Manaus, 20 de junho de 2025

Padre encapetado

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“Professor de primeiras letras concursado para Silves foi aposentado com onze anos de serviço, não sem antes passar por mais uma encrenca grande: ser demitido a bem do serviço público e da moral, porque, como padre e professor, vivia em conjunção carnal com uma professora da cidade”

Andei as voltas em conversa fraterna e amiga com o desembargador Vedo Simões de Oliveira que, emocionado, falava de seus antepassados mais distantes, incluindo o padre Daniel Pedro Marques d’Oliveira, figura que a história tem esquecido e nem mesmo as suas querelas voltam à tona, depois de tantos anos.

Metido em política até o talo, o padre esteve também enfronhado em muitas confusões pelos lados de Saracá, atual Município de Silves, em cuja paróquia era o pároco e em cuja cidade era o rei, ou, quem sabe, se impunha como tal, em nome da santa e amada Igreja, ou pela força de suas futricas e intrigas.

Fez muitas estripulias. Dizem que intrigava a todos na velha terra. Enfrentou a justiça várias vezes, terminando por ser preso por ordem do juiz municipal, com base no Código Criminal do Império, e, afastado das ordens ‘religiosas por determinação do Bispo Diocesano, mesmo assim conseguiu um longo abaixo-assinado dos paroquianos ressaltando suas qualidades e a importância do seu trabalho para a comunidade.

Nascido em 1828, de mãe escrava, foi batizado como escravo, e, dois anos depois, perfilhado pelo senhor José da Costa Albernaz. E foi essa situação que deu origem a uma das muitas pendengas dele no mundo político, porque como escravo não poderia ser eleitor, nem presidir a junta paroquial, muito menos ser eleito, e o padre, danado da breca, foi tudo isso por muito tempo.

‘Professor de primeiras letras concursado para Silves foi aposentado com onze anos de serviço, não sem antes passar por mais uma encrenca grande: ser demitido a bem do serviço público e da moral, porquecomo padre e professor, vivia em conjunção carnal com· uma professorada cidade, morando sob o mesmo teto, o que se transformou em mais um dos muitos escândalos em que andou metido, parecendo que ele gostava mesmo era de provocar e andar sempre sobre o fio da navalha.

Como se não bastasse, certa vez, estando pronunciado por crime por ter concorrido ouparticipado de espancamento de menor, dentro da residência de seus pais, praticado por dois cearenses, levado para a sede da Câmara para julgamento, evadiu-se do local fugindo à ação da justiça. Logo depois foi preso em Itacoatiara e recambiado quando já se preparava para viajarpara Manaus. Depois de muito vai-e-vem, pagou fiança definitiva prevista em lei, e foi libertado.

Sacerdote do hábito de São Pedro, deputado à Assembleia Provincial, da qual foi vice-presidente e um dos mais influentes parlamentares de sua época, vigário colado, professor público jubilado, inspetor da instrução pública, primeiro eleitor da paróquia de Silves e presidente do Colégio Eleitoral de Itacoatiara, o padre Daniel Pedro Marques d’ Oliveira teve atua9ão intensa no campo político-partidário, e também por isso foi vitimado pelos opositores que se aproveitavam muito bem de seu temperamento e de suas afoitezas, para aumentar as encrencas.

As poucas pregações religiosas que dele se conhece eram sábias, como aquela com a qual benzeu o campo santo de Silves, ou a proferida na missa de corpo presente na mais antiga igreja católica do Amazonas ao encomendar a alma de dona Miquelina da Costa Maciel e pregar sobre as vaidades humanas, comparando o altar santo e o corpo cadavérico.

O que ficou do padre Daniel, ao que parece, justa ou injustamente, é que foi encapetado que fazia e acontecia sem parar, sempre surpreendendo com mais uma peripécia.

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Uma resposta

  1. O tema negativo que a aparenta ser de julgo pessoal do autor (posso estar enganado) “obscurece” a grande contribuição que o mesmo deu a comunidade, ao estado (província) e até mesmo ao País ( antigo Império ), se o mesmo fez o que fez é por que na sua época se fez necessário. Se o Padre não tivesse tido tal atitude, ele não se tornaria o primeiro homem pardo livre a se tornar político na história de todo império. É muito importante ser imparcial no artigo. Assim como o tio Yedo Simões, eu descendo da mesma árvore do mesmo. Abraços.

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