(Sustentação aos debates na Câmara Municipal de Itacoatiara referentes ao reconhecimento da data de 1683 – alusiva à fundação do primitiva missão jesuítica que deu origem à cidade).
MISSÕES (ou ALDEAMENTOS) INDÍGENAS
As missões da Amazônia, inclusive a que deu origem à cidade de Itacoatiara, decorreram do ousado plano do padre Antônio Vieira, da Ordem dos jesuítas (Companhia de Jesus), traçado em meados do século XVII. Com muito brilhantismo, a antropóloga paulista Marta Rosa Amoroso (1991), trata desta questão.
Padre Vieira chegou à Amazônia em 1653 e dois anos depois estava em Lisboa para negociar junto à Coroa o regimento que afasta as autoridades coloniais do trato com os índios e passa para a responsabilidade dos jesuítas a administração das aldeias, assim como o gerenciamento das entradas na região destinadas a evangelizar os índios e, portanto, trazê-los à ‘civilização.
Dois textos fundamentais nascem nesse momento: o Regimento de 9 de abril de 1655, inspirado pelo padre Antônio Vieira e assinado por dom João IV, e o Regulamento das Missões, redigido pelo próprio Vieira. No texto da Lei de 1655, lemos que esse grande líder religioso obteve o total apoio da Coroa portuguesa para efetivar tais projetos na região – naquele momento a Companhia de Jesus é confirmada como a ordem religiosa preferencialmente escolhida para administrar as aldeias, com poderes para enfrentar todas as formas de guerra ofensiva contra os índios.
Porém, os inimigos da causa não descansaram. Em 1661 ocorre a primeira expulsão dos jesuítas de Belém e São Luís. A legislação que se segue atende claramente aos anseios dos colonos: as aldeias indígenas têm sua administração secularizada e passam a ser geridas por capitães seculares. Vieira volta à Corte e é proibido de retornar à Amazônia.
Mas, Antônio Vieira não cruzou os braços, continuou na luta: tanto insistiu que venceu. Em 1680 vamos encontrá-lo inspirando uma nova legislação que favorecesse os índios. Graças à sua firme atuação, é baixada a Lei de 1º de abril de 1680, retirando das mãos dos capitães a direção das aldeias e conferindo aos jesuítas o monopólio sobre os descimentos e a conversão dos nativos. Em seguida, ainda por inspiração de Vieira, é expedida a Carta régia de 7 de março de 1681, criando as primeiras Juntas das Missões.
A partir daí, começam fortemente as démarches para a criação, entre outras, da missão de Mataurá (afluente do Rio Madeira) – estabelecimento jesuítico que daria origem a Itacoatiara.
ATENTEMOS para a Carta de 2 de abril de 1680, – um dia após a decretação da Lei de 1º de abril de 1680 – que o padre Antônio Vieira enviou de Lisboa para o para Pedro Luís Gonçalves, então superior dos jesuítas da Amazônia, sugerindo o estabelecimento de uma residência (missão) no Rio Madeira!
Finalmente, em 1686, com o Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará, – estatuto legal que vigoraria até 1755 – os jesuítas são reintegrados na direção espiritual e temporal das aldeias. Referido regimento nasce sob o signo da conciliação entre as partes em conflito (padres e colonos) e marcaria uma nova fase da política indigenista da Coroa para as missões. Beneficiaria eficazmente a missão que deu origem a Itacoatiara – como trataremos na discussão aberta agora neste Plenário.
LISTA DAS PERSONALIDADES ESTRANGEIRAS QUE – DIRETA OU INDIRETAMENTE – PARTICIPARAM DA FUNDAÇÃO EM 1683 DO PRIMITIVO NÚCLEO URBANO QUE ORIGINOU A CIDADE DE ITACOATIARA – OU ESCREVERAM CONFIRMANDO A VERACIDADE DESSE FATO HISTÓRICO:
01 – Padre Antônio Vieira: Jesuíta português nascido em Lisboa em 6 de fevereiro de 1608. Um dos mais influentes personagens do século XVII: escritor, filósofo e orador da Companhia de Jesus, onde deu entrada em 1623, formando-se sacerdote em 1634. Com a missão de refundar a Missão dos Jesuítas, pacificar a região e ajudar a expandir o domínio da Coroa ao interior da região, chegou à Amazônia em 16 de janeiro de 1653. Por defender os povos indígenas, deu causa a que os colonos de Belém do Pará em 1661 abrissem guerra contra os missionários. O movimento alastrou-se e alcançou São Luís do Maranhão redundando na primeira expulsão dos jesuítas. No dia 8 de setembro, Antônio Vieira e seus companheiros foram presos e embarcados à força para Lisboa.
O retorno dos jesuítas à Amazônia teve início em setembro de 1662 – à exceção do padre Vieira, que foi proibido de voltar. O líder jesuíta faleceu em Salvador, Bahia, em 18 de julho de 1697.
