Continuação ….
Cultura
A Amazônia Ocidental
VIII
Num breve olhar sobre as unidades políticas da Amazônia Ocidental, pode-se observar o seguinte.
Rondônia encontrou novo ciclo econômico na mineração, na agricultura, na pecuária e hoje possui um dos maiores rebanhos bovinos do país. Roraima cresceu trabalhando a pecuária e a mineração. O Acre persistiu em sua vocação extrativista até hoje, embora secundada, recentemente, por um forte surto pecuário. A cultura acreana é profundamente marcada pela economia da borracha e de outros produtos coletados na floresta. É tal a influência da floresta em sua vida que o povo acreano chegou a divinizá-la. Ali se fundaram várias comunidades religiosas autóctones e de lá se difundiram para todo o país e o Exterior, onde se cuida, em atitude teologal, dos elementos extraídos de vegetais sagrados em benefício dos bens do espírito. Essas religiões, nascidas nas florestas do Acre em torno da Doutrina do Santo Daime, já ganharam mundo e receberam forais de legalidade ao lado de outras formas de expressão dos laços que unem o homem a Deus, como fonte da existência.
A Doutrina do Santo Daime é um fenômeno fantástico. Antes se chamava Ahyausca, que quer dizer “vinho das almas, bebida anteógena sacramental”, de uso restrito aos índios da Amazônia, numa tradição do período pré-colombiano. A Ahyausca é produzida por vegetais de efeitos psicoativos, rebatizada pelo seringueiro Raimundo Irineu Serra26 que a cristianizou, com o nome de Santo Daime. Segundo a conclusão a que chegaram os pesquisadores da matéria, o nome da devoção, Santo Daime, é uma expressão composta com o resultado de uma rogação: Dai-me força, dai-me luz…
O Daime, no entanto, em suas origens, há séculos integra-se à cultura amazônica. Ao estudá-lo pesquisadores encontraram suas fontes no antigo
Oriente, no uso do Soma, também uma bebida feita da fermentação da seiva de uma trepadeira sub-himalaica, detentora dos mesmos princípios mágicos dos vegetais amazônicos usados no “vinho das almas”. Era consumida nos rituais pelos sacerdotes védicos, ocupando todo um livro sagrado sobre sua doutrina. Acreditava-se que seu conteúdo alucinógeno convertia-a na bebida favorita dos deuses. Segundo Pedro R. Sentadriam27,
(…) Indra encontrava nela a violência e a coragem com que lutava contra os inimigos. Tinha efeitos divinos: curava todas as doenças e conferia a imortalidade.
Na Amazônia Ocidental os rituais de pajelança sempre foram acompanhados da aplicação de plantas enteógenas, ou nas beberagens ou nas defumações. Nas beberagens os curandeiros usam um número variável de vegetais, raízes, cascas de árvores e folhas. Nas defumações o mais usual é o tauari, casca da árvore do mesmo nome que serve para enrolar fumo.
O Santo Daime é produzido por meio da fervura de dois vegetais, o cipó Jagube, que constitui o dado masculino, a Força, e a folha Rainha, que é o elemento feminino, a luz, a Miração (dai-me força, dai-me luz!). A prática se dá durante o Culto Eclético da Fluente Luz Universal, num exercício espiritual que tem por princípio buscar o autoconhecimento e a experiência de Deus ou do “Eu Superior Interno”.
Os seus maiorais recebem o tratamento de Mestre. Mestre Raimundo Irineu Serra, nasceu no Maranhão, em 1892, e de lá fugiu tangido por uma grande seca. Foi trabalhar nos seringais da Amazônia. Fixou-se em Brasiléia, na fronteira com o Peru, convivendo com os caboclos da região. Aí concebeu a Doutrina do Santo Daime, numa fusão de crenças, do esoterismo dos índios com o milenar animismo dos escravos africanos, misturado com o catolicismo do europeu colonizador. Mestre Irineu era descendente de escravos.
Este episódio demonstra o quanto é forte a influência da floresta na formação cultural do amazônida. Demonstra, também, o quanto é notável, na postura do povo acreano, a consciência do seu passado histórico e do seu presente de lutas.
A imaginação dos intelectuais e artistas rejubila-se, constantemente, com a memória de José Carvalho28, Luiz Galvez29, ou Plácido de Castro30, figuras principais dos épicos episódios da Revolução Acreana. Os mistérios desses acontecimentos foram devidamente desvelados pelos pesquisadores da Universidade. Os interesses internacionais, as manobras dos magnatas do mundo manipulando o destino da terra, as implicações da política externa brasileira, comandada pelo Barão do Rio Branco, enfim, a história oficial e a história que se pensa, tudo está encaminhado com proficiência científica, protegido das intromissões de diletantes que só servem para diminuir a beleza das conquistas da inteligência.
O triunfo do Acre é obra do povo acreano, obviamente, do nordestino que palmilhou os seus matos, abrindo estradas seringueiras, empunhando espingardas, facões e terçados, instrumentos de trabalho que se transmudaram, algumas vezes em armas e de que se louvaram quando foi preciso enfrentar os invasores, defendendo o seu torrão, exemplarmente movido pelo amor indomável da terra e da pátria.
