Manaus, 18 de junho de 2025

Raízes da Amazônia Lendas I

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*Wilma Tereza dos Reis Praia

Continuação…

Fauna

O FILHO DO HOMEM-ÁRVORE

Preservar a natureza é extremamente importante, sem ela o homem não tem como viver e nem mesmo os animais, como se pode ver através da “lenda do homem-árvore”, de característica indígena.

Saruramá, o gênio do mal, havia posto fogo na mata. Apenas um homem escapara ao terrível incêndio, porque ficara escondido num buraco sob o chão, respirando por um talo oco de mamão. Depois de muitos dias, quando saiu de seu esconderijo, ele sentiu muito medo.

A terra estava totalmente nua e queimada. Não havia mais nenhum homem, nenhum bicho, nenhuma planta. Estava sozinho, e sem a menor esperança de encontrar comida.

Com medo de morrer de fome, começou a andar em direção ao oeste, na esperança de chegar à terra de seus ancestrais, perto da nascente do Grande Rio. De repente, um ser horrível surgiu diante dele. Era Saruramá, o gênio mau que destruíra o mundo.

Assustado, o homem recuou. Talvez o gênio estivesse querendo matá-lo, para que não restasse nenhum sobrevivente.

– Estou com remorsos, disse Saruramá.

– Não devia ter destruído tudo só para me distrair. Tentarei reparar meu erro. Tome aqui, pegue este punhado de sementes e saia plantando. Assim você vai recriar todas as plantas da Terra.

Alguns segundos depois, como por milagre, aparecia uma floresta. Ao mesmo tempo, uma bela moça o chamava. Ele imediatamente ficou seduzido por sua beleza e sabedoria e resolveu casar-se com ela.

Dessa união nasceram muitos meninos, mas só uma menina, que herdou a beleza e a sabedoria da mãe. E, como era a única mulher, os irmãos a protegiam enciumados.

Um dia, ela passeava sozinha pela floresta, lamentando sua solidão, quando encontrou Ulê, o homem-árvore. Apaixonou-se por ele perdidamente e resolveu que iria todos os dias passar algumas horas em sua companhia.

Sua mãe bem que reparou que ela havia mudado e que os passeios na mata eram cada dia mais demorados. Além disso, nos últimos tempos, a moça passava horas pintando o rosto e enfeitando os cabelos com flores e penas de pássaros.

Ela acabou contando tudo à sua mãe, que lhe disse:

– Se você realmente ama Ulê, eu não a proíbo de encontrar-se com ele, mas peço que tome cuidado. Amarre-o para que ele não fuja e peça que ele se case com você. Diga que só o soltará com essa condição.

Assim, Ulê foi preso – mas logo se soltou, porque na mesma hora aceitou se casar com a moça. Viveram muito felizes e tiveram um filho. Até que um dia, voltando da caça, Ulê encontrou uma onça.

O combate foi terrível. A fera atacara o homem sem motivo, pois não estava com medo nem com fome. Só queria mostrar sua força e coragem. Queria mandar na floresta, desejava que todos a temessem, e, apesar da coragem do caçador, quem saiu ganhando foi a onça.

A noite caiu, e a jovem esposa de Ulê ficou aflita com a demora do marido. Na manhã seguinte, seus irmãos saíram à procura dele. Ela resolveu acompanhá-los levando o bebê. No coração da clareira, encontrou os restos do marido. Ajoelhouse, juntou os pedaços de ossos e as folhas e disse palavras mágicas, agitando maracás.

De repente, o Sol ficou mais brilhante. Um vento estranho começou a soprar violentamente, fazendo voar em todas as direções as folhas e os galhos que cobriam o chão. Ela cobriu o rosto com as mãos, para se proteger, e fechou os olhos. Quando sentiu que o redemoinho se afastava, olhou em volta e ficou muito espantada ao ouvir Ulê:

– Acho que dormi um tempão…

Lá estava ele, à sua frente, ressuscitado. E os dois tomaram o caminho de casa, até mais felizes do que no dia do casamento, porque quase haviam ficado separados para sempre.

Ulê, que estava com muita sede, viu um rio de longe e pediu à mulher que o esperasse, porque achava muito difícil chegar até a água.