Antônio Vieira – possivelmente autorizado pelo regente dom Pedro II – foi o primeiro agente português a especular sobre a fundação de um estabelecimento jesuítico no médio Rio Madeira. O documento com que se comprova tal assertiva é a carta de 2 de abril de 1680, que ele enviou de Lisboa ao então Padre Superior da Amazônia, Pedro Luís Gonçalves – trechos a seguir: “Carta do padre Antônio Vieira Sobre os Negócios da Missão” (documento inserido em História de Antônio Vieira, Tomo II, página 420, do historiador português João Lúcio de Azevedo, São Paulo, 2008): “Quanto a outras missões, em que havemos de residir com os índios em suas terras, a primeira que se deve fazer como Sua Alteza deseja, pelo que importa à conservação do Estado, é a do Cabo do Norte [Amapá], passando para a outra banda do Rio das Amazonas. (…) Ouço dizer aos irmãos que de lá vieram, que acima [da ilha] dos Tupinambaranas há um rio mui povoado de gente de língua geral, e também neste [Rio Madeira] se poderia fazer uma boa missão de residência”.
Aí se revela claramente a intenção do Reino português de fundar a missão que seria o núcleo embrionário da atual cidade de Itacoatiara – possibilidade que três anos depois (1683) o padre suíço Jódoco Perez tornaria um fato real.
02 – Padre Jódoco Perez: Jesuíta suíço. Fundador do núcleo embrionário desta cidade de Itacoatiara. Nasceu na cidade de Friburgo, em 20 de fevereiro de 1633. Ingressou na Companhia de Jesus em 15 de outubro de 1653 e foi ordenado em 19 de junho de 1666. De Lisboa, onde se encontrava em 1672, foi transferido para Salvador/BA e daí mudou-se em 1678 para o Estado do Maranhão e Grão-Pará. Entre 1678 e 1681 pregou a fé cristã em muitas aldeias: foi incansável percorrendo centenas de quilômetros em barcos e a pé pela floresta e rios da Amazônia. De 1682 a 1683 foi reitor do Colégio de Santo Alexandre, em Belém. Entre 1683 e 1690, exerceu o cargo de Padre Superior do Estado. Faleceu em 22 de maio de 1707 em Belém.
Breve histórico da Fundação: No final do século XVII observa-se uma expansão das atividades missionárias com a criação de numerosas missões no Estado do Maranhão e Grão-Pará. A fundação do núcleo que originou Itacoatiara resultou de uma combinação prévia entre a Coroa portuguesa e seus agentes na Amazônia. Três anos antes da viagem de Jódoco Perez ao Rio Madeira, dom Pedro II, através da Carta régia de 1º de abril de 1680, proíbe a escravidão do índio e ordena a criação dos aldeamentos. Expede em seguida a Carta régia de 7 de março de 1681 criando as primeiras Juntas das Missões na América Portuguesa, destinadas a regular e manter os aldeamentos. Tais documentos contribuiriam decisivamente no desenvolvimento do projeto colonial sustentado no plano espiritual – salvação das almas; e no temporal – a expansão e conservação das conquistas do Reino.
Em 2 de abril 1680, o padre Antônio Vieira já advertira o Padre Superior Pedro Luís Gonçalves sobre a enorme população de índios mansos do Madeira e especulara sobre a possibilidade de ali ser criado um estabelecimento jesuítico. Teorizando sobre a criação do núcleo embrionário da futura Itacoatiara, um trecho de sua missiva era revelador: “Acima [da ilha] dos Tupinambaranas há um rio mui povoado de gente de língua geral, e também neste [Rio Madeira] se poderia fazer uma boa missão de residência”.
Com a morte do padre Pedro Luís Gonçalves, no início de 1683, o superiorado regional dos jesuítas passou a ser dirigido pelo padre Jódoco Perez que assumiu no dia 18 de março. Sua primeira missão externa, longe de Belém: viajar ao médio Rio Madeira para fundar a missão dos índios Iruri – conforme desenhara o padre Vieira.
O jesuíta suíço partiu provavelmente a 9 de junho daquele ano e, depois de uma viagem de mais de 1.500 km subindo o Amazonas, a 28 de agosto ingressou no Madeira, e no dia 7 de setembro alcançou a embocadura do afluente Mataurá, na sua margem direita. Ao todo foram noventa dias de viagem à vela e a remo – confirmando a exposição de Bettendorff, feita noutra circunstância: “Para fazer nova missão na aldeia Iruri gastaram três meses de viagem sem perigo”.
A comitiva de Perez seguiu numa canoa grande com tolda feita de tábuas na popa. Além dele, integravam-na o irmão Antônio Ribeiro, dois ou três serviçais e cerca de oito índios remeiros. Antes da chegada, pararam em diversas aldeias. Às vezes dormiam na canoa sobre o rio; outras vezes procuravam lugares para pousar isentos de banzeiros. A maioria das paradas era para consertar a canoa, descansar, dizer missa e se municiar de víveres.
Após o desembarque, houve a costumeira troca de presentes intermediada pelo irmão Antônio Ribeiro. Companheiro de Jódoco Perez, durante todo o seu superiorado, o leigo Ribeiro era conhecedor da língua geral e tratava bem com os índios.
Supondo-se que já anoitecia, só na manhã do dia seguinte, 8 de setembro, Jódoco Perez mandou erigir uma cruz, celebrou missa e, perante toda a gentilidade, fundou o núcleo embrionário da cidade que haveria de vir. Era Dia de Nossa Senhora da Luz e marcaria a primeira data histórica fundamental na vida cristã e civilizada da futura Itacoatiara.
