Manaus, 30 de junho de 2025

Vim de igarité a remo (Ensaios e memória)

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Continuação ….

Cultura

A Amazônia Ocidental

V

No reino animal o exemplo mais eloquente de um grosseiro equívoco sobre a vida na Amazônia é o caso do jacaré. A pele desse réptil tornou-se um dos artigos mais disputados no mercado mundial, até que veio a proibição legal de caça da espécie, considerada em extinção.

O Prof. Ronis Da Silveira14, pesquisador vinculado ao INPA e à Universidade Federal do Amazonas, uma das maiores autoridades mundiais no estudo do jacaré, já esclareceu exaustivamente que é remotíssima a possibilidade de extinção da espécie. Mesmo porque, o réptil não deixou de ser caçado. O jacaré continua sendo capturado não mais para o uso do couro, mas de sua carne que serve de isca para pescadores colombianos, jogando-se fora uma parte da preciosa pele e outra parte contrabandeada. Nem por isso diminuiu a população de jacarés na Região. Ao contrário, aumenta cada vez mais. Vez por outra se vê na imprensa o registro de sua presença nos bairros de Manaus, aparecendo nos igarapés da cidade.

Na hipótese de um novo cataclismo, como ocorreu na extinção dos dinossauros, é mais fácil extinguir-se, em vez do jacaré, o gênero humano. Ele é contemporâneo dos dinossauros e chegou à Região antes do homem. Ele está aqui desde a origem da Amazônia, antes da chegada do homem, e se reproduz de forma assustadora nos lagos, habitando igarapés e rios.

O Prof. Ronis Da Silveira comprova que os locais preferidos para a reprodução do jacaré são os lagos e lagoas, onde os machos mantêm os seus haréns. Cada macho domina entre dez a vinte fêmeas. E estas põem de trinta a setenta ovos por ninhada, cada uma. A dominação dos haréns dá-se por via de lutas ferozes. Os vencidos se exilam dos lagos e passam a vagabundear, como verdadeiros párias, pelos rios sem nenhuma função, a não ser a de assustar as pessoas embaixo das galhadas ou se aquecendo nas praias. São todos machos e o seu abatimento em nada interromperia a cadeia reprodutora da espécie.

É um caso exemplar de como deve ser manejada a Amazônia, com amor e conhecimento científico, sem prejuízo de sua fabulosa biodiversidade.

São inesgotáveis os recursos da floresta e é na floresta que está o nosso futuro. Com os recursos de hoje, com o conhecimento científico e a sensibilidade política dos governantes e lideranças responsáveis, não está difícil descobrir-se que é na floresta onde reside a grandeza da Amazônia.

O intocado não gera a prosperidade. Nem em consequência das ações que interfiram na natureza das coisas, nem nos atos coercitivos que intervenham na relação do homem com os seres e o meio ambiente. Lembra-me o ensinamento do notável jurista Nelson Hungria, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que, em face de argumentação excessivamente legalista, dogmatizara que as leis são como as mulheres, só fecundam depois de violadas…

Do longo período da história pré-cabraliana aos dias da conquista e do pleno desenvolvimento da Região, o caminho se descortina com clareza mais plena, sob as luzes da sabedoria conquistada pelo conhecimento.

É preciso conhecer mais, sem abrir mão do intercâmbio com as instituições internacionais de estudos da vida no Planeta, mas conscientes da soberania conquistada com tantas perdas. O mundo globalizado que assinala com o risco do esfacelamento das nacionalidades, da descaracterização das culturas regionais, poderá ter o condão de oferecer mais uma oportunidade aos homens de se tornarem cada vez mais próximos entre si e mais irmãos, mas preservando as nacionalidades, as culturas e a soberania dos povos.

VI

A nova concepção geopolítica da Região resultou de uma decisão sábia das elites governamentais dos últimos anos, definindo o espaço físico da Amazônia Brasileira, e, dentro dela a Amazônia Ocidental.

A Amazônia, por si, constitui um dos vários Brasis, considerando as inúmeras províncias culturais de que se forma a nação brasileira. Mas a Amazônia se destaca não só pelas dimensões territoriais de sua área, como pelas circunstâncias históricas de sua conquista e anexação à paisagem nacional.

A Amazônia Brasileira delimita-se na parte ocupada por mais de sessenta por cento do território nacional, situada ao Norte do mapa geográfico. A Região é formada pela bacia amazônica e a floresta, num ecossistema dos mais ricos em biodiversidade do Planeta. Levando em conta aspectos da formação do solo que influem na diversificação da cobertura florística e dos rios, e a situação das suas populações, considera-se a existência, sem dúvida, de várias Amazônias, além das duas a que me refiro neste trabalho. Mas, por uma questão de metodologia, estou ocupando-me da Amazônia Ocidental.

