Manaus, 19 de junho de 2025

Rótulo tão pouco cultural

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Uma literatura amazônica parece ser algo tão improvável quanto uma literatura regionalista. Ambos os conceitos são invenções recentes.

O regionalismo, por exemplo, é uma invenção nordestina, um rótulo geográfico e ideológico que os nordestinos – que nunca inventaram a ideia de uma cultura do latifúndio, embora certas manifestações da literatura daquela região tenham um caráter tipicamente latifundiário – fomentaram para se contrapor ao esforço vanguardista do modernismo paulista e carioca.

Modernismo, aliás, que participamos na primeira hora. Abguar Bastos, Pereira da Silva e Bruno de Menezes que o digam. Trata-se de um rótulo tão pouco cultural e histórico que os sulistas acabaram por entender que regionalismo é tudo o que é produzido da Bahia para cima. A explicação é que talvez essa história de regionalismo tenha mais a ver com o vigor econômico de cada região geográfica, com o tamanho da pobreza, com a quantidade de políticos corruptos e folclóricos, enfim, esse índice do subdesenvolvimento físico e mental. Quando me sinto exposto a rótulos desse tipo, logo me vem à mente o outro carimbo não menos preconceituoso: o de Latino-Americano. Eu tenho o maior orgulho de me declarar latino-americano quando podemos incluir os artistas e os escritores da Guiana Francesa, do Quebec, do Haiti, da Martinica; ou quando podemos reivindicar para o campo latino autores como Mário Puzzo ou John dos Passos. Ao fazer isso, veremos o espanto dos que usam o termo latino americano como rótulo geopolítico.

O que precisamos é fugir do risco de nos deixar capturar em guetos, onde que os parâmetros de recepção de nossas obras não são de excelência literária, mas fruto da condescendência porque somos pobres ~ moramos longe. De minha parte, durante muitos anos recusei, e continuo recusando editoras estrangeiras que queiram me colocar em coleções latino-americanas, porque autor latino-americano, na Alemanha, por exemplo, é analisado não pelo melhor crítico literário do jornal, mas pelos jornalistas que resenham livros sobre o turismo sexual na Tailândia. É para as mesas desses últimos que são encaminhados os livros exóticos que chegam do Terceiro Mundo, outro rótulo que se cola automaticamente à pele do latino-americano.

Não sei quem inventou a expressão literatura amazônica, mas ela tem inegavelmente uma conotação restritiva, uma roupagem ideológica que mais parece uma desculpa por antecipação. Estes guetos geopolíticos é que nós temos por obrigação rechaçar. É claro que há povos latinos, como há amazônidas. Eu mesmo sou amazonense de Manaus, filho de paraense de Alenquer, com muito orgulho, mas me considero cidadão do mundo e, espero, autor inscrito na grande vertente da literatura brasileira, braço possante da cultura de língua portuguesa, está por si uma rica floração da cultura latina. Estamos situados na outra margem do ocidente e postos como os principais guardiões de seus valores. Parece hoje pacífico que aqui na Amazônia se formou uma cultura nova, uma forma de viver que é própria da região.

Na perspectiva de quinhentos anos, há na Amazônia uma intensa produção cultural, de música de extração popular, que não é música ameríndia, mas originada nas diversas fusões culturais. Há uma música clássica, iniciada na segunda metade do século XIX e que prossegue no século XX. Há uma tradição de arquitetura, de costumes, alimentação, uma tradição nas artes plásticas e uma intensa atividade na literatura. Mas embora devamos nos orgulhar dessa trajetória, não podemos perder o senso crítico do que significou esse processo, não podemos perder o sentido verdadeiro do quanto custou esta formação. Desse modo, mesmo que seja para nos impor nos contextos nacionais ou internacionais, não podemos fazer deste processo histórico uma espécie de jogo de cartas que se lança à mesa para formar uma tradição a qualquer custo. Isto é, não podemos perder o senso crítico ao observar este passado, aprendendo com ele, mas pondo-o em seu devido lugar.

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