Pulsa este espírito no Museu da Borracha. Vibra no logradouro público de maior destaque na paisagem urbana da cidade de Rio Branco, a Capital do Estado, que é a Praça do Seringueiro. A temática dos seus prosadores e poetas de mais alto relevo é a floresta, são os rios, os conflitos provocados pela afirmação do homem como elemento essencial no processo de desenvolvimento.
A Universidade tem tido um papel fundamental nesse processo de mudanças. A Universidade, naturalmente, tem alterado o panorama de toda a Região, do Amazonas a Rondônia, do Acre a Roraima, e mais fará, ainda, quando se conseguir estabelecer um intercâmbio mais efetivo entre os diversos núcleos, aproximando-os como irmãos, uns ajudando os outros, conhecendo-se melhor, na troca da experiência fundamental a toda ação que vise a transformação do meio, como acontece com as árvores da floresta.
IX
Capitania de São José do Rio Negro ocupava a área correspondente hoje aos Estados do Amazonas e Roraima. Instituída em 3 de março de 1755, foi elevada à condição de Província do Amazonas, no dia 5 de setembro de 1850.
Com a Proclamação da República, em 1889, nasceu o Estado do Amazonas, que abrangia a todo esse espaço, mais a parte relativa ao hoje Estado de Rondônia. Em verdade o Estado do Amazonas passou a existir com a instalação da Junta Governativa republicana em Manaus, ocorrida no dia 22 de novembro desse ano, sete dias após a concretização do fato histórico dos 15 de novembro, devido ao atraso da chegada da notícia em decorrência das distâncias e dos precários meios de comunicação da época.
Nesta síntese vale lembrar uma curiosidade e um equívoco. A curiosidade é a que se verifica na passagem da libertação dos escravos na Província do Amazonas. E o equívoco é a ideia que alguns comentaristas desavisados veiculam de que a Província do Amazonas nasceu do movimento da Cabanagem.
Sobre a primeira questão o entendimento é claro. Aqui a escravatura de homens vindos da África não teve muito sucesso. Pelo simples motivo de a economia basear-se no extrativismo dos produtos da floresta e do rio. A mão de obra africana adaptava-se melhor à agricultura. Nos trabalhos da floresta e do rio valia o adjutório do índio e do caboclo. Assim é que eram muito poucos os escravos africanos e quase nada expressiva a sua presença na economia da Província, tornando-se mais fácil e mais barato o processo de sua libertação.
Seguindo as pegadas do movimento abolicionista a Província foi, gradualmente, adotando medidas para libertar os seus escravos. Antes da Lei Áurea, promulgada pela Princesa Isabel a 13 de maio de 1888, o Presidente da Província do Amazonas Theodoreto Souto29, expediu mensagem à Assembleia Provincial, solicitando recursos para a libertação dos seus escravos. Mas os proprietários abriram mão desses recursos, assumindo eles próprios os encargos financeiros decorrentes da abolição da escravatura. Em 1888, no dia 24 de maio, dava-se a libertação dos escravos em Manaus, e, no dia 10 de julho, eram declarados livres os escravos de toda a Província do Amazonas.
Sobre a segunda questão é palmar o equívoco da vinculação do movimento da Cabanagem com a criação da Província do Amazonas. É falso afirmar que tem um fato origem no outro. Os atos sangrentos da Cabanagem deram-se a partir do levante em 1835 na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, e a rendição dos últimos cabanos em 1840. A Província do Amazonas foi criada em 1852, mais de uma década após o movimento, portanto. Já se haviam serenado os ânimos desse movimento em toda a Região.
O levante cabano teve motivação na morte do Cônego Batista Campos, de causas banais provocadas por uma infecção maltratada no rosto. Nessa época o grande líder paraense já andava escondido pelos matos alvo de perseguição política. Os cabanos se comoveram com sua morte e invadiram a cidade de Belém, assassinaram o Brigadeiro Bernardo Lobo de Sousa, Presidente da Província do Grão-Pará, e assumiram o poder. Batista Campos foi o ideólogo mais ativo dos movimentos nativistas de autonomia do Pará. E se converteu no guia carismático dos cabanos. Mas não deixou nada escrito quanto a um programa de ação para os cabanos. Guardava na memória os seus planos. Ainda era razoavelmente jovem para um revolucionário, contava por volta dos 53 anos, quando morreu.
Neste ponto está a diferença. A luta dos nacionalistas paraenses visava a autonomia da Província do Grão-Pará, do jugo da Coroa Portuguesa. A luta dos amazonenses era contra o jugo da Província do Grão-Pará. Tanto assim que os amazonenses não viam com bons olhos o movimento da cabanagem, porque o identificavam como um fenômeno tipicamente paraense. Tanto que as cidades do Alto-Amazonas, como também era designada a área da Amazônia Ocidental, incluindo a cidade de Manaus, não aderiram à cabanagem. Nessas localidades os cabanos encontraram resistência. E foi numa delas, na cidade de Luzéia, hoje Maués, onde se deu a rendição dos últimos cabanos. (Arthur Reis)
É, portanto, furada a ideia de que a Província do Amazonas nasceu da Cabanagem. Fez-se a Província do Amazonas das lutas de afirmação do seu povo. Essa é a verdade.
