*Arthur Cézar Ferreira Reis
Seguiu-se a Lobo d’Almada, até 1801, uma junta governativa que levou ao conhecimento de Souza Coutinho o lutuoso acontecimento que tanto consternava a Capitania.
O Rio Negro ia atravessar um longo período de amarguras. As vilas e povoados principiariam a viver novamente dias miseráveis. A população diminuída, as lavouras e as indústrias entrariam a definhar. O censo de 1799 acusou 15.480 almas. Os cômputos anteriores assinalavam maior total. A decadência manifestava-se sem que se tomasse uma medida tendente a reerguer a Capitania, a não deixar morrer a obra gigantesca de Almada. Os governadores que sucederam à junta não estiveram à altura do cargo. Mostraram-se, mesmo, indiferentes. Cabe-lhes grande parte da responsabilidade nessa decadência.
O coronel Antônio José Salgado foi o primeiro nomeado. Era protegido de Souza Coutinho, que não morria de amores pela Capitania, e a quem obedecia cegamente. Como era de esperar, não deixou sinal de sua passagem. Veio substitui-lo o coronel de engenheiros José Simões de Carvalho, um dos mais ilustres elementos da comissão portuguesa de limites com as colônias espanholas. D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos, mais tarde o grande vice-rei do Brasil, sucedendo a Souza Coutinho, impressionara-se com as notícias que lhe chegavam da decadência da Capitania. Tomando-se de interesse pela sua situação, escolhera aquele oficial distinto, confiado em seu patriotismo, dando-lhe instruções para fazer voltar a capital para o Lugar da Barra. Pensava, com o gesto, homenagear a memória de Lobo d’Almada. Não seria, porém desta vez, a execução do ato de justiça, porque o coronel Simões de Carvalho faleceu em viagem, a 7 de outubro de 1805, em Vila Nova da Rainha, quando se dirigia à sede do seu governo para empossar-se.
A Capitania foi entregue aos cuidados de outro militar, em quem se depositavam esperanças, o capitão-de-mar-e-guerra José Joaquim Vitório da Costa, também perfeito conhecedor da região, pois participara igualmente dos trabalhos das demarcações com as colônias espanholas. Nascido em Coimbra, lá cursara a Universidade, doutorando-se em matemáticas. Promovido a 10 de outubro de 1797 a sargento-mor do corpo de engenheiros, passara, por decreto de 18 de dezembro de 1799, a capitão-de-fragata, sendo nomeado intendente de marinha da Capitania do Pará. Também fracassou. Combatido tenazmente pelo ouvidor e o grupo deste, ocupou-se de seus próprios interesses, indiferente às aflições da Capitania. Apenas, em cumprimento a ordens, instalou, a 29 de março de 1808, a capital no Lugar da Barra. Foi o seu gesto simpático durante o período que passou à testa dos negócios públicos no Amazonas. As suas atenções voltaram-se unicamente para uma chácara, no Tarumã, onde fez cultivar frutos europeus com sucesso. Aprendendo a falar a língua geral dos indígenas, soube-a, de tal maneira, que os corrigia facilmente, perseguidor dos nativos, consentiu, animou a escravidão deles. Criou impostos escorchantes, desanimando as tentativas agrícolas. As intrigas entre seus auxiliares e as autoridades municipais tomaram tal vulto, que se registraram vários incidentes, de certa gravidade. Sob sua gestão, consumou-se a ruína de Barcelos a que votava ojeriza e rancor, no dizer de seus inimigos, com os vandalismos de seu genro, o corso Ricardo Zany, que destruiu o resto dos edifícios que ainda marcavam o esplendor da velha Mariuá de Mendonça Furtado e Pereira Caldas. A população da Capitania, votando-lhe antipatia, por várias vezes mandou memoriais às autoridades paraenses e da metrópole implorando providências.
O coronel Manoel Joaquim do Paço, nomeado em 1818, foi o último governador colonial do Amazonas. Os cronistas amazonenses fazem-lhe sérias censuras. Nas Notícias Geográficas do Rio Negro, o cônego André Fernandes de Souza acusa-o de administrador sem escrúpulos, monopolizador das drogas e frutos do Purus, contumaz na embriaguez. Devem-se-lhe, contudo, vários melhoramentos no Lugar da Barra, constantes da construção da capela de Nossa Senhora dos Remédios e de uma alameda de tamarindos para recreio dos moradores. Foi o autor das Reflexões Políticas Sobre o Melhoramento da Capitania de São José do Rio Negro.
Espírito arguto, informado de que breve teria substituto no governo, compreendendo que a Capitania tinha, como dos males maiores que a infelicitavam, a sujeição ao Pará, imaginou impor-se à estima pública conseguindo colocá-la a seu lado na defesa da alta posição que ocupava. Fez ver às câmaras municipais a necessidade de impetrar-se a D. João VI a medida salvadora, de independência, mas ficando ele Paço à testa da administração. A ideia foi bem recebida. Porque, de fato, já havia grande anseio pela autonomia do Rio Negro. Percebia-se que as autoridades paraenses não olhavam com bons olhos a Capitania, demorando providências para o bem-estar daquela gente que vivia esquecida em pleno sertão amazônico. A Câmara de Silves teve a glória de ser a primeira a movimentar-se. Em memorial a D. João VI solicitou, juntamente com dezenove moradores, as duas medidas lembradas. Seguiu-se Vila Nova da Rainha, em 3 de setembro de 1818, em petição assinada por cento e nove moradores que aproveitaram a oportunidade para pedir a elevação do lugar, da categoria de simples missão que era, a vila. Em 5 de setembro, chegou a vez de Barcelos. Nesses documentos, advogavam os signatários, mais, a criação de uma junta de Fazenda, com o que a libertação seria completa.
A Capitania permaneceu, porém, na mesma condição de subalterna ao Pará. Extremo-norte, longe das cogitações dos homens de Estado do reino, estava condenada, esquecida. Cuidasse de levantar-se com o auxílio da metrópole. A decadência continuou no Rio Negro, mas no Solimões e na Mundurucânia graças unicamente à iniciativa particular, a situação melhorou. O povoamento alargou-se, em aumento sensível. Cuidou-se, com mais carinho, a agricultura e fundaram-se fazendas de gado pelas beiradas do Rio Amazonas.
A futura Manaus também teve o número de seus habitantes crescido. Saía aos poucos da modéstia em que se escondia, com suas onze ruas, duas praças e cerca de duas dúzias de casas cobertas de telha, pois as restantes guardavam o cheiro nativo, com o teto de palha. Sem câmara municipal, por não ser vila, tinha de socorrer-se à de Serpa, aonde os moradores iam “vencendo uma viagem incômoda, requerer licença para abrir casas de negócios, para pescar nas praias, para legislar, enfim, a pose de suas terras (Bertino de Miranda, A Cidade de Manaus, 1908, pág. 21)”. A Câmara de Serpa, cheia de orgulho, mantinha lá, por sua condição de superioridade sobre a capital, um juiz de julgados, com atribuições pela polícia urbana e suburbana e outras providências. Os moradores de Manaus, importando pouco, exportavam peixe seco, manteiga de tartaruga, mixira, anil, cacau, café, tabaco, salsa, puxuri, casca preciosa, óleo, estopa e pouco mais em que empregavam sua atividade. Dos estabelecimentos industriais dos tempos de Almada quase nada restava. Uma estatística levantada em 1819, sobre os gêneros exportados para Belém, fala das condições econômicas da Capitania, que procurava levantar-se.