Sempre fui carnavalesco, desde bem jovem, talvez seguindo a trilha de meu pai, o criador do “Brigue Independência”, também brincador e líder da “Nau Catarineta” que saiam no carnaval e nos festejos de São João, em meio a muitos outros “brinquedos” de rua e folguedos alegres que circulavam por Manaus nos anos mais antigos, principalmente de 1914 em diante.
Logo nos meus primeiros artigos em jornal me animei em falar do período momesco desde quando de sua preparação, ou seja, na fase em que a cidade começa a se envolver nos preparativos para a ocasião singular que identifica muito bem o ânimo do brasileiro e, como diz o vulgo popular, tem a nossa cara e o nosso jeito. Continua sendo a maior festa popular brasileira, mesmo que, no curso dos anos, a forma de aproveitar o carnaval venha sendo modificada grandemente, várias vezes, pois, na minha juventude primeira (porque me encontro na terceira juventude), já não era a sombra do que havia sido nos tempos em que meu pai foi folião e em breve não será mais como se brinca na atualidade.
E quando tive oportunidade de valorizar e estimular o bom carnaval amazonense, fiz todo o empenho para que os blocos, escolas de samba, carnavalescos e líderes de agremiações, foliões isolados e artistas, criadores e desfilantes com fantasias de luxo e originalidade, tivessem espaço para aproveitar o período do rei da folia.
Nas leituras sobre folguedos do povo, que costumo fazer com certa frequência, uma coisa me chamou a atenção ao rever apontamentos sobre o carnaval de 1925, ano do início de curta harmonia política no Estado, logo depois da turumbamba revoltosa que apeou Rego Monteiro do governo do Estado, harmonia que foi interrompida em 1930 pelo golpe getulista, mas que não haveria de perdurar por largo período porque as oligarquias locais dificilmente manteriam aquela “boa conversa”, cada uma delas querendo apanhar quinhão maior dos cofres públicos e nomear maior número de empregados públicos.
É que naquele 1925, cem anos passados, precisamente, uma notícia da revista “Redempção”, edição de fevereiro, despedindo o carnaval com poesia na prosa, falava que o “sorriso melancólico de Pierrot e Colombina já se esmaeceu num beijo desesperançado, enquanto casquinava lá fora, para além da alameda em sândalo e penumbra, a guisalhante alegria de Momo…”.
Na atualidade, nem mais se fala nessas figuras-símbolo do carnaval mais tradicional, e até o Rei Momo vem sendo estilizado para agradar à moda dominante que impõe novos trejeitos, fantasia e função no curso dos folguedos dos quais ele seria o maior e mais qualificado representante.
Dizia o cronista antigo que “o carnaval seduziu os espíritos, aproximou os lábios, e desapareceu enroupado em saudade, morto nas cinzas que surgiram do incêndio de três dias…”. E era mesmo assim: três dias de folia e brincadeira, como dizia a música popular, nos quais percorríamos alguns salões de clubes de Manaus, seja os mais sofisticados como os mais simples, passando pelo Rio Negro, Ideal, Olímpico, Cheik, Bancrévea, ASA, AABB e, algumas vezes, pelo Nacional, São Raimundo, União Esportiva Portuguesa e União de Constantinópolis, sem faltar, ao final, o bom mingau tomado na tigela no mercado grande, a missa na igreja matriz para pedir perdão pelos pecados cometidos nesse tríduo de grande alegria e o mergulho matinal da quarta-feira de cinzas na piscina do Parque Aquático do Atlético Rio Negro Clube para afogar as mágoas e retemperar as energias, porque, somente depois de toda essa campanha de festas é que o ano novo poderia começar.
E viva o pandeiro e o tamborim, a Kamélia, o Rei Momo, o Pierrot, a Colombina, o Brigue Independência, a Nau Catarineta, a Escola de Samba Em Cima da Hora e a Unidos da Selva – as pioneiras da modernidade – e todas que as sucederam.
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