
*Wilma Tereza dos Reis Praia
Continuação…
Outras Lendas
JURUPARI
O mito tem duas denominações: no Norte, denomina-se “Jurupari” enquanto que no Sul, “Anhangá”.
Jurupari é o espírito dos maus pensamentos, que aparece em sonhos, causando os chamados “pesadelos” noturnos. É, portanto, uma entidade espiritual que provoca insônias, mal-estar, prejudicando a tranquilidade e o repouso. Assim também é Anhangá.
Há, entretanto, lendas cheias de mistérios e romance sobre sua origem e destino. Em uma, Jurupari aparece como imigrante invasor, que dita leis e se constitui como orientador de uma raça e, cujos exemplos e lições devem ser obedecidos pelos índios.
Os jesuítas caracterizaram o Jurupari como demônio; os índios, por serem supersticiosos, foram fáceis de ser conduzidos, aceitaram prontamente que as interrupções do sono e os sustos eram obra de um espírito do mal. E, efetivamente, o testemunho de quase todos os missionários era de que o Jurupari fosse sinônimo de demônio.
Jurupari é traduzido como “ser que vem à nossa rede”, isto é, ao lugar onde os índios dormem. A tradução, conforme tradição indígena exprime a ideia de que um estranho visita os homens em sonho, causando aflições e trazendo-lhes imagens de perigo horríveis. O índio nesse caso é possivelmente vítima do que se denomina pesadelo. Entretanto a lenda fala outra coisa, vamos a ela.
A MISSÃO DE JURUPARI
Jurupari foi enviado do Sol com a missão de arranjar-lhe uma noiva. Naquele tempo as mulheres dominavam os homens, que eram seus escravos.
O Sol, como sublime dominador da Terra, conferiu poderes especiais a Jurupari para mudar as coisas. Assim, os homens passaram a dominar as mulheres.
Jurupari nasceu de mãe-virgem, concebido através do sumo da cura-cura do mato, quando o poder, quase que total, estava nas mãos das mulheres. Sua mãe era índia e se chamava Ceuci, Jurupari veio ao mundo para desfazer aquele estado de coisas que contrariava as leis do Sol.
Restituiu a autoridade suprema dos homens, criou novas leis, mandamentos, tomando-se, portanto, o “legislador da mitologia indígena”, para quem tinha que encontrar uma mulher perfeita para com o Sol se casar. E como ainda não a encontrou, continua a busca, só retornará ao céu quando achar a noiva.
Entre as inovações de Jurupari estão incluídas as grandes festas das quais somente os homens deveriam tomar parte e segredos que só eles deveriam conhecer. Mulher nenhuma poderia infringir as suas regras. Ceci, mãe de Jurupari, resolveu desobedecer e morreu.
Acredita-se que, num dado momento da festa, à meia claridade das luzes, apresenta-se como um indivíduo um índio muito bonito ou demônio, com uma varinha na mão, fazendo trejeitos e batendo com a varinha em todos os assistentes, desaparecendo em seguida.
É o Jurupari.
As mulheres não o podem ver sob pena de morte. É considerada a mais influente entidade sobrenatural dos selvagens que aparece em sonho aos homens. É base de algumas religiões e mitos primitivos. É geograficamente o mito mais difundido entre os indígenas.
Assim que atingem a puberdade os homens são iniciados nos segredos do Jurupari, segundo sua lei. Para isso eles têm que passar por grandes preparos até atingirem a idade em que se sentem plenamente fortes para resistir a qualquer sedução que lhes queira arrebatar os segredos. Qualquer que os desvendam deverá ser punido com a morte. O mesmo destino tem a mulher que, se por acaso vier, a saber, de um deles. Na lei de Jurupari as mulheres são submissas aos homens, assim:
1- Deverá a mulher conservar-se virgem até a puberdade;
2- Será sempre fiel a seu marido e nunca poderá se prostituir;
3 – Depois do parto da mulher, o marido deverá abster se de todo o trabalho e de toda a comida, pelo
espaço de uma lua, para que a força desta lua vá toda para a criança;
4- Não poderá haver chefe fraco, pois segundo as leis de Jurupari, o chefe fraco será substituído
pelo mais valente e corajoso da tribo;
5- Se puder sustentar, o chefe poderá ter tantas mulheres quanto quiser;
6- A mulher estéril do chefe deverá ser abandonada e desprezada;
7- Com os trabalhos de suas mãos o homem deverá
sustentar-se;
8- Jamais a mulher poderá ver o Jurupari, para que assim não seja castigada por alguns de seus três
defeitos dominantes: a incontinência; a curiosidade; a facilidade em revelar segredos.
