“(…) O ofensor se viu em palpos de aranha diante do ofendido que, se não rosnava com seu porte rijo, partiu para cima dele com unhas e dentes valendo-se de um chicote bem afiado”.
Não pense o leitor menos avisado que o Teatro Amazonas, ao longo dos seus mais de cento e vinte anos de funcionamento, viveu apenas de ópera, zarzuelas, banquetes, desfiles das damas mais elegantes da cidade, encantamento dos cavaleiros pelas solistas importadas da Europa, do famoso show de Fátima Myris e de sessões de cinema, sejam as primeiras de 1897 ou as mais recentes com o Amazonas Film Festival que reuniu grandes estrelas do cinema mundial, ou o respeitável Festival Amazonas de Ópera.
Durante esses tempos passou por altos e baixos, ou seja, esteve com a glória dos grandes eventos e na solidão do abandono por diversos governos, incluindo a depredação de seu patrimônio interior, a degradação dos espetáculos e a realização de partida de futebol no palco, o que sucedeu pouco antes da criação da Secretaria de Cultura em 1997.
Foram muitos e variados os acontecimentos, incluindo convenções de partidos políticos, homenagens a vultos de porte nacional como J.J. Seabra e Nilo Peçanha honrarias póstumas e até as famosas bengaladas na varanda a que aludi em artigo anterior, envolvendo os jornalistas João Barreto de Menezes e Fran Pacheco, este último que terminou por evadir-se da cidade sem deixar quase nenhum rastro. Foi um vexame e um escândalo de grandes proporções, noticiado Brasil afora e repetidas vezes negado por Fran Pacheco que costumava dizer que safra vencedor daquela peleja corporal.
Doutra feita, também resultado de arenga das mais ferrenhas entre dois jornalistas, o nosso Teatro Amazonas serviu de cenário para um caso que escandalizou a cidade, repercutiu em Belém, São Luiz e Rio de Janeiro, e que ainda não sei se foi contado em prosa e verso. Depois de muitas ofensas lançadas pelas páginas diárias de “A Notícia”, no ano de 1910, o diretor desse jornal foi surpreendido pelo jornalista em relação ao qual desancava a ripa, diariamente, chegando às últimas consequências de ofensas à honra e à família. Ao descer as escadarias solenes do Teatro após um dos muitos espetáculos daquele ano o ofensor se viu em ai os de aranha diante do ofendido que, se não rosnava com seu porte rijo, partiu para cima dele com unhas e dentes valendo-se de um chicote bem afiado o qual, ao que parece, sabia manejar muito bem ou treinara de maneira suficiente para conseguir desmoralizar o ofensor.
Foi um Deus nos acuda naquele maio de 1910, ano bastante perturbado para Manaus que sofreu o bombardeio pelas forças federais, viveu as turras entre o governado Bittencourt e o vice-governador Sá Peixoto, e ainda assistia, sem qualquer estarrecimento, os embates pelos jornais diários entre facções políticas em busca da chave do cofre e do poder exclusivo do governo.
A pancadaria deu-se entre Saturnino Santa Cruz Oliveira, diretor de “A Notícia” e o escritor e jornalista Pericles Moraes.
Chicoteado na frente de boa parte do público, Saturnino, revólver em punho, saiu correndo pelo Teatro a pedir socorro, e, quando atendido pelo chefe de Segurança do Estado estava escondido em uma frisa bem encolhido atrás das cadeiras e pedia para não ser morto pelo chicote azeitado do Pericles, que estava no vigor dos seus vinte e oito anos de idade.
Como se vê, o beletrista e um dos fundadores da nossa Academia de Letras ‘agora centenária, autor de festejados livros de crítica literária e biografia não era tão pacato como se pode pensar, e, também na Academia, muitas vezes, fez impor a sua vontade sobre outros tantos na escolha dos prováveis eleitos para o silogeu, vetando alguns candidatos, definitivamente, por comportamento público inadequado com o espírito acadêmico.
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