Agora que o Ministério da Cultura parece prestes a ressuscitar é hora de investir contra a concepção de que Cultura é um fenômeno homogêneo, que seria capaz de encerrar em si um caráter nacional, caráter esse que teria seus alicerces na criação popular preservadas de influências cosmopolitas.
Esse equívoco perigoso, que carrega a herança do populismo fascista do Estado Novo, vicejou nos últimos anos nos planos do Ministério da Cultura, especialmente na desastrosa gestão do senhor Juca Ferreira. Felizmente, seja por incompetência ou inapetência esse grotesco populismo foi se esvaindo em congresso e reuniões, elaborações de planos que já nasceram encruados, incapazes de sobreviver fora da incubadora populista. Esse namoro com o primitivo foi o paraíso de espertalhões coletivistas, que além de reconhecer e perseverar que por falta de talento jamais entrariam nos eixos, criaram uma reduzida casta de burocratas que amealhava todas as benesses financeiras. Esse populismo ridículo e intelectualmente indigente causou graves danos à cultura popular, adiantando muitas vezes o serviço que comumente está nas mãos da evolução das forças produtivas.
Na Amazônia, o intervencionismo benevolente levou à extinção algumas cooperativas de artesãos, algumas vezes devido à intermediação de ONGs que administravam as verbas de patrocínio de forma suspeita. Isto sem falar na pueril visão de olhar as populações isoladas como desprovidas de dinâmica, o que incapacita esses agentes de separar conhecimento tradicional de superstições, pondo tudo num mesmo cadinho reducionista. Devemos lembrar essas questões porque esperamos que este ciclo de populismo militante esteja esgotado. O mais grave é que aqui no Amazonas, o populismo gerou uma cultura popular que sofreu uma dinâmica social pervertida, que fez as manifestações folclóricas sofrerem uma mutação letal que as transformou em negócio escuso, cujas origens estão, lá atrás, nos anos 60, com a criação do Festival Folclórico. É ali que começa a falência das verdadeiras tradições, e tem início a máquina predadora de recursos públicos, com interface eleitoreira e sustentação no poder legislativo. Essa situação que vem se reproduzindo nas últimas décadas e estabeleceu a manipulação das manifestações culturais como um mero jogo especulativo, é necessariamente castrador da verdadeira criatividade do povo. Neste quadro, uma política cultural nova deverá antes de tudo dar uma basta a esta forma predadora devolver ao povo a liberdade de criar suas manifestações tradicionais sem o jugo desses atravessadores e suas práticas que mais parecem o modus operandi do crime organizado.
No que diz respeito à concentração das açõe na capital, creio que há dois motivos preponderantes para compreender este fenômeno. E primeiro lugar, a capital do estado, no plano municipal, até recentemente, não logrou estabelecer uma política cultural compatível comi as necessidades de uma metrópole com um lastro de história riquíssimo. Ao mesmo tempo, sua população passou por uma explosão demográfica fruto da imigração, carreando urna massa informe que tudo desconhecia de nossas tradições e costumes e foram relegadas à mão única da cultura de massas nas suas manifestações mais fisiológicas e mesquinhas. Nesta realidade sombria, fruto de desídia dos poderes públicos e inércia da sociedade, a percepção da cultura se degradou. O sistema educacional foi incapaz de evitar o esquecimento do passado porque não conseguiu passar aos que aqui chegaram o que era ser amazonense, os valores amazonenses. Criou-se assim, uma espécie de apartheid cultural, surgiu uma massa indistinta, despersonalizada, sem autoestima, movida pelas emoções mais primitivas, escrava da indústria cultural que lhe injeta o que há de mais vulgar.
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