“Afinal, a Amazônia é uma das principais reguladoras do ciclo hidrológico da América do Sul. Seu desequilíbrio afetará diretamente a segurança alimentar, energética e hídrica de milhões de brasileiros.”
O Brasil encontra-se diante de uma encruzilhada moral, ambiental e civilizatória. Escolher explorar petróleo na foz do Amazonas em nome de uma suposta “segurança energética” significa negar a ciência, comprometer a integridade de um dos ecossistemas mais sensíveis do planeta e perpetuar um modelo de desenvolvimento que já provou ser insustentável.
Enquanto o mundo clama por soluções reais para a crise climática, a defesa da continuidade dos combustíveis fósseis, ainda que disfarçada de transição, tornou-se uma ameaça existencial. Não há espaço para mais extração, nem tempo para mais concessões. Os desastres climáticos já estão entre nós – e cobram um preço altíssimo.
As vítimas do colapso
Famílias soterradas por deslizamentos em Petrópolis. Crianças desaparecidas nas enchentes do Sul. Colheitas perdidas pela seca extrema no Nordeste. Incêndios florestais que consomem vidas, lares e biodiversidade na Amazônia e no Pantanal. Ondas de calor que matam silenciosamente os mais pobres nas periferias urbanas.
A intensidade e a frequência desses eventos não são acidentais – são consequências diretas do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, produzidos em grande parte pela queima de petróleo, gás e carvão. Fósseis, fogo, floresta, a cadeia da destruição.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já foi claro em seus sucessivos relatórios: para limitar o aquecimento global a 1,5°C e evitar o colapso climático, o mundo precisa reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis a partir de agora. Qualquer nova exploração de petróleo é, nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, “moral e economicamente insana”.
A voz da ciência brasileira
O físico Paulo Artaxo, membro do IPCC e um dos maiores climatologistas do Brasil, e co-fundador do portal BrasilAmazoniaAgora, foi categórico ao afirmar que “a Amazônia é uma vítima do modelo fóssil e não pode ser transformada em sua próxima fonte.” Para ele, continuar investindo em petróleo enquanto o planeta arde é o equivalente a abastecer uma casa em chamas com mais gasolina.
Paulo Artaxo – foto: Marcos Oliveira
Artaxo argumenta que o Brasil, ao insistir na abertura de novas fronteiras fósseis, como a Foz do Amazonas, arrisca não apenas sua reputação internacional, mas também seu próprio equilíbrio climático. Afinal, a Amazônia é uma das principais reguladoras do ciclo hidrológico da América do Sul. Seu desequilíbrio afetará diretamente a segurança alimentar, energética e hídrica de milhões de brasileiros.
A mentira da escassez e a abundância do sol
A tese de que o Brasil precisa do petróleo da foz para garantir energia após 2030 é falsa. As próprias projeções da Petrobras mostram que as reservas atuais sustentam a produção por mais de uma década. E mais importante: o Brasil é uma potência energética natural, com recursos renováveis abundantes, consolidados e escaláveis.
A energia solar já é uma revolução em curso – limpa, descentralizada, democrática. A energia eólica cresce em potência e eficiência, especialmente no Nordeste. A biomassa, a partir de resíduos agroindustriais, contribui para uma matriz limpa e circular. E a modernização das hidrelétricas pode ampliar sua capacidade com menos impacto ambiental. Isso sem falar no potencial das energias dos oceanos e do hidrogênio verde.
Abandonar os fósseis não é uma ameaça. É uma oportunidade de ouro: gerar empregos verdes, atrair investimentos climáticos, reduzir custos de saúde pública, garantir segurança energética e reposicionar o Brasil como liderança ambiental global.
foto: Victor Moriyama/Greenpeace
Uma escolha de país
Ao rejeitar a exploração da Foz do Amazonas, o Brasil não estará abrindo mão de progresso, mas sim abraçando o futuro com responsabilidade e inteligência. Estará sinalizando ao mundo que prefere a ciência à ganância, a vida à destruição, o longo prazo à emergência do lucro.
E mais: estará protegendo a Amazônia – muito mais do que um patrimônio ecológico, reserva moral e espiritual da humanidade, território sagrado de povos originários, berço de diversidade e esperança.
A escolha é nossa. Podemos insistir em escavar um passado que está nos matando – ou cultivar um futuro que nos salva. O mundo já está ferido demais. E o Brasil tem, talvez como nenhum outro país, a chance de ser o remédio.
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