No artigo anterior, publicado neste espaço, iniciei a formatação (usando uma linguagem moderna) de reflexões sintéticas da história da Justiça do Trabalho e do direito do trabalho, que conviveram e convivem juntos na nossa legislação social, para o bem da classe operária, pela proteção dos seus direitos sociais, e para o mal daqueles maus patrões que descumprem, no plano amigável, os direitos inerentes aos contratos de trabalho que assumem com os seus empregados. No relato histórico pertinente, vemos que a Justiça do Trabalho, apesar de haver sido prevista na Constituição de 1934, só passou a existir com a sua instalação oficial em 1941, quando foi editado o decreto-lei nº 1.237, em 1º de maio, pelo então presidente Getúlio Vargas, ainda no regime do estado novo. Naquela época também foi criado o salário-mínimo.
Desde a sua instalação, a finalidade teleológica da Justiça do Trabalho é resolver conflitos trabalhistas entre patrões e empregados. No primeiro momento a Justiça do Trabalho se implantou em todo o território nacional sem função jurisdicional (as suas decisões eram executadas na justiça comum), com três instâncias de julgamento, as Juntas de Conciliação e Julgamento, os Conselhos Regionais do Trabalho, situados em algumas capitais e o Conselho Nacional do Trabalho, que tinha sede na capital federal, mas só na Constituição de 1946, passou a integrar o Poder Judiciário. Naquela oportunidade, os antigos conselhos foram denominados de Tribunais. Mas só em 1948 o Judiciário do trabalho teve os seus próprios servidores, como os tem até hoje, na sua organização como justiça especializada.
Atualmente, a Justiça do Trabalho tem mais de 70 anos de idade, e tem provado ao longo do tempo, que a sua existência é de grande importância para valorizar a dignidade humana dos trabalhadores, que só têm uma mercadoria para vender na relação de emprego com o patrão, que é a sua energia para executar a sua atividade laboral. Afinal, nessa realidade do capitalismo selvagem em que vivemos, onde o poder econômico e o patrimonialismo prevalecem sobre valores virtuosos dos direitos humanos, dentro destes, os direitos trabalhistas são o que podemos inferir como patrimônio dos operários, sem a garantia dos quais, a partir do emprego, não terão a subsistência atendida pelo suprimento das suas necessidades básicas. E a esse respeito, propõe-se a lógica de que o poder público não deve negligenciar na política pública de geração de emprego e renda, incentivando a indústria nacional e o empreendedorismo em quaisquer áreas que levam à renda e ao emprego. Temos, hoje, mais de12 milhões de desempregados, e para estes, o direito do trabalho e a Justiça do Trabalho lhes parece indiferente, porque não têm direitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego a questionar, visto que não têm nenhum empregador.
Contudo, o prestador de serviço, cujo contrato não seja regido pelo Código Civil, quem não tem emprego formal, com carteira assinada, mas teve relação de trabalho com pessoa física e jurídica, também tem acesso à Justiça do Trabalho, para cobrar o que foi estipulado no contrato informal para a execução de determinado serviço, não cumprido pelo respectivo tomador. Aí entram em cena os conceitos de direito material sobre relação de emprego e relação de trabalho. A primeira emerge da contratação nitidamente trabalhista, na qual o empregado recebe remuneração, cumpre horário, o trabalho não é eventual e o obreiro o executa sob subordinação ao patrão. Na relação de trabalho, o executor da atividade não trabalha subordinado, não tem horário e tem o valor ajustado a receber do tomador dos serviços, ou seja, houve o trabalho, mas fora do sistema contratual trabalhista, que tem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como estatuto jurídico fundamental. E falando em CLT, editada em 1943, não podemos fugir da compreensão do desenvolvimento da tecnologia nas relações de trabalho, no mundo.
Estamos na conjuntura da globalização, que se sustenta na integração dos mercados e desafios competitivos das empresas e economias mundiais. Neste mundo atual, que se não for o ideal, mas é o que temos aí, encontramos nitidamente a tendência de flexibilização das relações de emprego do tipo que conhecemos atualmente. E nesse cenário, a nova relação de emprego vem sendo construída sob formatos diversos, dentre os quais o trabalho parcial, self-employment (empregado por conta própria), trabalho temporário, terceirização, horários móveis e outros. Diante dessas novas modalidades de relações de emprego e de trabalho, vemos, de forma clara, uma verdadeira invasão no contexto do contrato individual de trabalho, que tem por tem por princípio de regência o contrato por prazo indeterminado, e só excepcionalmente, prazo determinado, conforme as previsões do estatuto trabalhista.
Dessa discussão presente nos dias atuais, surge, com muita força, a expressão “desregulamentação do mercado de trabalho”, que é irmã gêmea da outra, “flexibilização do mercado de trabalho”, em cuja direção o governo federal está caminhando, já tendo inclusive aprovado no Congresso Nacional a chamada “reforma da lei trabalhista”, com a qual imagina agregar benefícios expressivos na aceitação do mercado de trabalho e econômico brasileiros por investidores nacionais e estrangeiros. O tema é complexo, sem dúvida, e não se exaure nestas linhas. No próximo artigo pretendo avançar com estas despretensiosas reflexões sobre o assunto, para abordar a reforma trabalhista em vigor deste novembro do ano passado.
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