*Raimundo Moreira
Morávamos em Itacoatiara – rua 15 de Novembro, próximo do Cemitério. Raimundo Nonato servia ao Exército (era cabo e o orgulho do tio Luís); Chico e Dóres estudavam em Manaus. Eram hóspedes dos tios Waldemar e Albertina que moravam na General Glicério bem pertinho da ponte de ferro. O resto da turma toda ficou na Velha Serpa.
Itacoatiara fica a 286 km, por rodovia, de Manaus. Na época não existia estrada (que só foi construída no governo de Arthur Reis, em 1965). A ligação com a capital era feita pelo “Itapuranga”, um motor que mais parecia um “gaiola” (navio pequeno, confortável e seguro). Saía de Manaus numa hora tal que lá pelas 4 horas da manhã do dia seguinte aportava em Itacoatiara.
Esse era o meio de comunicação confiável e o único existente. Pelo “comandante” iam e vinham as encomendas e cartas. Telefone nem pensar; ainda não existia a CAMTEL (Companhia Telefônica do Amazonas). Era o exercício prático do ir e vir.
Mas essa história é da bola que só poderíamos usar de semestre em semestre. Era quando os estudantes – Dóres e Chico – vinham passar as férias escolares. Começava com a chegada, de madrugada. A família toda era “convidada” pelo tio Luís para levantar da rede e ficar sentada, em círculo, na sala, para ouvir as “novidades”. A gente morrendo de sono tinha que escutar as peripécias estudantis do “Bunitão” (apelido que o Chico ganhou por cultivar uma cabeleira à lá Álvaro Maia, muito bem arrumada e ele não era nenhum Alain Delon mais dava suas cacetadas).
E lá vinham as histórias das paradas de 7 de Setembro. Ele estudava no Ginásio Pedro II – o que era um orgulho. Mostrava “instantâneos” em preto e branco dele e colegas uniformizados e com espadas. Contava tudo que não o desabonasse. Falava dos professores – Noronha, Farias de Carvalho, Mourão Preto eram nossos “conhecidos” de tanto que ele mencionava. Eram os bam-bans da época. Falava das notas, sempre boas. A família toda apreciava e o Luís Moreira “babava” de satisfação. O segundo filho homem dele era um estudante exemplar. Um menino que “valia uma fortuna”.
No dia seguinte à chegada, não importava que dia da semana, estava liberado o uso da bola de gomo. Maneco ou eu – acho que eu era mais sapeca – trepava numa cadeira e tirava a bola murcha de cima do guarda-roupa. A bomba pra enchê-la de ar já estava preparada. Era uma nº 5, drible e, com o Chico ou não, nós íamos nos exibir na Praça da Caixa D’Água, que ficava bem perto de casa. Maneco era goal-kiper (goleiro) e até o fim das férias do “Bunitão” jogar bola era nossa ocupação diária.
Findo as férias, secava-se a bola que voltava pra cima do guarda-roupa. Só noutro semestre poderíamos usá-la. Não era à toa que torcíamos pelo êxito do Chico. Hoje ele é juiz de Direito, chegando a desembargador e também, só agora eu entendi a avaliação que o tio Luís Moreira fazia. Se o aproveitamento do Bunitão” não fosse satisfatório não veríamos nem a cor da bola. Ainda bem que jogamos todos os semestres.
*Filho ilustre de Itacoatiara, nascido no Rio Urubu. Ex-radialista da extinta Rádio Baré de Manaus. Advogado e Jornalista. ex-Diretor do antigo Banco do Estado do Amazonas S.A. e Diretor da sucursal da Rede Amazônica de Radio e Televisão em Brasília-DF.
Nota: Estas linhas escritas por Raimundo Moreira na década de 1980/1990 reportam à infância do “Bunitão” Francisco das Chagas Auzier Moreira (hoje desembargador aposentado do TJ do Amazonas). Dois amigos queridos da velha Serpa que nos falam muito ao coração. O “Bunitão” Chico Moreira é filho dos saudosos Luís Moreira – servidor da antiga Mesa de Rendas de Itacoatiara – e Diquinha: Raimunda Auzier Moreira – professora distrital.