Manaus, 21 de novembro de 2024

Questões Conceituais

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Tenho insistentemente e quase obsessivamente, escrito sobre a imperiosidade da construção de um Projeto de Estado e não de governo para a Amazônia, pois os governos passam e região fica. Esse projeto, no entanto deve estar assentado em bases conceituais sólidas (eu sei) e não no frívolo eu acho que domina o discurso político. O projeto que deve ser aplicado através de políticas públicas bem estruturadas deve estar voltado para o desenvolvimento e não apenas para o crescimento econômico, garantindo distribuição de renda e justiça social.

As estatísticas atuais mostram como projetos de governo não resolvem problemas essenciais da população cuja realidade é bem diversa da imagem criada pela propaganda oficial que anuncia resgates sociais e humanos, mas que só beneficiam parte de nossa gente por serem pontuais e assistencialistas.

A mundança do modelo

Durante milhares de anos o homem amazônico utilizou o modelo rio-várzea-floresta que foi a base do fausto da borracha. O governo militar preocupado com ameaças à soberania instituiu o modelo estrada-floresta-subsolo objetivando ocupar os espaços e explorar os recursos minerais e florestais que, no entanto, são feitos de forma desordenada sem vantagens reais para o povo amazônico que perde o capital natural e recebe pouquíssimos dividendos. Os contratos para exploração dos recursos naturais são fruto de “negociatações” (negociação + negociata) de tal forma assentadas em permissividades que as concessionárias bem poderiam ser definidas com permissionárias.

Dinheiro e natureza

É verdade que o modelo anterior era cruel do ponto de vista das humanidades, porém não descapitalizava a natureza, pois a retirada bem feita do látex da seringueira não matava as árvores. O modelo atual, além e destruir o capital natural ainda carrega os velhos vícios e adicionou novos exemplos de injustiças sociais que atingem um número muito maior de seres humanos.

Os números e os conceitos

No Amazonas cuja capital tem um PIB bastante volumoso, a desumanidade se espalha por todo o Estado com números incontestáveis. Em Manaus, 65,4% da população tem um padrão “econômico” que vai de sem renda até dois salários mínimos (Censo, 2010). A mortalidade infantil é outra praga social e, se no Amazonas todo, segundo o site www.brasilescola.com ela é de 23,5 por mil nascidos vivos, em Parintins atinge 80 por mil e em São Gabriel da Cachoeira vai aos alarmantes 98 por mil.

Para esconder essas crueldades o marketing governamental anuncia uma economia exuberante assentada no Produto Interno Bruto que tem o preço de tudo e o valor de nada.

A falta de um projeto de Estado e de políticas públicas bem configuradas nos traz um exemplo atual emblemático e envolve a questão da água e dos recursos hídricos. O artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos das Águas (ONU) diz que a água é um direito fundamental, embora a meu juízo ele seja um direito natural que independe de positivação. O pulso de enchente e vazante que Spix e Matius denominaram “drama of nature” virou um drama social, com as populações sofrendo com a abundância que provoca escassez de qualidade. Embora não seja a única, entendo que a solução dessa questão periódica envolve inclusive a tipificação teórica das pessoas que sofrem o drama não havendo definição se são deslocados, retirantes, ecomigrantes, desabrigados ou refugiados.

Para o Estatuto dos Refugiados (Onu) refugiados são “as pessoas que foram obrigadas a abandonar, temporária ou definitivamente, a zona tradicional na qual vivem, devido ao visível declínio do ambiente, prejudicando a qualidade de vida de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entre em perigo”.

Esse conceito me parece perfeitamente ajustado à situação dos ribeirinhos que atualmente sofrem com a enchente exagerada de alguns rios, mas as ações de governo parecem muito mais direcionadas para deslocados e desabrigados do que para refugiados. No contexto desse artigo, vale a pena pensar que os haitianos, assim como nossos ribeirinhos, estão sendo tratados por ajuda humanitária e não como refugiados uma tipicidade que o governo federal reservou apenas para um fugitivo da justiça italiana que faz parte do mesmo grupo ideológico dos atuais donos do poder central e periférico.

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