Antes de ir à região, padre Perez analisou mapas, fez consultas e anotações. Bettendorff preleciona: “O padre Jódoco (…) tinha ouvido coisas grandes do rio da Madeira, foi o primeiro superior da Missão que entrou por ele…”. Serafim Leite complementa: “[A viagem] não exclui entradas anteriores de outros padres, que não fossem superiores da Missão”.
Realmente, digo eu: em 1669 os padres Bettendorff e Pedro Luís Gonçalves estiveram no baixo Rio Madeira visitando a missão dos Tupinambaranas. Também em 1672 transitaram por lá, os missionários Manuel Pires e João Maria Gorzoni.
De volta do Madeira Jódoco Perez alcançou Belém no final de outubro de 1683. Trazia o filho do cacique Mamorini para aprender português em Belém e, na volta, servir como intérprete da sua tribo. Dali ao começo do próximo ano, a região viveria em estado de intranquilidade gerado da insatisfação dos moradores de São Luís em relação à revogação da Lei do Escambo. O padre superior, em carta de 27 de dezembro que endereçou ao Padre Geral, em Roma, expôs a situação e sugeriu medidas para resguardar o futuro da Missão. O motim do Estanco, ou a revolta de Beckman, – que precipitaria a segunda expulsão dos jesuítas, – estourou em 24 de fevereiro de 1684. Perez, que retornava a São Luís foi preso com seus companheiros e deportado a 26 de março. Expulso da região, em 1684, pelos amotinados de São Luís, o barco em que ele e seus companheiros iam deportados, foi atacado por piratas estrangeiros, e então foram duramente torturados.
Contornada a situação, Jódoco Perez viajou para Lisboa em 17 de janeiro de 1685, a fim de levar ao conhecimento da Corte a expulsão dos jesuítas, e de lá retornou em maio de 1687. Veio em companhia do governador Arthur de Sá e Menezes, o qual trazia recomendações do rei de Portugal para “ajudar a nova missão do Rio Madeira”.
Quanto aos índios Iruri – primeiros habitantes de Itacoatiara – Bettendorff os define como “nação afamada sobre todas as mais… índios de paz” e de linhagem ‘nobre’. Grupos de língua isolada eram peritos nas artes de torrar farinha e conservar peixes. Dirigidos pelo poderoso tuxaua Mamorini, eram “repartidos em cinco aldeias”.
Corria lenda que procediam de uma mulher-deusa que veio prenhe do céu e pariu cinco filhos: Iruri, Aripuanã, Onicoré, Torori e Paranapixana, dando origem às respectivas tribos. Surpreendida mais tarde por seus filhos comendo peixe moqueado, a deusa-mãe ficou tão envergonhada que resolveu voltar para o céu. Daí em diante, os índios Iruri não mais comeram peixe assado no moquém.
O tuxaua Mamorini morreu no começo do século XVIII. Seu nome traduzia respeito, resistência e imortalidade. Lembra a mamorana-grande, irmã da sumaumeira – a mãe de todas as árvores. Suas imensas raízes de sustentação, chamadas sapopemas, ao simples baque de pau, emitem um som grave que ressoa a longas distâncias. Por isso, os Iruri (e outros povos indígenas) tornaram esse fato natural um meio de comunicação rudimentar, uma espécie de “telefone da floresta”.
03 – Padre João Filipe Bettendorff: Jesuíta e historiador alemão nascido em 25 de agosto de 1627 na cidade de Luxemburgo, onde entrou, em 1645, na Companhia de Jesus. De Portugal, veio para o Maranhão onde aportou em 20 de janeiro de 1661, e daí seguiu para o Grão-Pará iniciando sua longa vida missionária na aldeia de Tapajós (atual Santarém). Duas vezes superior da Missão dos Jesuítas (1668-1674 e 1690-1693), morreu em Belém em 5 de agosto de 1698.
Autor do célebre livro “Crônica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”, escrito em 1694/1698, o qual somente dois séculos depois seria traduzido no Brasil: sua primeira edição, no Rio de Janeiro, data de 1910, e a segunda, em Belém, é de 1990.
Do Capitulo 14, página 354 e seguintes da segunda edição, que reporta aos fatos do ano de 1683, retiramos os seguintes trechos, cujos grifos comentaremos em seguida:
“Navegou o Padre Superior Jódoco Peres pelo rio das Amazonas à riba, e como tinha ouvido coisas grandes do rio da Madeira, foi ele o primeiro superior da missão que entrou por ele, para ver se lá podia pôr uma nova residência; ao cabo de uns nove dias de viagem, chegou aos Irurizes, nação afamada sobre todas as mais; praticou-os sobre a nossa Santa Fé, e ficou com eles que lhe mandaria um Padre missionário para lhes assistir, e para que lhes não faltasse língua trouxe consigo um filho do principal para o Pará, para lá aprender a língua geral em o Colégio, onde ficou até que a soube, recebeu o santo batismo, algum tempo depois; e voltou com o Padre João Ângelo, o qual com o Padre José Barreiros, companheiro seu, foi mandado para missionário dos Irurizes. É este rio da Madeira um dos mais famosos que há pelo Estado, por grande e espaçoso, porém demorado pelas caldeiras que tem, em que somem canoas com tudo o que levam, havendo descuido dos guias ou pilotos, e tem várias castas de peixe, até peixe-boi, piraíba, mas os índios nãos os comem, sustentam-se de uma casta do peixe que chamam Tambaquiz, mui gostosos; as suas águas são as mesmas como as do rio das Amazonas, pois é braço dele, que muitas jornadas para cima se reparte, fazendo uma ilha grande em que moram os Irurizes e outras muitas nações; as suas terras são boas para todo o gênero de mantimentos, suas matas têm muita caça de porcos, cotias, pacas e pássaros; porém os Irurizes não matam nem comem porco do mato; e só são amigos de pássaros que têm por seu mais regalado sustento”.