Depois de uma árdua caminhada pelo meio da mata densa, que era muito fechada naquele trecho, ele conseguiu alcançar a margem. Debruçou-se para beber um pouco de água com as mãos. Mas, em vez de beber, ficou parado, olhando seu rosto refletido na água. Parecia procurar alguma coisa.

De tanto olhar, descobriu por que estava muito mudado; faltava um pedaço de seu rosto! Como não queria aparecer assim diante da mulher, escondeu o rosto quando chegou perto dela. De nada adiantou ela dizer que já havia reparado e que aquilo não fazia a menor diferença. Ulê suplicou-lhe que voltasse para casa sozinha e ficasse à sua espera, pois só voltaria quando encontrasse o pedaço do rosto que faltava. Recomendou que ela seguisse adiante, caminhando sem olhar para trás, qualquer que fosse o barulho que ouvisse.

Tristemente, a mulher de Ulê continuou seu caminho. A floresta estava cheia de ruídos, mas ela os conhecia e não se voltava, para não se perder. De repente, porém, uma folha caiu perto dela e fez um barulho muito esquisito. Ela se virou e procurou, sem sucesso, a origem do estranho ruído. Mas, como antes de se voltar não tomara o cuidado de observar em que direção estava indo, não conseguiu encontrar o caminho de novo. Andou a esmo durante horas. Quando a noite caiu, a mulher de Ulê, exausta, faminta e muito triste, sentou-se e dormiu com o bebê no colo.

Ao despertar, viu com surpresa que passara a noite na cova da mãe das onças, que estava deitada a seu lado e a olhava com uma expressão bondosa.

– Deixei que dormissem um pouco – disse ela -, mas agora vou ter de esconder vocês. Meus filhos voltam daqui a pouco, e eles são cruéis. Se encontrarem vocês, matam os dois.

Realmente, algum tempo depois as onças chegaram e logo perceberam que havia seres humanos escondidos por perto. Obrigaram a mãe a confessar onde os escondera e mataram a moça. Depois, pegaram o bebê e o colocaram dentro de uma enorme vasilha de barro:

– Cozinhe isso para nós, com larvas e raízes. Na certa vai ficar uma delícia,disseram à mãe.

Ela fingiu que ia cozinhar, mas, enquanto os filhos dormiam, trocou o bebê por um pedaço de carne bem grande, escondeu a criança perto de uma árvore e voltou para dormir com as outras onças.

Todos os dias, quando as onças jovens iam caçar, ela ia buscar o bebê, dava-lhe banho, alimentava-o e brincava com ele até anoitecer. Chamava-o de Tiri Tiri que foi crescendo e se tornou homem. Ele não queria mais ficar naquele esconderijo, como se estivesse numa prisão. De vez em quando, saía pela floresta para caçar. Um dia, pôs-se a perseguir um pequeno roedor.

A mãe-onça se queixara de que este comia todas as abóboras de sua roça. Quando Tiri se aproximou para agarrá-lo, o bichinho disse:

– Por que está me perseguindo? Não fiz mal nenhum a você… Os assassinos de sua mãe você não persegue, e ainda fica trabalhando para eles… Tiri não entendia. Ele era muito pequeno quando o drama acontecera, e a mãe-onça tinha vergonha de lhe contar o que os filhos haviam feito. Furioso, Tiri aproximou-se do covil das onças e esperou pronto para flechá-las. Foi fácil matar as três primeiras, que não estavam esperando o ataque. Mas a quarta teve tempo de fugir para o alto de uma árvore e chamou a Lua e as estrelas em seu socorro. A Lua ficou com pena e a escondeu (é por isso que, desde esse dia, as onças só caçam de noite e se reúnem ao luar). Depois, Tiri procurou a mãe-onça e lhe disse:

– Não precisa ter medo, você não tem culpa de nada. Pelo contrário, como foi você que me criou agora eu é que vou tomar conta de você.

Tiri abriu uma clareira e plantou mandioca e guaraná. Tinha poderes sobrenaturais e se tornou o senhor da floresta. Mas, como não tinha muito o que fazer, criou um amigo, a quem deu o nome de Caru. Um dia, quando os dois passeavam pela mata, encontraram um espírito-serpente, que dormia na entrada de um grande buraco. Tiri pediu ao gavião Acauã para matar a serpente e abriu a passagem.

