Manaus, 23 de junho de 2025

Ferreira de Castro e a Amazônia: sonho de uma humanidade

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Em todos os seus livros está patente a denúncia – apresentar os fatos tão somente para o leitor ajuizar, sem jamais se socorrer da linguagem da violência ou do ódio.

Era uma vez… em Ossela, numa encantadora aldeia do concelho (parte de um distrito) de Oliveira de Azeméis, Beira Litoral, não muito longe de S. João da Madeira e Porto, em Portugal, nasceu a 24 de maio de 1898, um menino que recebeu na pia batismal o nome de José Maria de Ferreira de Castro, destinado pelos deuses ou fadas, a descrever uma trajetória luminosa nos horizontes infinitos das letras portuguesas.

Aos 12 anos, órfão de pai e apenas com o diploma da 4ª classe, emigrou de Ossela rumo a Belém do Pará, no Brasil, munido de um dicionário e no coração a dor da partida e também sonhos lindos e dourados: ser talvez rico e angariar a subsistência de sua mãe, docente, e de seus dois irmãos criança.

Chegando em Belém, empregou-se numa mercearia e após uma breve estada, de uns dois meses, foi despedido. E assim, em março de 1911, ele rumou para o Seringal Paraíso, no Alto Amazonas, nas margens escalavradas do Rio Madeira, na companhia de cearenses, maranhenses, marginais e aventureiros, que à selva iam em busca de sorte e fortuna.

Sentindo a dor da saudade da família, da aldeia, dos amigos, dos campos e do solo pátrio, para esquecer-se, ele escreveu, aos 13 anos, no Seringal Paraíso, o seu primeiro livro, ‘Criminoso por Ambição’, sob a sombra amiga da sapotilheira junto ao barracão do seringal.

Quatro longos e sofridos anos passou Ferreira de Castro no seringal, de março de 1911 a 28 de outubro de 1914, quando se iniciava na Europa a 1° Guerra Mundial, tendo regressado a Belém, onde passou privações e provações.

Em 1916, com a ajuda de um amigo, publicou o livro ‘Criminoso por Ambição’, que foi vender aos amigos e compatriotas, em fascículos. Alguns anos depois, em 1919, regressou a Portugal com apenas 400 mil reis no bolso.

Ferreira de Castro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Teima seguir a carreira de jornalismo em Lisboa, mas reconhece alguma animosidade por parte de alguns colegas. Então, refugia-se nas comunidades primitivas da Serra do Barroso (Minho) que percorre e na Casa do Capitão, em Padornelos, onde escreve as primeiras páginas do seu livro ‘Terra Fria’, e na Serra da Estrela vai em busca de dramas sociais, quando escreve o livro ‘A Lã e a Neve’. Depois visita as Minas de Aljustrel (Alentejo) e escreve extrema e realista reportagem, que foi censurada.

Enquanto enamora-se de Diana Liz, poetisa, que inspirou ao neófilo escritor uma intensa paixão. Foi sob o olhar terno de Diana de Liz, na Rua Tenente Espanca, em Lisboa, à luz de petróleo vivendo mil dificuldades, que Ferreira de Castro escreveu, em 1929, o imortal livro ‘A Selva’, que publicaria em 1930.

Nesse mesmo ano, de consagração, ele recebe um dos maiores golpes do destino. Diana Liz, que levara a ares para Ossela, morre tuberculosa, à míngua de remédios e recursos financeiros. Profundamente abatido, o romancista refugia-se na ilha da Madeira, onde escreve o livro ‘Eternidade’, um hino de espiritualidade em homenagem a Diana Liz.

Mais tarde, em 1937, e após ter escrito outros livros, vem a conhecer a talentosa pintora Elena Muriel, da Andaluzia, refugiada no Estoril da Guerra Civil espanhola, senhora de uma rara beleza física e moral e companheira dedicada do escritor por mais de 40 anos e com quem vem a casar-se, em Paris (França).

Com Elena Muriel dá a volta ao mundo e escreve, no ensejo, ‘A Volta ao mundo’ e ‘As Maravilhas Artísticas do Mundo’. E escreve mais livros: ‘Emigrantes’ (1929), ‘A Curva da Estrada’, ‘Pequenos Mundos e Grandes Civilizações’, ‘Tempestade’, ‘Missão’, ‘O Instinto Supremo’, ‘Os Fragmentos’ (póstumos) etc.