Bettendorff prossegue:
“Tinha o Padre João Ângelo vindo do Brasil em outubro do ano de 1688 (…) com a tenção de ser o primeiro missionário do rio da Madeira, onde o Padre Superior destinava de fazer nova missão na aldeia dos Irurizes, mandou-o para lá pelas festas do Natal, dando-lhe por companheiro o Padre José Barreiros. Foram-se, com grande ânimo, e gastaram três meses de viagem sem perigo (…). Chegados à boca do rio dos Irurizes, dois dias distante da aldeia, toparam com o principal Mamorini, que vinha em uma canoa grande remada por quantidade de mulheres, trazendo um só índio criado seu consigo..
Mamorini mandou aviso a todas as aldeias pertencentes aos Irurizes para que viessem visitá-los. Vieram eles com seus costumados presentes, aos quais o Padre João Ângelo correspondeu (…); com isso foram-se todos mui satisfeitos, e os padres deram logo ordem a fazer-se igreja e residência em a aldeia de Irurizes, onde se achavam alguns brancos tratando de cacau que há muito e bom por todo aquele rio, e se estima por melhor do Estado, pela grandeza e doçura que tem maior do que em outras partes fora do rio da Madeira”.
Glossário: Amazonas à riba: significa “Amazonas acima” / Rio da Madeira: o mesmo que Rio Madeira / Nova residência: Nova sede missionária, ou sede da missão / Nove dias de viagem: tempo contado da foz do Rio Madeira à entrada do seu afluente Mataurá / Irurizes: Referência aos Iruri, índios dessa tribo / Praticou-os: Tratou com índios, ou ensinou-lhes a fé cristã / Ficou com eles: Acertou, ou combinou com índios / Não faltasse língua: Não faltasse intérprete / Principal: O chefe, ou cacique, ou tuxaua indígena / Colégio: Escola dos jesuítas, ou Colégio de Santo Alexandre, em Belém / Até que a soube: Assim que aprendeu a língua geral / Caldeiras: Quedas d’água, corredeiras, ou pequenas cachoeiras / Castas de peixe: Espécies, ou tipos de peixe / Tambaquiz: Refere-se ao peixe Tambaqui / Braço dele: Afluente do rio / Jornadas: Marchas, ou caminhadas de vários dias / Com a tenção: Com a intenção, ou o objetivo / Destinava de fazer: Determinara antecipadamente fazer, ou fixara previamente que se fizesse / Festas do Natal: O dia de Natal / Boca do rio: Foz, ou embocadura do rio / Principal Mamorini: Cacique, ou tuxaua da tribo dos Iruri / Fazer-se igreja: Construir, ou levantar igreja / Brancos: Homens de pele clara, referência a colonos portugueses.
04 – Padre Serafim Soares Leite: Jesuíta e historiador português. Nasceu em São João da Madeira em 6 de abril de 1690. Poeta, escritor e historiador, viveu muitos anos no Brasil e, antes de retornar para a Europa e ingressar na Companhia de Jesus, passou alguns anos na Amazônia (morou em Belém, Manaus, alto Rio Negro e Monte Alegre, no Pará). Faleceu em Roma em 27 de dezembro de 1969. Escreveu, além de outros, o livro “História da Companhia de Jesus no Brasil”, em 10 volumes, cujos tomos III e IV tratam dos primórdios do Estado do Amazonas. Escrita entre 1933 e 1940, a monumental obra há tempos vem sendo publicada em Portugal e no Brasil (são muitas edições, entre 1938 e 1949, e a mais recente data de 2006). As opiniões de Serafim Leite, que aludem a Itacoatiara, integram o tomo III, como abaixo discriminadas (os termos grifados serão objeto de nossos comentários):
“Desde 1669 sulcavam as águas do Madeira os Jesuítas, que fundaram então a primeira Aldeia dos Tupinambaranas, e, em 1672, um dos fundadores dela, o Padre Manuel Pires, voltando ao Pará, do Solimões, com o Padre Gorzoni, preparavam-se ambos para subir de novo o Amazonas e entrar no Madeira.
Depois, em 1683, o Superior da Missão, Jódoco Peres subiu por ele. Ao cabo de 9 dias chegou aos Iruris, para ver a possibilidade de estabelecer Residência entre esses índios. Bettendorff, narrando o caso, diz que Peres foi ‘o primeiro superior da Missão, que entrou por ele’, o que não exclui entradas anteriores de outros Padres, que não fossem superiores da Missão. Jódoco deixou bem dispostos os Iruris, e baixou com um filho do Principal que no Colégio do Pará aprendeu além do português a língua tupi.
