Manaus, 30 de novembro de 2023

Poema de Natal

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Thiago de Mello
*Thiago de Mello

Soubemos que ele nascera,
então fomos adorá-lo.
Era uma criança chegando,
trazendo o humano condão
de inventar novos caminhos.

Bois não cercavam o menino.
Nem burros.
Estava só.
(Fora dos olhos do boi,
onde buscar a humildade
mister para a adoração?)

Somente um raio de lua
debruava o doce mistério
de uma carne sem pecado:
tanta alvura, contra o negro
da noite, lembrava a flor
que rompe o solo do mundo.

Os pastores da comarca
longe estavam, nem souberam.
Anjo nenhum avisou-lhes
que havia um novo menino
adormecido no campo.

Magos também não chegaram
para ofertar-lhe riquezas.
E acalentavam-lhe o sono
– em vez de ternas canções –
vozes roufenhas e roncos
agudos, bárbaros roncos.

Em verdade estava só,
muito só – a pobre criança
nascida em dias tão rudes.

Os homens fugiram todos,
nem lhe fizeram reparo:
que aquele recém-chegado
vinha acordar velhas brasas,
redescobrir entre a triste
cinza uma constelação.

Ao ver o mundo vazio,
faz de seu sono precário
um sono definitivo
feito de puro silêncio.

Os homens então regressam
(nos olhos assombro e medo):
alguns menos espantados
levam o corpo do menino,
o seco e pálido corpo
de quem traria, talvez,
um claro e novo recado
de Jesus a nosso tempo.

*Poeta e tradutor, membro da Academia Amazonense de Letras, Amadeu Thiago de Mello é amazonense da pequena cidade de Barreirinha, onde nasceu aos 30/03/1926. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas, dentre as quais destacamos: “Faz escuro, mas eu canto” e “Os estatutos do homem” (poesia); e “Amazônia, pátria da água” e “Manaus, amor e memória” (prosa). Seu poema mais conhecido é “Os estatutos do homem”, onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana.  

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