Essa minha Manaus tão querida como meu berço de nascimento, tem coisas engraçadas, estranhas, curiosas e fantásticas, algumas delas surpreendentes, as quais, mesmo com o passar do tempo, não se apagam e cada vez mais parece justo recuperá-las. Uma delas, que desejo ressaltar nessa oportunidade, é a existência de duas figuras especiais que experimentaram o cotidiano mais simples de nossa terra, mas que ousaram vencer muitos obstáculos, firmar uma conduta profissional exemplar, atuar de forma
pioneira e ficaram inscritos na nossa história.
E essa relembrança é revisitada por duas razões particulares: o livro de Sávio Stoco que me chegou as mãos tratando de uma figura excepcional de artista, cineasta e fotógrafo, precisamente o festejado Silvino Simões dos Santos Silva, financiado pelo empresário J. G. de Araújo, símbolo de um período de economia pujante na Amazônia – a da hévea; e a modernização do museu do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas que o presidente José Braga vem realizando, sem alardes.
No primeiro caso, trata-se de primoroso estudo em que Sávio Luís Stoco desvenda em minuciosos detalhes, a vida e a obra de Silvino Santos, a quem conheci na fase final da vida, mas ainda em tempo de conseguiu reunir para a então Fundação Cultural do Amazonas boa parte dos negativos em vidro da maravilhosa coleção de fotografias que havia feito ao longo dos anos, viajando por esse mundão de águas e florestas. Trata-se de figura que vem sendo estudada há alguns anos, sobre a qual o cineasta Roberto Kahane – cujo brilho de artista é incontestável –, conseguiu filmar os momentos finais de sua vida nessa passagem terrena.
O outro Silvino Santos, sobre quem já escrevi em outra ocasião, mas que ainda carece de pesquisa mais profunda e detalhada, se inscreve na história amazonense por processo criativo e audacioso que o tornou conhecido e festejado, ainda que não tanto quanto merecia. A sua inventividade foi enorme e, mesmo que não tenha se consumado com pleno êxito como era de seu natural desejo, marcou época na cidade de Manaus.
Trata-se de motorista e mecânico, homem de vida modesta, funcionário público estadual destacado para motorista e mecânico dos carros que serviam ao governador do Estado tendo atuado em vários governos, e que, quando da administração do Dr. Ephigênio Ferreira de Salles (1926-1929), usando o galpão em que guardava a viatura oficial, se dedicou a construir um avião que denominou de “Amazonas-Brasil”, o qual levou para testes na baía do Rio Negro, na parte principal do porto flutuante da nossa capital.
Foi um espetáculo ao qual acorreram muitos populares e autoridades para ver o avião deslizar nas águas negras do nosso rio, mas, infelizmente, talvez pelo peso com motor não dimensionado adequadamente (isso é suposição de leigo), o avião não decolou, provocando muita marola e frustração.
Além das recordações contidas em notícias de jornal e das conversas que se ouvia ainda pelos anos 1970 a respeito desse episódio, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas guarda, no seu Museu “Crisantho Jobim”, a hélice em madeira original, feita para este avião e utilizada na ocasião de experimentar esse engenho amazonense.
Como se vê, foram dois “Silvinos Santos”, e bons artistas, cada um no seu metier, a justificarem com habilidade, competência e visão de futuro, a vivência em Manaus.
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