Manaus, 23 de junho de 2025

Amazônia: Mãe Generosa, Filhos Ingratos

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*Nelson Azevedo

“Amazônia não é cenário. É personagem. É protagonista. E é tempo de tratá-la como tal. Aos que vêm de fora: sejam bem-vindos. Mas venham com respeito. Venham com humildade. Venham dispostos a ouvir e a aprender. Porque aqui a gente dorme na rede, mas sonha de olhos bem abertos.”

Ensaio em respeito e concordância com o artigo “Estou doida para ir para o motel”, de Giovanna Madalosso, publicado na Folha de S. Paulo, 4 de maio de 2025.

Há uma mãe no coração do mundo. Uma mãe velha, frondosa, de pele enrugada por rios, coberta por mantos verdes e raízes profundas. Uma mãe que mesmo pobre de dinheiro é rica de dádivas. Que mesmo esquecida, continua ofertando vida. Essa mãe tem nome: Amazônia. E seus filhos? Seus filhos têm nomes demais e pertencimentos de menos.

O Brasil é o primogênito ingrato. Aquele que se orgulha de sua existência nas convenções internacionais, mas vira o rosto diante de suas feridas abertas no dia a dia. Que quando fala dela em rede nacional, é para explorá-la, ou, no máximo, fazer dela um cartão-postal de si mesmo. O mundo, por sua vez, age como se fosse um parente distante, que só aparece quando precisa: para negociar créditos de carbono, fazer turismo verde ou dar lições sobre como cuidar da floresta – lições que não pratica nem em seus próprios quintais.

Essa mãe, Amazônia, cuida dos filhos como pode. Nos dá oxigênio quando falta ar. Nos dá água quando o chão racha. Nos dá saberes milenares guardados nos corpos dos povos originários, mesmo quando os tratamos como invisíveis. Nos oferece alimento, cura, abrigo e clima. Mesmo sendo constantemente saqueada, esquecida, subestimada.

Mas os filhos do centro-sul ainda não entenderam. Ou não querem entender. No dia 4 de maio de 2025, a escritora paraense Giovanna Madalosso publicou na Folha de S. Paulo uma crônica intitulada “Estou doida para ir para o motel”. No texto, ela descreve com ironia o alto preço das hospedagens e a escassez de vagas para o evento da COP30, que ocorrerá em Belém do Pará, em novembro.

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Acesse o texto original clicando no link abaixo:

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/giovana-maladosso/2025/05/estou-doida-para-ir-para-o-motel.shtml

A reação foi intensa. Veio da periferia, das redes, dos filhos da mãe ofendida. E veio com razão. Porque Belém é, sim, uma cidade caótica. Mas sua precariedade não é folclore para crônica espirituosa — é o resultado de séculos de negligência estatal e abandono estrutural. Mais de 50% da população da capital paraense vive em áreas periféricas. Não há uma ampla rede de grandes hotéis porque o Norte nunca recebeu os mesmos investimentos que as regiões que hoje se chocam com o improviso.

A COP30 em Belém não é um evento turístico. É um ato político. É trazer o centro do mundo para onde ele deveria estar – o coração da crise climática e, ao mesmo tempo, da solução. E, sim, isso inclui sair da bolha da Oscar Freire e de seus cafés minimalistas. Inclui atar uma rede, se for preciso.

COP30 em Belém: Pará investe na prevenção de enchentes | Foto: Fernando Sette/Câmara

É curioso ver gente de fora zombando da nossa precariedade quando nossa precariedade é, justamente, o produto de tudo que nos foi tirado – inclusive por eles. Pelas escolhas de políticas públicas centralizadas. Pela ausência de investimentos. Pela exploração da floresta sem retorno social.

Belém, Manaus, Santarém, Altamira, Macapá, Rio Branco… as cidades da Amazônia não estão “impreparadas”. Estão é maltratadas. Foram impedidas de se preparar porque, durante décadas, não se acreditou que o futuro do planeta pudesse passar por aqui. Pois agora vai passar. E não é Belém que precisa provar que está à altura da COP30. É o Brasil – e o mundo – que precisam provar que estão à altura da Amazônia.

A mãe que, mesmo empobrecida, segue ofertando tudo o que tem. Que mesmo sem saneamento básico em todas as casas, ainda purifica o ar do planeta. Que mesmo sem infraestrutura, ainda sustenta o ciclo das águas. Que mesmo sem glamour, é insubstituível.

Amazônia não é cenário. É personagem. É protagonista. E é tempo de tratá-la como tal. Aos que vêm de fora: sejam bem-vindos. Mas venham com respeito. Venham com humildade. Venham dispostos a ouvir e a aprender. Porque aqui a gente dorme na rede, mas sonha de olhos bem abertos.

*Economista, empresário e presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, Conselheiro do CIEAM e vice-presidente da FIEAM.

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