Nas grandes linhas dessas subdivisões, identificam-se nítidos limites entre as duas Amazônias. A Oriental, fluvial e marítima, configurada pelos Estados do Pará e do Amapá, que flui, em grande parte, sob as influências do oceano, interagindo com os movimentos da maré, a maré alta, a maré baixa, a preamar e se notabiliza com o fenômeno da Pororoca; e a Amazônia Ocidental, interior, inteiramente fluvial, dominada pelo Grande Rio e seus afluentes, das águas barrentas e negras, turvas e transparentes, claras e esverdeadas, sob o fenômeno dos seis meses de cheia e dos seis meses de vazante, durante os doze meses do ano, ocorrendo no meio os repiquetes. Esta que constitui o assunto de que nos estamos ocupando neste trabalho, num território finalmente unificado pela autoridade soberana do Rei dos Rios, o Amazonas que é formado pelo Solimões quando entra no Brasil e se avoluma na medida em que avança e recebe o Rio Negro, indo na direção dos infinitos do mar.

A Amazônia Ocidental que é formada pelos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, repitamos, possui uma história informada, modernamente, por acontecimentos gerados com a economia da borracha que marcou, enfim, a toda a Amazônia Brasileira. Mas a produção gumífera ocorreu, mais intensamente e de melhor qualidade, nos altos rios, áreas delimitadas pelas unidades políticas da Amazônia Ocidental, com o Acre à frente, o seu maior produtor.

O escoamento dessa produção, no entanto, fazia-se nos portos de Manaus e de Belém.

Nessas duas capitais se instalaram as casas aviadoras, os agentes financeiros dos seringalistas, autênticos estabelecimentos mercantis de crédito, a que se associou o antigo Banco de Crédito da Borracha, mais tarde batizado com o nome de BASA, Banco da Amazônia S/A, mantido até os dias de hoje.

Com o declínio da economia da borracha, observado a partir da primeira década do século passado, por volta de 1910, agitaram-se na Região outros ciclos econômicos que foram marcando a vida dos amazônidas.

O suporte econômico permaneceu no extrativismo e, em seguida, na cultura das fibras vegetais, a juta e a malva, e no plantio de pimenta do reino. O extrativismo tradicional acentuou-se nas atividades madeireiras, na produção de óleos vegetais como a essência de pau-rosa, a copaíba, a andiroba, e na exploração de peles de animais silvestres, na coleta da castanha, do cumaru, na extração do leite da sorva e da ucuquirana e nos produtos da pesca.

Aos poucos a economia regional recuperou-se e a cidade de Manaus, seu maior centro urbano, permaneceu conservando o charme e a vida requintada, fruto da conquista dos seus melhores dias.

A sociedade amazonense havia absorvido as populações que vieram de outros Estados, atraídas pelo fascínio da borracha. De tal forma que tais lideranças passaram a dominar a cena social e política do Estado, nesse tempo, representado por toda a área, incluindo os atuais Estados de Rondônia, Roraima e Acre.

No interregno de cerca de cinquenta anos, decorridos do esgotamento do ciclo da borracha à adoção da política de incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus em 1967, escolho para falar de dois acontecimentos que marcaram a vida regional, um de ordem política, o movimento nativista liderado por Álvaro Maia15, em 1923, e outro de caráter econômico, a fundação da Companhia de Petróleo da Amazônia – COPAM, criada sob o comando de um empresário de gênio, o Sr. Isaac Sabbá16, em 1956.

O movimento nativista, conhecido por glebarismo cresce com a liderança de um grupo de jovens sob a inspiração de Álvaro Maia. O motivo era comemorar o centenário de Adesão do Amazonas à Independência, ocorrido um ano após a ocorrência do fato histórico do grito do Ipiranga, simplesmente por causa das distâncias que separavam a Amazônia dos centros decisórios do país, Rio de Janeiro e São Paulo, e pela carência dos meios de comunicação da época. A notícia chegou a Manaus um ano depois.

Mas, na prática, o sentido real era mobilizar as inteligências a assumirem com maior vigor os destinos do seu povo. Quem sabe não foi essa a repercussão no extremo Norte do movimento paulista de 22, a célebre Semana de Arte Moderna em São Paulo que, por sua vez, se organizara para comemorar o centenário da Independência?

No interior do movimento de 22 ramificaram-se várias tendências, fortes correntes nativistas. Aglutinaram-se os grupos Anta e Verde-Amarelo. Em São Paulo distinguia o movimento a predominante preocupação de natureza estética; no Amazonas, predominava a conotação de natureza política. O documento mais importante do episódio glebarista é o discurso proferido por Álvaro Maia, na noite de 9 de novembro de 1923, no Teatro Amazonas, com o nome de Canção de Fé e Esperança.

Continua na próxima edição…

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14 SILVEIRA, Ronis Da (…), biólogo e professor da Universidade do Amazonas.

15 MAIA, Álvaro Botelho (Humaitá, AM 1893 – Manaus 1069), político, poeta e escritor.

16 SABBÁ, Isaac Benayon (Belém 1907 – Manaus 1996), empresário.

*Poeta e ensaísta. Membro da União Brasileira de Escritores do Amazonas da Academia Amazonense de Letras do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

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