Manaus, 19 de junho de 2025

Os frutos da esperança

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Livro histórico1

Antologia do Novo Conto Amazonense representa, em prosa, o correspondente à Pequena Antologia Madrugada, em poesia, no panorama da moderna literatura praticada no Amazonas. A antologia de poesia, com seleção, prefácio e notas de Jorge Tufic, apareceu em 1958, constituindo a primeira manifestação coletiva do esforço criador dos jovens reunidos no Clube da Madrugada. A seleta de prosa, esta que hoje surge em segunda edição, originalmente organizada com apresentação, notas biográficas e seleção de Arthur Engrácio, saiu em 1971, cerca de 13 anos depois da época de poesia, a demonstrar, quem sabe, que o tempo de maturação do ficcionista prosador foi mais demorado que o do poeta no processo de renovação das letras amazonenses. Até porque há nomes que se encontram arrolados nas duas coletâneas, casos de Alencar e Silva, Antísthenes Pinto, Guimarães de Paula, Jorge Tufic e L. Ruas.

Observa-se, ainda, que, entre os autores aqui reunidos muitos vingaram como contistas e um tanto deles ficou restrito aos trabalhos enfeixados neste livro. Outros, como se observa em Alencar e Silva, Ernesto Penafort, Guimarães de Paula, Jorge Tufic e L. Ruas exerceram a prosa de ficção de forma bissexta, se compararmos com a intensa atividade que os distinguiram na construção de uma obra volumosa e expressiva no âmbito da poesia.

Há o sucedido com Aluísio Sampaio, dedicado às atividades do jornalismo literário, à crítica e ao ensaio. Aluísio foi raptado pelo anseio que orientou a sua juventude na organização e administração das promoções do Clube da Madrugada. Foi ele quem editou a página literária que o Clube manteve em O Jornal por mais de 10 anos.

A sua profissão de escritor ficou reduzida aos projetos que, enfim, não se sabe se permaneceram iniciados em textos deixados no seu acervo pessoal após a sua morte. Igualmente acontecendo com Ernesto Pinho Filho, aplicado aos estudos amazônicos, e Luiz de Miranda Corrêa, consagrado às funções de administrador público de órgãos de cultura, produtor cultural e aos estudos sociais, a história e a interpretação da Amazônia.

Entre eles, o mais notório, é o exemplo de Antísthenes Pinto. Paralelamente aos inúmeros livros de poemas, o poeta de Sombra e asfalto trouxe à luz uma considerável contribuição no terreno do romance, da novela e do conto.

Verifica-se, ainda, o caso excepcional de Astrid Cabral. Ao se revelar como uma das mais altas vozes da poesia brasileira contemporânea destacou-se, essa notável poeta e professora de Literatura, com o seu livro de estreia, um só livro de contos, único em toda a sua produção, intitulado Alameda (1963). Vê-se Benjamin Sanches que se projetou, com um livro único também, O Outro e Outros Contos (1963), convertendo-se em um dos mais expressivos do movimento de renovação da prosa de ficção brasileira. E de Carlos Gomes, consumando, na rudeza dos textos com que cuida das mazelas humanas, as virtudes do humor, como que no intuito de amainar o drama das situações que aborda, em Mundo, Mundo, Vasto Mundo (1966).

Dedicados exclusivamente ao conto e a outras formas de manifestação da prosa de ficção ficaram, em toda a sua trajetória de escritores, Erasmo Linhares, Francisco Vasconcelos, Getúlio Alho, Péricles Sanches e o próprio Arthur Engrácio, organizador da coletânea. Engrácio foi um incansável trabalhador da prosa. Ao desaparecer, em pleno fulgor de sua atividade criadora, deixou publicada uma obra significativa em contos, romances, crônicas e ensaios de crítica literária.

Conforme deve acontecer com as antologias, esta reunião de contos concentra o que havia de mais significativo no trabalho dos autores arrolados em 1971. Traz a lume, na sua maioria, a preocupação daqueles jovens com a análise do mundo interior, os conflitos íntimos, na linha de introspecção que dominou uma larga faixa de ficcionistas brasileiros no período, a abordagem dos universos levantados nos ambientes urbanos por onde andaram aqueles jovens autores. A jaula (Alencar e Silva), A agonia da rosa (Astrid Cabral), frente (Aluísio Sampaio), Touro Guarujá (Benjamin Sanches), Os peixes da rosa (Astrid Cabral), Muro de Faces (Antisthenes Pinto), O espelho em frente Aluísio Sampaio), Toro Guarujá (Benjamin Sanches), Os peixes da chuva (Ernesto Penafort), Conosco os ingênuos: Aleluia! Aleluia! (Ernesto Pinto Filho), Lapa, 1953 (Guimarães de Paula), Noturno da São Sebastião (Getúlio Alho), Janela Azul (Jorge Tufic), A morta (L. Ruas) e Tia Ema (Péricles Sanches).

