrar na história. Deu-se que estava o grupo de escritores quase no final do circuito, quando da plateia, ataviado em longo e colorido poncho de lã de alpaca, um hispano levantou-se para cumprir o ritual. Era um estudante peruano, trabalhava numa tese sobre reforma agrária e irrigação nos Andes, e faz a pergunta fatídica com uma veemência até então pouco usada. Para surpresa minha, João Ubaldo pediu para responder. E assim disse e uma vez peço perdão pelo mau uso da língua de Camilo José Cala: “Mira companeros! Em Brasil no hai mas el problema de identidad. Las secretarias de seguridade pública hacam una tarjetas da identidad para cada uno de los ciudadanos. CÇlSO uno tiene problema de identidad, saca la tarjeta dei bolsilho e mira la tarjeta, a se acabo em problema de identidad. Se los países hermanos desse arem harcarlo mesmo, creo que nuestro gobierno podra passar la tecnologia … ” Por sorte o estudante peruano não era do Sendero Luminoso, mas, tenho certeza, lamentou muito não estar armado de argumentos de maior calibre naquele instante. De qualquer modo, não posso deixar de compactuar inteiramente com a revolta de João

Ubaldo Ribeiro. Porque esta história de identidade tem alguma coisa de escamoteável como um caixote de mágico. Trata-se de um saco sem fundo onde tudo desaparece, até mesmo a seriedade da questão. Aqueles hispanos pareciam tratar a identidade como uma instituição, ou uma espécie de vacina capaz de inocular para sempre o gama da nacionalidade. De alguma maneira, elas pareciam querer dizer que a vacina da identidade andava sendo sonegada, forças maiores estavam querendo impedir a sua disseminação, inoculando gamas de estrangeirismos e alienação. De qualquer modo, aqueles hispanos estavam paralisados, num beco sem saída. Seus países, de fato, cronicamente sempre atravessaram crises graves da identidade. Mas eles só sabiam abordar a questão como algo exterior, desligado das instâncias humanas, o que fazia da identidade nacional uma unidade monolítica onde não haveria espaço para a diferença e para a necessária diversidade.

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