A conquista do Acre, integrando-o bem mais tarde ao território brasileiro, foi ajudada pelo Amazonas.
Os governadores Ramalho Júnior, em 1890, forneceu dinheiro e armas a Luiz Galvez, e Silvério Nery, em 1902, apoiou o cabo de guerra Plácido de Castro, que comandou os momentos finais da luta. Em 15 de junho de 1962, foi criado o Estado do Acre.
Politicamente, no Estado do Amazonas, a cidade de Manaus, mostra a história que sempre foi o polo de irradiação da prosperidade/ desenvolvimento da Amazônia Ocidental.
Hoje, paralelamente aos incentivos fiscais que se estenderam a outras unidades políticas da Região, a Suframa distribui, por meio de convênios firmados com os governos estaduais e municipais, verbas destinadas a projetos de infraestrutura, saneamento, estímulo à produção rural, entre outros.
Essa política foi definida nos últimos anos, no sentido de interiorizar o desenvolvimento, vejam bem, dentro do espírito do artigo primeiro do Decreto-lei 288/67, já citado páginas acima.
Visa distribuir, ao interior da Amazônia Ocidental, parte da riqueza gerada pelo Polo Industrial de Manaus. É um exemplo único de colaboração financeira institucionalizada, no intercâmbio de um Estado com outros Estados e municípios, na história da Federação Brasileira.
Rondônia fez-se Estado a 22 de dezembro de 1981, mas sua história se estende ao longo do período de colonização da Amazônia. Hoje ainda se observa a forte característica deixada pela economia da borracha, no Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e na arquitetura da Catedral do Sagrado Coração de Jesus, construída desde 1927 e só concluída a partir de 1945, quando foram realizadas as obras de expansão, erguendo-se o novo altar e suas laterais.
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi projetada como alternativa para o escoamento da produção de borracha. Ia do Estado do Amazonas, na parte situada no então Território Federal do Guaporé, ao Estado de Mato Grosso.
Mas Rondônia, nos últimos anos, beneficiou-se de novos ciclos econômicos. A abertura das grandes estradas que ligam a região aos centros de atividades agrícolas e agropecuários do país e as práticas de mineração, dotaram o Estado de condições de prosperidade que os rondonienses não jogaram fora. Lá está o Museu Geológico, com amostras de fósseis reveladores da presença de seres na sua forma primitiva naquela parte da Amazônia, e o Museu Estadual de Rondônia, dedicado à Arqueologia, Etnografia, Mineralogia e taxidermia.
Já o Estado de Roraima, elevada a essa categoria por decisão da Constituinte de 1988, tem suas origens nas providências do terceiro governador da Capitania de São José do Rio Negro, o Engenheiro Manoel da Gama Lobo d’Almada.
Lá não vingou, de forma direta, como ocorrera nas outras unidades administrativas da Amazônia Ocidental, a economia da borracha. Lobo d’Almada, em missão de levantamento cartográfico do Alto Rio Negro e do Rio Branco, descobriu os campos naturais daquela região que viria a ser mais tarde o Estado de Roraima.
Ao assumir, como terceiro governador, a direção da Capitania, uma das primeiras providências de Lobo d’Almada foi promover a criação de gado nesses campos naturais, fomentando a implantação de várias fazendas ao longo do Rio Branco, tendo sido, uma delas transformada na cidade de Boa Vista, capital do Estado. Claro que, seguindo a vocação natural da Região, a economia do Estado recebeu contribuição do extrativismo de origem vegetal e animal. (Arthur Reis)
Mas a sua maior fonte de crescimento foi o garimpo. Lá foram encontrados ouro, diamantes, cristal de rocha, bauxita, ágatas, pedras-preciosas, cobre, ferro, cassiterita, etc.
Antes do garimpo, em 1950, a população do Estado era de 5.132 habitantes. Em 2001, 51 anos depois, esse número explodiu para 208.514.
Boa Vista é uma cidade moderna, construída mediante um plano preestabelecido, com prédios baixos que facilitam a circulação dos ventos, predominando a arquitetura do neoclássico, embora romântico e moderno.
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26 SERRA, Raimundo Irineu (São Vicente de Férrer/MA 1892 – Acre 1971), mestre espiritual brasileiro.
27 (…)
28 CARVALHO, José de (…)
29 ARIAS, Luiz Galvez Rodriguez (San Fernando/Espanha 1864 – Madri 1935) diplomata e aventureiro espanhol.
30 CASTRO, José Plácido de (São Gabriel/RS 1873 – Seringal Benfica/AC 1908), político e militar idealista brasileiro.
31 SOUTO, Theodureto (Carlos de Faria) (Rio de Janeiro 1841 – 1893), jornalista e político brasileiro.
Continua na próxima edição…
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