Manaus, 18 de maio de 2024

O livro de Sálvia

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Por esses acasos da vida conheci os originais do livro de Sálvia Haddad, Mel e Fel – Retalhos de Vida. Posso dizer que o li de uma só vez, pela surpresa de ter descoberto naquele momento uma nova escritora e pela alegria de estar frente a um texto escrito com elegância, correção gramatical e profundidade psicológica e humana. Não obstante ser trabalho de uma autora tão jovem, pois se trata de um livro de estréia, nele, Sálvia reúne narrativas alimentadas por uma experiência de vida que poderia surpreender o leitor, mesmo que fosse produto da pura imaginação de uma pessoa de talento. Nada disso, o livro é muito mais, é o produto da realidade nua e crua, vivida por quem soube enfrentá-la e tratá-la com o condão de olhos de ver, que convertem cada página do livro em genuína peça de arte literária, isto é, aquilo que não aborrece pelo excesso de concentração das dores da vida, mas desperta a curiosidade do leitor pelo prazer da leitura que em verdade desponta na medida em que se avança no manuseio de suas páginas.

O processo brasileiro de criação transformou a crônica em expressão de arte literária. Na sua origem em língua portuguesa, observada a existência dos cronicõesmedievais, a crônica ocupava-se em narrar acontecimentos históricos, sem o aprofundamento psicológico exigido no texto literário. Mais tarde a crônica veio ganhando conotações próprias e no período moderno da literatura brasileira, veio assumindo características definitivas como gênero autônomo. Há momentos em que ela se aproxima do conto, quando se ocupa em fixar aspectos ficcionais dos temas abordados, como se observa em Machado de Assis, de cujo maior modelo encontra-se O velho senado. Em outras concentra atmosfera de poesia, com a graça revelada pela observação do autor sobre os acontecimentos emocionais da vida, expressa por linguagem de prosa poética, a exemplo da obra clássica de Rubem Braga, o maior dos cronistas brasileiros de todos os tempos. Mas há ainda a ocorrência da crônica em que o autor analisa fatos, emite conceitos e divulga idéias, em que o texto se aproxima do terreno do ensaio que é o caso do livro de Sálvia.

Mel e Fel é, portanto, um livro em que Sálvia fixa a sua experiência de vida rica em acontecimentos, mas sem se eximir de cuidar dos episódios em torno, protagonizados por amigos e conhecidos ou registrados pelo noticiário da imprensa diária. Nos conceitos que vai distribuindo ao leitor como na sequência que cito aqui, extraída numa escolha aleatória do texto intitulado Identidade, ela distribui ensinamentos como este: “Essa comunhão com alguém de convicções tão nobres e arraigadas trouxe à minha vida um tesouro que transformou meu coração, pois ele foi instrumento de revelação de Deus pra mim. E eu sei o que pode haver de mais gratificante do que revelar Deus aos outros. Quisera eu também poder ser este instrumento na vida de outros, daqueles que me cercam e que anseiam por enxergar Deus, não descendo do céu em uma nuvem, mas vê-lo com nitidez no valor do bem e das boas condutas que aqui e ali aparecem e nos emocionam, vê-lo nas atitudes, nas palavras, no jeito de olhar e de ser dos que Nele crêem”.

Nada há de mais cruel na vida do que uma jovem esposa perder o marido tão cedo e de maneira tão violenta, nem perder um irmão ainda menina, também de forma tão dura como sucedeu à autora deste livro, fatos que ela narra com todas as tintas de tal crueldade (fel), ao revelar coragem moral surpreendente e uma bela visão de vida em seus valores positivos (mel). Sálvia planta sobre essa realidade áspera e amarga as flores da inteligência e da imaginação, águas sobre as quais o espírito repousa as suas asas de tranquilidade e paz. Por isso, o leitor desse livro com certeza haverá de encontrar em suas páginas muito mais mel do quefel.

Manaus, Praia da Ponta Negra, em 13/05/2013.

NOTA: Mel e Fel – Retalhos de vida – será lançado no finalzinho de julho próximo, com o selo Novos Talentos da Literatura, da Editora Novo Século, São Paulo.

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