Jurupari distribuiu assim os trabalhos:
Os homens deveriam ir à guerra, à caça e pesca e às derrubadas da mata. As mulheres deveriam dedicar-se à cerâmica, tecelagem, transporte de carga, trato dos filhos e agricultura.
As leis do Jurupari impunham silêncio total sobre os segredos ocultos. Um pai deveria matar seu filho, se este descobrisse antes de ser iniciado pelos rituais qualquer particularidade sobre suas festas sagradas.
O ROUBO DO FOGO
Antigamente Cauaiua secava a comida no sol, pois não havia fogo.
O chefe dos Cauaiua, Baíra, foi ao mato fazer uma experiência; assim, cobriu-se de cupim e deitou-se, fingindo que estava morto.
Veio à mosca varejeira, viu aquele morto e foi avisar Urubu. O Urubu era o dono do fogo, e o trazia sempre consigo, debaixo das asas, dizem.
O Urubu desceu do céu, acompanhado de outros urubus, da mulher e dos filhos.
O Urubu era gente: tinha mãos. Preparou o moquém, pôs debaixo dele o fogo, mandando que os filhos vigiassem. Os filhos viram que o morto estava bulindo. Disseram ao Urubu. O Urubu não acreditou nos filhos. Disse-lhes somente que fossem matando as varejeiras com as flechinhas que haviam trazido.
Quando o fogo, debaixo do moquém, estava bem alto, Baíra se levantou, de repente, e o roubou, depois fugiu.
Urubu saiu a persegui-lo com a sua gente.
Baíra escondeu-se no oco de um pau. O Urubu e sua gente entraram no oco do pau, atrás de Baíra. Mas Baíra saiu do outro lado, e atravessou um tabocal.
O Urubu não pôde acompanhar e assim Baíra chegou à margem do rio, largo, muito largo.
A gente dele, os Cauaiua, estava na margem de lá. E havia muita gente.
Pensou Baíra como lhe levaria o fogo roubado ao Urubu. Chamou a cobra-surradeira, pôs-lhe fogo nas costas e mandou levá-lo para a sua gente. Como a surradeira corre muito, logo saiu a toda no meio do rio, porém, a cobra morreu queimada.
Baíra, com um cambito, puxou o fogo para si. E o pôs noutras cobras. As cobras iam até o meio do rio, mas não resistiam ao calor do fogo: morriam.
Baíra, então, pegou o camarão e pôs-lhe o fogo nas costas. O Camarão foi até o meio do rio, mas não resistiu ao calor do fogo, morrendo queimado, todo vermelho.
Baíra puxou o fogo para si, de novo. Pegou o caranguejo e pôs-lhe o fogo nas costas. O caranguejo foi até o meio do rio, mas morreu como o camarão, ficando vermelho.
Baíra puxou o fogo e o pôs nas costas da saracura. A saracura, que anda muito, foi até o meio do rio, mas morreu queimada.
Então, Baíra pegou o cururu. O sapo foi, aos pulos, até perto dos Cauaiua, à espera noutra margem do rio. Como já ia meio morto de cansaço, os cauiaua o puxaram para terra, com um cambito. E levaram o fogo para a maloca.
Baíra, do outro lado, pensou como deveria atravessar o rio. Mas Baíra era um grande pajé. Fez o rio estreitar-se. Deu um pulo sobre as águas e foi à procura de sua gente.
Desde aquele dia os cauaiua tiveram fogo e puderam assar peixes e caças no moquém. E o cururu virou pajé.
Continua na próxima edição…
*Wilma Tereza dos Reis Praia, nascida em Manaus, é formada no Curso Técnico de Análise Clínicas pelo Colégio Amazonense D. Pedro II. Trabalhou como funcionária pública na extinta CODEAMA e ministrou aulas particulares para estudantes de nível médio. Atualmente, dedica-se à digitação de artigos acadêmicos e pesquisa sobre povos e lendas da Amazônia. Dessa pesquisa, nasceu sua obra “Raízes da Amazônia – LENDAS DA AMAZÔNIA”, composta por dois volumes, cada um contendo 45 lendas, publicada em 2011.
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