Em 1970 vê a sua obra ser distinguida com o Prêmio Águia de Ouro Internacional, em Nice, pela Academia Francesa, o que constituiu um dos maiores acontecimentos da vida literária portuguesa. Com o valor desse prêmio constrói a Casa–Museu FC, em Ossela (sua terra natal).

Casa da rua Tenente Espanca, 23, em Lisboa, cujo primeiro andar foi escrito o romance ‘A Selva’. (BRASIL, Jaime. Ferreira de Castro. Lisboa: Ed. Arcádia). Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Considerado o percursor do neorrealismo e o mais humanista escritor português, sua obra é um hino de louvor e reconhecimento a todo o homem oprimido, solitário ou desprezado, a todo o homem que trabalha, servindo, muitas vezes explorado, humilhado ou ofendido.

Da leitura de seus livros, que é dirigida a todos os homens que mandam para melhor compreenderem o drama do homem que trabalha, depreende-se, sempre, uma fina ternura e empatia, que tanto nos subjuga como fascina.

Ao escrever o livro ‘A Selva’, Ferreira de Castro denunciou situações tremendamente injustas, como era o caso dos milhões de seringueiros que a extração da borracha davam o melhor do seu sangue, suor e liberdade. Em todos os seus livros está patente a denúncia – apresentar os fatos tão somente para o leitor ajuizar, sem jamais se socorrer da linguagem da violência ou do ódio.

Aí o seu mérito e a sua missão. A denúncia subtil por amor à humanidade enferma. Daí o ter sido considerado o mais humanista escritor português e um dos mais universalistas, já traduzido em 25 línguas e em Braile.

Em 1980, no Parque Municipal de Ferreira de Castro, em São João da Madeira, é inaugurado um monumento no ensejo do Cinquentenário de ‘A Selva’, um busto em Ossela e mais tarde outros bustos se ergueram em terras do Brasil: em Teresópolis (RJ), Belém (PA), Manaus (AM), em Humaitá (AM) mesmo defronte ao Seringal Paraíso, palco central e geográfico da odisseia.

Em 1979, por iniciativa do pintor do Canto dos Verdes da Amazônia, o professor catedrático Moacir Andrade, fundou a Associação Internacional dos Amigos de Ferreira de Castro, com o propósito de divulgar a vida/obra/mensagem humanista. Entre os amigos: General Carlos Alberto da Fontoura; a viúva do romancista Elena Muriel e sua filha, Drª Elza Muriel; o então Presidente da Assembleia da República, Vasco da Gama Fernandes; Tenente Coronel Júlio Baptista Santos; Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Eurico de Andrade Alves (empossado como presidente); Moacir Andrade; Manuela Montenegro; Manuel de Portugal e outras individualidades.

Indígenas parintintins. Fotografia de Silvino Santos. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A AIAFC na pessoa do seu presidente, realizou já quatro visitas de divulgação cultural ao Brasil, nomeadamente a Belém, Manaus, Brasília e Rio de Janeiro.

Teresópolis, Salvador e Santos, a Humaitá e Seringal Paraíso, já visitado em 1986 e 1989, tendo escrito no ensejo o livro visita ao Seringal Paraíso, além de palestras em Universidades, Centros Culturais e Escolas Técnicas e Televisão, levou longe o humanismo do escritor.

E na zona mais ridente do Porto, na Foz do Douro, em 22 de outubro de 1988, erigiu um monumento ao romancista, de 6 metros de porte, três figuras distintas, mais de três toneladas de bronze, contemplando o oceano e lá longe o Amazonas e o Seringal Paraíso.

Em 1989, no ensejo dos 10 anos da fundação, a AIAFC publicou o livro ’10 anos in memoriam de Ferreira de Castro’, livro muito documental e ilustrado com perto de 100 fotos.

AIAFC tem sua sede em São João da Madeira, conta com 400 associados de Portugal, Brasil, EUA, Espanha, França, Polônia, Japão e Panamá, sendo 200 fundadores.

Ferreira de Castro morreu em 29 de junho de 1974, no alvorecer da Democracia em Portugal e está sepultado, segundo seu desejo expresso em carta, sob um banco de pedra, em campa rasa, no Castelo dos Mouros, em Sintra, “para estar mais perto dos homens, meus irmãos, das árvores, da lua e das estrelas, que tanto amei”.

Fonte: ALVES, Eurico de Andrade. Moacir Ferreira de Castro e a Amazônia.

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