Então, como um fio escorrendo na época da chuva, uma multidão de homens de tribos diferentes saiu lá de dentro e invadiu a face da Terra. Tiri fez chover flechas e as distribuiu, porque sabia que logo essas tribos iriam se odiar.

Como sua missão havia terminado, partiu para o oeste, a terra de onde vêm os pássaros de todas as cores.

CURARE

O curare, planta muito utilizada na medicina moderna, de onde os índios da Amazônia extraem um veneno para flechas que serve, para paralisar a caça ou matar seus inimigos.

A substância ativa do curare é a tubocurarina, e seus derivados fazem parte dos principais anestésicos em uso clínico produzidos pelas empresas farmacêuticas multinacionais. Exemplos como este não são isolados, inúmeras drogas em uso clínico no mundo são derivadas de produtos naturais da Amazônia.

Em remota era, no longínquo aldeamento de Mariaçu, fronteiro ao ponto em que o Rio das Onças deságua no Grande Rio, os índios se referiam com frequência a um pajé ticuna muito mau, cujo nome era Carubo.

Segundo a tradição, esse pajé era aleijado; sua fama de bom mágico, contudo, correu, de boca em boca, toda a região.

Possivelmente, em razão de sua deformação física, Carubo era cheio de ódio. O pior é que se aproveitava de sua função, para espalhar o mal entre todos aqueles que o procuravam.

Acabou ficando temido pelos índios; todos fugiam, apavorados, de seus exorcismos e de seus feitiços. Tanto ele matou, tanto mal fez, que a tribo foi desaparecendo, aos poucos. Carubo ficou morando sozinho, abandonado em seu fumegante tejupar.

Sem saber como, um dia apareceu debaixo de sua rede uma criança, que Carubo julgou ter sido enjeitada por algum inimigo.

Primeiro, teve um sentimento de ódio, como era de se esperar. Depois, contudo, em vista da solidão em que vivia, resolveu tomar a menina nos braços e cuidar dela, deu-lhe o nome de Mara.

Desde cedo, começou a ensinar sua arte à pequena. Esta, bastante inteligente, ficou exímia em exercer o ofício do pai adotivo. A tal ponto chegou sua aplicação, que começou a ultrapassar as habilidades paternas.

Carubo começou a ficar com medo de ser morto pela cunhatã, decidiu, então, acabar com ela. Iria matá-la para que não empestasse o mundo com sua descendência, afirmava.

Fazê-la morrer, não era, porém, tarefa fácil, a cunhatã andava desconfiada. No igarapé em que tomava banho, espalhou cipó, ervas e lianas, aos quais pudesse segurar-se em caso de perigo. Não passava mais debaixo de galhos secos, não comia as frutas colhidas pelo pai, enfim, cuidou-se como pôde, para não cair na esparrela do velho.

Um dia, quando Mara nadava no igarapé, o pai chegou furtivamente por trás, flutuando em um pedaço de tronco e, de súbito, afogou-a nas águas. Cometido o crime, o pajé voltou para o seu tejupar, que não era longe, e deitou-se tranquilamente na rede.

De repente, ouviu um barulho estranho. Levantou-se e viu um reboliço pelas ribanceiras. Constatou que Mara se debatia, puxando cipós, aguapés e galhos secos, a fim de segurar-se e retornar à margem.

Depois, um grito lancinante. Voltou o silêncio. Mara afundou, para nunca mais voltar. Então, os peixes do igarapé começaram a morrer. As cobras passaram a ser venenosas. Os sapos adquiriram sua baba mortífera.

Por toda parte, medrou um arbusto chamado timbó, cuja casca jogada ao rio, tonteava os peixes das redondezas.

Todos aqueles que passassem pelo lugar e se abrigassem à sombra das árvores inchavam o corpo e morriam. Qualquer um, gente ou bicho, que ingerisse erva daquele local, tombava inapelavelmente morto.

Entre as plantas venenosas, destacaram-se logo uma, que os índios chamam de “uirari,” e outra, um cipó, que denominam “icu”.

Os ticuna aprenderam a fazer com elas um veneno composto chamado “curare”, que passaram a usar na ponta de suas flechas e de suas curabis.

Até hoje são esses índios os mais famosos fabricantes dessa sinistra essência. Os antigos dizem ser o sangue de Mara, que se tornou clorofilado, uma seiva de morte.

Continua na próxima edição…

*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.

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