Entretanto, verificou o Missionário que os índios do Madeira recebiam ferramentas dos estrangeiros (Holandeses), por meio do Rio Negro, e que se impunha a ocupação efetiva desses rios. O governador Gomes Freire de Andrade, em 1687, escreve ao seu sucessor Artur de Sá e Menezes, que os índios pediam Missionários; e, por informações suas El-Rei recomenda-os ao governador que lhes dê ajuda para a nova missão do Rio Madeira.
Logo se fundou casa e igreja nesta Aldeia dos Iruris. E aperfeiçoou-se tanto a Residência, de sobrado e lojas, que os brancos, que por ali iam ao cravo afamado daquele rio, se maravilharam. Além da Aldeia dos Iruris e dalgumas aldeotas, havia mais quatro grandes: a Aldeia dos Paraparixanas, a Aldeia dos Aripuanãs, a dos Onicorés e a dos Tororizes. Eram cinco que ‘continham mais de vinte, porquanto cada roça daqueles principais era uma boa Aldeia de vassalos’. Trataram os Padres com todos durante quase um ano, fazendo a catequese em regra. Mas ambos adoeceram e o Padre Bonomi mais grave. E não houve remédio se não baixarem.
O Padre João Ângelo, restabelecido, voltou para a Missão em 1691 e foi recebido ‘como um anjo vindo do céu’. Continuaram-se as construções da Aldeia, os índios ergueram também para si casas de sobrado. E aumentava a catequese, quando o Missionário caiu de novo doente. Mais uma vez se teve de retirar. Na sua ausência foram os brancos e cativaram grande número de índios com grande escândalo dos mesmos índios, e protesto dos padres; não poderão pensar os índios que eles os tinham ajuntado para serem mais facilmente cativos? Disto se queixaram os índios; e os padres ainda mais que eles. E assim, os Jesuítas, desgostosos, e também por falta de missionários, se escusaram da Missão do interior do Rio Madeira”.
Depois de reportar as várias transladações do povoado – para Canumã (1691), para Abacaxis (1696) e para o Rio Madeira (1757), Serafim Leite completa: “E como não bastassem tantas denominações e mudanças, [recebeu] em 1757 o nome de vila de Serpa. E, para rematar (se antes ou depois do predicamento de vila, discute-se, em todo o caso, por esta ocasião) os índios Abacaxis escolheram para nova sede o lugar chamado Itaquatiara sobre o Amazonas a dois dias de distância da sua habitação antiga. O topônimo de Serpa, dado à Aldeia caiu. Manteve-se, porém, o de Itaquatiara, hoje cidade, ligada assim, na origem à vida, cheia de variedade e contrastes, da célebre Missão dos Abacaxis da Companhia de Jesus”.
Glossário: Bem dispostos: Organizados, ou animados, prontos para o que der e vier / Filho do principal: Filho do tuxaua Mamorini / El-Rei: Referência ao rei de Portugal, dom Pedro II, à época (reinou de 1683 a 1706) / Sobrado: Casa grande, ou de dois pavimentos / Loja: Casa térrea, abrigo feito de ramagem ou folhagem de árvores / Cravo: Planta amazônica; pau-cravo, que recende fortemente a cravo / Cativaram: Tornaram cativos, ou escravizaram / Se escusaram: desistiram dela; abandonaram-na.
05 – Miguel Angel Menéndez: Escritor, político e indigenista mexicano. Nasceu em 1904 e faleceu em 1982. Na obra coletiva “História dos Índios do Brasil”, organizada por Manuela Carneiro da Cunha, São Paulo, 1992, consta o interessante trabalho desse autor sob o título “A área Madeira-Tapajós. Situação de contato e relações entre colonizador e indígenas”, e dele retiramos a seguinte notícia sobre Itacoatiara:
“Em 1683, José Barreiros e João Ângelo Bonomi fundaram uma missão entre os Iruri, já no Madeira (Rio Mataurá), assistindo no ano seguinte entre os índios Parapixana, Aripuanã, Torerizes e Onikoré, provavelmente a partir dessa missão-sede. Em 1691, após um ataque dos brancos, ela é transladada para a aldeia dos Abacaxis, na confluência desse rio com o Canumã, mais tarde (1757) mudada para a margem esquerda do Madeira, recebendo o nome de Serpa e, finalmente – com nova mudança, para a margem esquerda do Amazonas -, o de Itacoatiara, missão que, em 1768, estava povoada com Iruri e Arara, provenientes da antiga aldeia dos Abacaxis”.
Observação: Os dados são parcialmente inconsistentes (exemplo: não foram os padres José Barreiros e João Ângelo os fundadores da missão de Mataurá), porém, o trabalho do escritor mexicano CONFIRMA a fundação, em 1683, do núcleo originário desta cidade – fato por si só de grande relevância.
