*Bertino de Miranda
VII
Termo de Manáos. – Seus novos limites. – Presidência de Machado de Oliveira e Lobo de Souza. – Últimas lutas de Baptista Campos. – Sua morte. – Prelúdios da anarquia.
Em 1833 a Regência manda executar em todo o Império o Código do Processo. É um dos muitos meios, de que se utiliza para ver se consegue acalmar os ânimos, harmonizando um pouco os múltiplos interesses políticos que ameaçam subverter o País. A Manáos cabe um quinhão ótimo; vê-se livre da sujeição de Serpa, como já se havia visto, em 1828, da de Barcellos. Toca-lhe ser cabeça de um Termo! Este lhe dá direito de possuir uma Câmara Municipal própria. Enfim, se realiza um de seus sonhos doirados!
Os novos limites incluem Serpa; isto causa certo orgulho aos manauenses, vendo seus antigos dominadores sujeitos, agora, a seu nuto. Sobem igualmente pelo curso inferior do Solimões até Castro de Avelãs e abrangem o Purus, ainda inculto e quase sem Moradores. Luzéa (Maués) é outro Termo; surge, em vez de Serpa, e como outrora Barcellos, a rivalizar, na bacia do estuário, com o antigo e microscópico lugar da Barra do século XVIII. Luzéa absorve Silves na preponderância do Baixo Amazonas e do Madeira. Barcellos é o terceiro Termo, e o quarto Ega (Teffé), com limites no Alto Solimões e no Japurá. A influência de Manáos se alastra rapidamente. Ocupa logo a primeira plana. Todas as ordens que se expedem de Belém escalam primeiro por aí. A Câmara é que as envia aos outros Termos. Nas diversas crises da Cabanagem, Óbidos e Santarém, dois centros da Legalidade, procurarão de preferência a sua aliança e estimarão em grande apreço seu apoio.
O partido restaurador ao ter notícia que Baptista Campos fora reconhecido Vice-Presidente da Provincia em diversas localidades, prevê, é claro, seu terrível adversário em vésperas de reunir os elementos dispersos do bloco jacobinista, cujos ideais só se desvirtuam e se chafurdam na chacina depois da morte do caudilho. Julgam-no em caminho do Crato, humilhado, vencido, e quem sabe se prestes a perecer, vítima da pestilência do clima, e ei-lo que se prepara para voltar com maior prestígio, aclamado e sedento de revanches!
Jogam então a última cartada (16 de abril de 1833), a maior de todas, para reduzir à inanidade a facção nacional. O pretexto é a posse do Presidente Mariani, que a Conjuração de Jalles trata de decidir á mão armada. Os Presidentes Machado de Oliveira e Lobo de Souza já se preocupam com outras rivalidades. Machado de Oliveira é um inimigo ferrenho da Restauração, porém esta, depois da abrilada de Jalles, não inspira mais nenhum receio. O que avulta e cria ao Presidente uma atmosfera de prevenções e sobressaltos é a preponderância avassaladora de Baptista Campos. Machado de Oliveira não faz outra cousa senão procurar por todos os meios anular a influência de seu rival.
Lobo de Souza toma conta do governo saturado das mesmas prevenções. Seus íntimos lhe insuflam os
mesmos sobressaltos. É um exaltado e um ríspido; quer que todos lhe obedeçam cegamente; ninguém pode censurar seus atos. Quer que sua vontade impere em absoluto. Numa das sessões do Conselho Provincial Baptista Campos discorda, sobre um ponto, com Lobo de Souza, que se enfurece e cobre de doestos o orador. Este se levanta e profere, em defesa de suas prerrogativas, algumas frases ásperas. Isto foi bastante. Desde ai lhe atribui todas as tentativas de revolta que lhe chegam aos ouvidos, ou que os áulicos inventam com o fim perverso de explorar seu gênio iracundo e autoritário. Baptista Campos tem de procurar o recesso da matéria para evitar as ciladas.
Exúl, perseguido como um animal feroz, através dos igapós e dos furos que labirintam o Guamá e o Guajará, nunca podem descobrir seu rastro, nem o atrair a uma emboscada. Todos o escondem, ou lhe dão escapula segura, tanto é ainda enorme seu prestígio, apesar da fúria de Lobo de Souza querer reduzir á prisão ao chefe político que jamais ninguém ousara vencer e dominar inteiramente. A gangrena de uma. espinha facial põe termos a vida de Baptista Campos no meio desta odisseia de tormentos.
Sua morte causa grande impressão na Capital. Os sinos dobram a finados. Todos se recolhem a um. mutismo tétrico. Parece que uma noite sombria desce sobre a Cidade e abotoa todos os corações. Araújo Amazonas, coevo a este período turbulento de nossa história, recolhe, no seu Dicionário, um outro subsídio (pag. 277). Em contraste com aquele mutismo, as janelas e os salões do Palacio do Governo se iluminam profusamente para festejar o desaparecimento do inimigo incorruptível! Rompeu este elo, que retem, no fundo, a vasa e a escória, ambas vão afinal flutuar, sem entraves, na preamar da anarquia.