O Amazonas cultiva muitas manifestações populares que seguem o calendário profano religioso. Além do carnaval, há manifestações festivas e cênicas no período junino e no Natal.
Essas manifestações, embora agregando a figura do índio, comum nas danças dramáticas, foram introduzidas aqui pelos colonizadores europeus. Os portugueses trouxeram a ciranda, as pastorinhas, o boi bumbá, a desfeiteira, etc., enquanto os cordões dos pássaros vieram da Espanha através da Venezuela. Essas manifestações populares foram apropriadas pelas classes trabalhadoras, mescladas com a cultura africana e indígenas, transformando-se numa autêntica manifestação americana. Ao longo dos séculos essas manifestações se mantiveram autônomas e independentes do poder público, até mesmo assumindo posições críticas em relação aos poderosos do momento. Cada comunidade tinha seus animadores, que lideravam o levantamento de recursos entre seus pares e cuidavam para que a tradição fosse transmitida às gerações futuras. Na maioria das regiões brasileiras essa tradição continua intacta, no que pese a concorrência da indústria cultural e excrecências do tipo trio elétrico, que já foi classificado como parte da cultura do latifúndio nordestino com excesso de decibéis. Na Amazônia esta autonomia popular é defendida com muito orgulho por muitas comunidades, mas infelizmente em Manaus ela se perdeu. As manifestações populares foram cooptadas nos anos 60 do século XX, com a organização dos Festivais Folclóricos que aconteciam na Praça General Osório, num consórcio de Interesses empresariais e políticos.
Os folguedos tiveram seus tempos de encenação reduzidos para caber na programação do evento e o estado passou a financiar diretamente os grupos que abdicaram de sua histórica autonomia. O resultado disso foi o abastardamento dos folguedos, a organização de entidades espúrias e predadoras que se locupletam dos recursos públicos, a promiscuidade eleitoreira dessas práticas lesivas, o que provocou a decadência dessas manifestações na capital amazonense e a perda do brilho da autenticidade. No entanto, a cultura dos folguedos sazonais não morreu de todo. Mesmo aquelas manifestações loteadas entre os cabos eleitorais dos políticos populistas, é o próprio povo que continua financiando suas fantasias e adereços, pois os recursos alocados pelas administrações públicas nunca chegam até os brincantes e se evaporam no caminho. Por isso é urgente uma revisão das políticas públicas para que as manifestações folclóricas tenham de volta a sua autonomia, sob o controle popular, antes que estas percam para sempre a autenticidade. Frente a este quadro desolador, era de se esperar que o governo de estado, no momento em que inicia um novo termo sob o comando do professor José Meio, ao imprimir uma política de austeridade nas ações de governo, não se limitasse a reduzir pela metade os projetos culturais como o Festival Amazonas de Ópera, que passou a ser bianual, enquanto as manifestações folclóricas bastardas já descritas acima continuam a ser alimentadas anualmente aprofundando o círculo vicioso que tanto dano causa ao erário e à nossa saúde cultural. O Festival de Ópera é parte do roteiro cultural mundial, distinguindo nossa capital, além de ter gerado toda uma nova cultura entre a juventude. Se hoje Manaus é uma cidade musical com jovens amazonense que brilham como cantores líricos e instrumentistas de concerto louve-se a visão da política cultural do governo amazonense. Esse mesmo Festival deu sentido para a criação de uma Faculdade de Artes na Universidade Estadual do Amazonas, além de ter formado uma especializadíssima mão de obra de cenotécnicos, iluminadores e costureiras. Agora, que legado nos deixa esse folclorismo corrupto e indigente merecedor de tanto zelo por parte dos tecnocratas na hora de conter gastos?
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