06 – Vitor Hugo: Jornalista, ex-padre e historiador italiano Nasceu em 1921 e faleceu em 2003. Ainda muito jovem chegou à Amazônia, e dedicou a maior parte da sua vida a Porto Velho, capital de Rondônia. Seu livro, “Os desbravadores”, escrito em 1940/1950, teve duas edições, a primeira em 1959 e a segunda em 1991. Dele retiramos os trechos abaixo que confirmam a tese histórica que ora apreciamos: “São de 1669 e 1672 os primeiros arrojos por parte dos jesuítas para subir o Rio Madeira (…). Em 1683 o padre Jódoco Peres foi realizar uma inspeção mais acima, na foz do afluente Iruris (hoje Mataurá), para ver a possibilidade de estabelecer residência entre aqueles índios. Encontrou uma região riquíssima de cacau. (…) Na descida para Belém, onde ele era superior da Missão, levou consigo um filho do principal, que no colégio do Pará aprendeu tupi e português”.
Pelo natal de 1688 partiram do Pará os padres José Barreiros e João Ângelo Bonomi, acompanhados pelo filho do principal dos Iruris, já batizado e conhecedor da língua tupi. Era a resposta ao aludido apelo feito pelos índios (…). Entre os Iruris logo se fundou a igreja, e a Residência Missionária era de sobrado. O padre Bettendorff conta com pormenores usos e costumes desse povo Filho do Céu, entre o qual a mulher era tida em tamanha veneração, que ‘tinham dificuldade de deixá-la ir à igreja pelos primeiros princípios da assistência dos padres missionários’”.
07. Bernardo Pereira de Berredo e Castro: Historiador, militar e administrador colonial português. Também, enfileira-se entre os pioneiros da História da Amazônia. Nasceu na vila de Serpa, Alentejo (Portugal), por volta de 1687, e faleceu em Lisboa em 13 de março de 1748. Governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Grão-Pará, de 1718 a 1722, e de Mazagão, no norte da África, de 1734 a 1745. Autor de “Anais históricos do Estado do Maranhão”, livro publicado em Lisboa no ano seguinte à sua morte; a segunda edição, um século depois, em São Luís do Maranhão, é de 1849; a terceira, em Florença, Itália, saiu em 1905; a quarta, em Brasília, é de 1988; e a quinta, no Rio de Janeiro, operou-se em 1989.
Em seus anais históricos, Berredo reconstrói a história da Amazônia desde suas origens até 1718, ano em que assumiu o governo desta área. Embora descreva a “tragédia do Rio Urubu”, de 1664, em que a tropa do genocida Pedro da Costa Favela incendiou aproximadamente 300 malocas, matou cerca de 700 índios e conduziu 400 deles presos para Belém. Mas, inexplicavelmente, silencia sobre as primeiras entradas na Amazônia Ocidental e as sortidas dos jesuítas no Rio Madeira
LISTAS DAS PERSONALIDADES BRASILEIRAS CUJAS OPINIÕES – LAVRADAS EM ARTIGOS OU LIVROS HISTÓRICOS – REFORÇAM A TESE SEGUNDO A QUAL A CIDADE DE ITACOATIARA ORIGINOU-SE DA ANTIGA MISSÃO FUNDADA NO MÉDIO RIO MADEIRA PELO JESUÍTA JÓDOCO PEREZ EM 1683:
01 – José Monteiro de Noronha: Sacerdote e historiador colonial. Nasceu em Belém em 1723. Como vigário-geral da Capitania de São José do Rio Negro, nomeado em 18 de junho de 1755, participou da inauguração da vila de Serpa, em 1º de janeiro de 1759, e, na mesma cerimônia, instalou a Paróquia. Autor de “Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da Província (1768)”, resultado de um relatório que escreveu sobre sua primeira viagem às paróquias do Amazonas em 1768. O quinto bispo do Pará, dom frei Evangelista Pereira, chamou-o para vigário-geral de Belém, cargo em que foi empossado em 16 de abril de 1783. Faleceu em 15 de abril de 1794.
Da primeira edição de sua obra, anotada e publicada em São Paulo (2006), extraímos o seguinte:
“Vencidas mais duas léguas chega-se à Vila de Serpa, situada na paragem chamada das Pedras Pintadas e, no idioma geral dos índios, Itacoatiara. Esta vila a primeira vez foi fundada no rio Mataurá, que faz barra na margem oriental do rio da Madeira (…). De Mataurá mudou-se para o rio Canumã. Deste para o dos Abacaxis. Deste para a margem oriental do rio da Madeira, pouco abaixo do furo de que se faz menção no parágrafo 68 [Tupinambarana ou Urariá], e desta para aquela em que presentemente está [1768]. Os seus primeiros povoadores foram os índios da nação Iruri, aos quais se agregaram os da nação Abacaxis e de outras muitas”.
