Contrastando com a conduta dos políticos amazonenses em passado recente, uma atitude exemplar foi tomada pouco depois da Revolução de 1930, que pode ter sido um ato de audácia, destemor, para dar exemplo de moralidade ou a tentativa de construir couraça para ficar no governo. Nunca se sabe.
Em Manaus, em 1931, o então jovem interventor federal, Álvaro Botelho Maia, adotou postura que deve surpreender, ainda agora, aos mais incrédulos pesquisadores da história local.
O Estado vinha sendo governado por oligarquias, sucessivamente, durante largo período da Primeira República (1889-1930), algumas das quais foram apeadas do poder e deixaram rastros inimagináveis de corrupção e escândalos familiares. Portanto, era preciso provocar um choque moral na política e demonstrar, de forma ampla à população, que a intervenção civil-militar de outubro que conduzira Getulio Vargas ao Governo Federal chegara para modificar, inteiramente, o modo de governar e de representar a população.
Nesse sentido, nos primeiros dias de julho de 1931, com apenas sete meses à frente da Administração Pública do Amazonas, Álvaro compareceu ao Teatro “Alcazar” e, na ausência de Poder Legislativo devidamente constituído não só fez a leitura de um relatório no qual demonstrou como vinha gerindo a coisa pública, mas também, diante de uma plateia lotada e atenta, comunicou que tomaria um hidroavião, pois estava de viagem marcada para o Rio de Janeiro, a então capital da República, para tratar de assuntos de interesse da Administração. Não só isso, também autorizou os presentes a comporem uma comissão popular para averiguar a legalidade e regularidade dos atos que praticara.
E não venham os olheiros curiosos da história insinuar que se tratava de balela e de medida unicamente politiqueira, ou “conversa prá boi dormir”, porque tal fato pode ser constatado no Diário Oficial do Estado de 9 de julho daquele ano e era contado pelos mais antigos dos quais me aproximei desde cedo para aprender mais e melhor sobre nossa terra.
Em seguida, transmitiu o cargo de interventor ao tenente Emanuel de Morais, em Palácio Rio Negro, recomendando cuidados com os “dinheiros deixados em cofre”, acenando sobre providências que o prefeito Marciano Armond precisaria adotar com certa brevidade, afinal, não se tratava de uma viagem qualquer, visto que este deslocamento duraria de 11 de julho a 15 de agosto do mesmo ano. E o pior é que Álvaro foi exonerado por Vargas, em razão da crise intransponível do afastamento de desembargadores do Tribunal de Justiça, em decorrência do caso “Eneida”.
Na verdade, o que se verifica, rigorosamente, é que a viagem ao Sul foi feita para enfrentar as pressões políticas e maçônicas em razão do ato com o qual procurou atender às manifestações populares contra o defloramento de jovem comerciária por cidadão de origem estrangeira, caso já bastante contado e recontado em outras crônicas aqui publicadas.
O inusitado de seu gesto, sem dúvida, além da apresentação pública de um relatório de gestão, foi a autorização para que parte da população manauense reunida no “Alcazar”, o mesmo que se transformou em cine “Guarany”, compusesse comissão com poderes para investigar os seus atos. Nem isso o salvou das garras dos que vinham acostumados a viver por conta das estruturas carcomidas de poder, muitos originárias do Império e consolidados ao longo dos anos na República que ele pensara estar em franca transformação em 1930. Ledo engano!
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