Envolvidos pelas preocupações de ordem metafísica, vinculados às especulações de natureza psicológica, havia uns poucos, entre aqueles jovens autores, que revelavam, em seus contos, a preocupação com questões sociais. Mas, em verdade, ao fim e ao cabo, todos os madrugadores se inquietavam com as questões sociais, embora pouco se consiga detectar dessas preocupações em seus contos. O problema social era um fenômeno unânime verificado na postura ideológica de todos eles, não conseguindo, apesar disso, cristalizar-se em termos de expressão literária. Nessa linha, de forma clara e mais evidente está apenas Beribéri, de Erasmo Linhares, e O menino e a lei, de Francisco Vasconcelos.

Do ponto de vista do conteúdo ambiental as narrativas prendem-se a situações e personagens circunscritos ao meio urbano, divorciadas, portanto, do mundo amazônico dos rios e da floresta. Exceção de Arthur Engrácio no Áspero chão de Santa Rita, que reconstrói o universo da beira do rio, os pequenos e grandes dramas do homem dos lagos e igarapés. Narra, num texto repleto de metáforas, como no seguinte trecho:

A mata nesse tempo já era uma negridão só. Os carapanãs, minúsculos zíngaros endiabrados, surdinando-surdinando iam afinando os violinos para logo mais atacar na orquestra regida pelo Sapo Boi. Milhares de outros insetos saiam dos seus esconderijos e começavam os seus trabalhos de azucrinação. O coronel, demonstrando fadiga, fez sinal para que parassem.

De Carlos Gomes que, no seu Rosa de Carne, mostra o drama de uma família vinda do interior para aventurar a vida na cidade:

Família pobre com a graça de Deus, mas honrada. Eram-no, realmente. Tinham vindo de um interior distante, os trastes alienaram lá mesmo, para custearem os primeiros meses na cidade. O chefe esperava conseguir emprego, não conseguiu. Viviam de vender balas de cupuaçu, o marido às vezes pegava biscates, a mulher também lavava roupa pra fora.

E de Luiz de Miranda Corrêa com o seu Kyrie de Itaporanga, que situa o meio urbano dos acontecidos às margens do rio, numa cidade amazônica, portanto. Conta o conto:

Pouco a pouco a canoa se aproximava do barranco escarpado, apresentando sinais de seca das grandes. A lama grosa anunciava arraias e os garotos evitavam o lodaçal com respeito. Encarrapitada no alto da margem, Itaporanga acordava para mais um dia sem futuro […]

Por serem todos escritores muito jovens, na maturidade alguns deles tomaram rumos diferentes. Antísthenes Pinto, após um largo período passado numa comunidade plantada às margens do rio, em contato próximo com o movimento das águas e dos trabalhadores do mato, converteu-se em um dos seus intérpretes. Em sua obra romanesca deixou livros como Terra Firme (1970) e Várzea dos Afogados (1982), totalmente dedicados ao registro das vidas e dos dramas do homem do rio. Arthur Engrácio, que veio do interior, das barrancas do Rio Madeira, prosseguiu numa obra dedicada a interpretar o dia a dia da sua gente.

Enfim, esta antologia revela a diversidade, a pluralidade, as várias tendências dos mais ativos atores do Movimento Madrugada. Exemplo de trabalho sério e consciente de quem desejava mudar, embora por caminhos múltiplos, mas sempre nos rumos da renovação das atividades artísticas e de comportamento em relação ao mundo. Este livro constitui um documento importante e a sua reedição é mais um gol de placa realizado pela Valer, editora amazonense de tantas aventuras, vitórias e lutas.

1Apresentação da 2.a edição da Antologia do Novo Conto Amazonense, de Arthur Engrácio, de responsabilidade da Valer Editora em 2005.

Continua na próxima edição…

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