02 – Lourenço da Silva Araújo e Amazonas: Oficial da Marinha do Brasil, etnógrafo e escritor. Natural da Bahia, nasceu em 9 de agosto de 1803 e faleceu em 1864. Além de servir na província natal, no Rio de Janeiro e no Pará, permaneceu muitos anos na então Província do Amazonas. Obras: o romance “Simá” (1857) e o “Dicionário topográfico, histórico e descritivo da Comarca do Alto Amazonas” (1852). Deste, retiramos os seguintes trechos:
“Itacoatiara: freguesia na margem setentrional do Rio Amazonas. (…) Provém-lhe o nome de umas pedras que a vazante descobre em seu porto, escrita de hieroglíficos, também já teve o de Abacaxis, da terceira situação que teve então nas margens deste rio, tendo sido: a primeira, no Rio Mataurá, confluente do Madeira, fundada pelos jesuítas; a segunda, no Rio Canumã, que deságua no furo de Tupinambarana; a terceira, no dito Abacaxis (…); a quarta, na margem direita do mesmo Madeira abaixo do furo de Tupinambarana; a quinta, é a que ora ocupa; todas motivadas pela perseguição da nação Mura. Foi ereta em vila com a denominação de Serpa, pelo primeiro governador da Capitania do Rio Negro, Joaquim de Melo e Póvoas em 1759…”.
03 – Arthur Cézar Ferreira Reis: Sociólogo, historiador e amazonólogo. Nasceu em Manaus em 8 de janeiro de 1906 e faleceu no Rio de Janeiro em 7 de fevereiro de 1993. Direcionou os estudos e conhecimentos a serviço de uma causa: a Amazônia. Entre as funções públicas desempenhadas estão: a de superintendente do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), atual Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) – em Belém, e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – em Manaus. Governou o Estado do Amazonas de 29 de junho de 1964 a 31 de janeiro de 1967 e nessa condição realizou obras de relevo, entre elas: a conclusão da Estrada Manaus-Itacoatiara (AM-010) e a consolidação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Integrou dezenas de instituições culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e a Academia Amazonense de Letras (AAL). Lecionou na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, e na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Entre os quase 100 livros que escreveu, destacam-se: História do Amazonas (1931); Manaus e outras vilas (1934); Lobo D’Almada, um estadista colonial (1940); Síntese de história do Pará (1941); A conquista espiritual da Amazônia (1942); O processo histórico da economia amazonense (1944); Estadistas portugueses na Amazônia (1948); O seringal e o seringueiro (1953); A questão do Acre (1957); A Amazônia e a cobiça internacional (1960).
No livro “História do Amazonas”, Arthur C. F. Reis fala sobre as raízes municipais de Itacoatiara nos seguintes termos:
“Os padres da Companhia de Jesus tiveram a seu cargo os índios do Madeira. (…) Despendendo de esforços inauditos, conseguiram, no entanto, reunir índios na foz do Mataurá, de onde passaram, perseguidos pelos Muras, para o Canumã. Ainda daí tiveram de mudar-se levando os catecúmenos para a boca do Abacaxis, onde puderam permanecer definitivamente. Em 1757, o nascente povoado foi transladado para a margem esquerda do rio Amazonas, a um sítio de pedras pintadas, conhecido por Itacoatiara. É a cidade desse nome.”
04 – Manoel Anísio Jobim: Jurista, professor e historiador. Alagoano, nasceu em 27 de março de 1877 e faleceu em Manaus em 13 de junho de 1971. Radicado no Amazonas desde 1902, foi juiz municipal do termo judiciário de Itacoatiara (1911-1914) e em seguida juiz de Direito da Comarca (1914-1916) e desembargador presidente do Tribunal de Justiça.
Ex-senador pelo nosso Estado (1951-1955), professor de Direito, membro do Instituto Geográfico e Histórico e da Academia Amazonense de Letras. Escreveu vários livros sobre História da Amazônia, entre os quais ressaltamos o clássico “Itacoatiara. Estudo social, político, geográfico e descritivo”, editado em 1948. Ao tratar das origens de Itacoatiara, Anísio Jobim destaca: “Itacoatiara é um nome tirado da língua geral. Significa em suas raízes pedra pintada, por motivo de inscrições gravadas nas pedras que lhe guarnecem o porto. Levanta-se a cidade em belo platô cenolítico à margem esquerda do rio Amazonas, sendo para aí transladada em 1759.
Esse local não foi o primeiro a ocupar a antiga povoação que lhe deu origem. Antes (…) esteve em vários pontos do majestoso rio Madeira. (…) Nasceu na foz do Mataurá (…) invadida e incendiada pelos índios Mura, seus habitantes resolveram mudá-la para Canumã, (…) os índios seguiram-lhes a pista, depredando a aldeia e matando muitos dos seus habitantes. Os [seguidos] ataques levaram seus moradores, ainda uma vez, a [fugirem] e indo se colocar junto ao rio dos Abacaxis, onde, em 1755, os foi encontrar o capitão-general Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Grão-Pará e Maranhão.
Aproveitando a passagem do diplomata por Trocano que Mendonça Furtado denominou Borba, a Nova, e a disposição que estava de se dirigir à aldeia (…) que pretendia elevar à categoria de vila, [os moradores] pediram-lhe permissão para se mudarem do local, justificando o pedido com os motivos acima declarados. O representante do governo português anuiu à proposta (…), não para os sítios que eles indicaram, “a grandíssimas distâncias no centro das matas, o que [lhe] pareceu seria prejudicial” (…). Nomeou então ‘uns poucos de sítios para eles escolherem o que lhe parecesse melhor, a bem de sua saúde e da sua conveniência. Optaram pelo sítio Itacoatiara, sobre o Amazonas.’”
05 – Francisco Jorge dos Santos: Historiador amazonense. Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com ênfase em História do Brasil Colônia. Um dos expoentes da tese de que Itacoatiara originou-se do aldeamento fundado pelos jesuítas, em 1683, na região do médio Rio Madeira.
06 – Dóris Cristina Castilhos de Araújo Cypriano: Professora e historiadora gaúcha. Dentre os seus inúmeros escritos, destaca-se “Almas, corpos e especiarias: a expansão colonial nos rios Madeira e Tapajós”, São Leopoldo/RS, 2007. Retiramos do Capítulo intitulado “O Processo de Implantação de Missões Jesuíticas no Rio Madeira” (páginas 93/101), integrante da “III Parte: As Margens do Rio Amazonas, nos Séculos XVI-XVIII”, a seguinte informação:
“A primeira missão dos jesuítas sob assistência de Portugal, às margens do rio Madeira, foi efetuada em 1661 pelos padres Manuel de Souza e Manuel Pires. (…) A viagem seguinte, registrada por Bettendorff, já é empresa liderada por ele (…) e realizada em 1669. Estas primeiras missões confirmaram que uma grande população vivia nesta área e poderia vir a ser atendida e catequizada.
Após esta viagem, tais populações seguiram sendo catequizadas apenas por missionários que peregrinaram entre os grupos. Essa situação somente começou a ser alterada no ano de 1683, quando o então Superior da Missão padre Jódoco Peres, navegou pelo rio Madeira com o objetivo de averiguar as condições para que se fundasse ali uma nova residência. Depois de uma viagem de nove dias [da boca do Madeira ao Mataurá], alcançou os Iruri, e, estando junto a eles, não apenas comprometeu-se de enviar um missionário para a assistência do grupo, como, também, obteve a licença de retornar ao Pará com o filho do Principal, para que o rapaz aprendesse a língua geral e regressasse, mais tarde, sendo capaz de auxiliar como intérprete”.
MISSÕES (ou ALDEAMENTOS) INDÍGENAS
As missões da Amazônia, inclusive a que deu origem à cidade de Itacoatiara, decorreram do ousado plano do padre Antônio Vieira, da Ordem dos jesuítas (Companhia de Jesus), traçado em meados do século XVII. Com muito brilhantismo, a antropóloga paulista Marta Rosa Amoroso (1991), trata desta questão.
Padre Vieira chegou à Amazônia em 1653 e dois anos depois estava em Lisboa para negociar junto à Coroa o regimento que afasta as autoridades coloniais do trato com os índios e passa para a responsabilidade dos jesuítas a administração das aldeias, assim como o gerenciamento das entradas na região destinadas a evangelizar os índios e, portanto, trazê-los à ‘civilização’.
Dois textos fundamentais nascem nesse momento: o Regimento de 9 de abril de 1655, inspirado pelo padre Antônio Vieira e assinado por dom João IV, e o Regulamento das Missões, redigido pelo próprio Vieira. No texto da Lei de 1655, lemos que esse grande líder religioso obteve o total apoio da Coroa portuguesa para efetivar tais projetos na região – naquele momento a Companhia de Jesus é confirmada como a ordem religiosa preferencialmente escolhida para administrar as aldeias, com poderes para enfrentar todas as formas de guerra ofensiva contra os índios.
Porém, os inimigos da causa não descansaram. Em 1661 ocorre a primeira expulsão dos jesuítas de Belém e São Luís. A legislação que se segue atende claramente aos anseios dos colonos: as aldeias indígenas têm sua administração secularizada e passam a ser geridas por capitães seculares. Vieira volta à Corte e é proibido de retornar à Amazônia.
Mas, Antônio Vieira não cruzou os braços, continuou na luta: tanto insistiu que venceu. Em 1680 vamos encontrá-lo inspirando uma nova legislação que favorecesse os índios. Graças à sua firme atuação, é baixada a Lei de 1º de abril de 1680, retirando das mãos dos capitães a direção das aldeias e conferindo aos jesuítas o monopólio sobre os descimentos e a conversão dos nativos. Em seguida, ainda por inspiração de Vieira, é expedida a Carta régia de 7 de março de 1681, criando as primeiras Juntas das Missões.
A partir daí, começam fortemente as démarches para a criação, entre outras, da missão de Mataurá (afluente do Rio Madeira) – estabelecimento jesuítico que daria origem a Itacoatiara. ATENTEMOS para a Carta de 2 de abril de 1680, – um dia após a decretação da Lei de 1º de abril de 1680 – que o padre Antônio Vieira enviou de Lisboa para o para Pedro Luís Gonçalves, então superior dos jesuítas da Amazônia, sugerindo o estabelecimento de uma residência (missão) no Rio Madeira!
Finalmente, em 1686, com o Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará, – estatuto legal que vigoraria até 1755 – os jesuítas são reintegrados na direção espiritual e temporal das aldeias. Referido regimento nasce sob o signo da conciliação entre as partes em conflito (padres e colonos) e marcaria uma nova fase da política indigenista da Coroa para as missões. Beneficiaria eficazmente a missão que deu origem a Itacoatiara – como trataremos na discussão aberta agora neste Plenário.
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