Manaus, 29 de novembro de 2023

Artigo (2)

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Se a Invencível Armada tivesse desembarcado na Inglaterra, com certeza hoje não seríamos chamados de latino-americanos e provavelmente estaríamos menos preocupados com questões menores como identidade, um conceito que sequer faz parte da agenda da filosofia clássica. E já que falei da questão da identidade, vou tomar a liberdade para contar uma história para vocês: viajávamos com um grupo de escritores pela Alemanha. Em todas as cidades que chegávamos, sempre havia um estudante hispano-americano que se levantava e dizia: -“por favor companheiro yo queria plantear la questión de la identidad”. Bem, os meus colegas escritores, sob o pretexto de que tinha feito Ciências Sociais, mandavam que eu respondesse a questão. Minhas respostas buscavam dar um certo consolo ao jovem estudante, por certo cheio de saudades de sua terra, mesmo porque as perguntas se repetiam sempre e sempre. Até que na décima cidade, quando o já esperado estudante hispano-americano “plante o Ia question de la identidade”, o escritor João Ubaldo Ribeiro pediu para responder, e disse, num espanhol que lembrava o Cantínflas:- “mira companheiro, en Brasil non hay la question de la identidad, porque en Brasil la Secretaria de Seguridad Pública da uma tarjeta de identidad. Quando uno tiene problema de identidad, saca da tarjeta, mira la tarjeta e se acabou el problema de Ia identidad.” É claro que o estudante se enrolou no poncho e deixou a sala em sinal de protesto, mas a resposta de João Ubaldo bem demonstrava que a preocupação do rapaz era de certo modo ociosa. A questão da Identidade, como já foi dito, não interessou nem aos filósofos clássicos, muito menos aos escolásticos. É redução psicologizante de uma época que incentiva a pulverização e teme a diversidade. E como identidade é diversidade, há uma exagerada preocupação de certa intelectualidade que se sente transplantada na América e teme a despersonalização. Para evitar este perigo, invocam a questão da identidade como tema central. Se entendermos identidade como aquele conjunto de fatores que faz da França a França, e do Brasil o Brasil, mais uma vez escapamos do monolítico para a diversidade. Fernand Braudel achava que é a diversidade da França que forma a identidade de França, portanto, a identidade tomada como uma cultura pura e monolítica, que precisa ser defendida a todo custo, ou é retórica ideológica – tal qual o conceito de latino-americano -, ou é uma remissão da alma de colonizados – que gerou coisas como “As veias abertas da América Latina” -, o grande manual do masoquismo político ibero-americano. Comecei por estes dois rótulos, justamente para refutar a mania de que em nome da nossa autoafirmação, sejamos sempre obrigados a juntar toda e qualquer herança, para formar uma identidade. Não podemos esquecer que temos uma trajetória de quinhentos anos no mundo contemporâneo.

Meio milênio é muito pouco para assentar uma tradição, mas o suficiente para dar consistência a projetos nacionais. Portanto, ao observar esta trajetória de quinhentos anos da perspectiva da região amazônica, percebemos que neste período se formou um esboço de civilização, que tem sua presença hoje, digamos, mais enraizada no território brasileiro, mas que dentre os países Pan Amazônicos, talvez o Peru seja o país que apresente algo semelhante à experiência brasileira. Os outros países da bacia amazônica têm histórias intermitentes e praticamente resumidas ao século XX. Estes países têm sido caudatários das políticas do Brasil e do Peru, como é o caso da Colômbia, que só descobriu que tinha um pedaço né! Amazônia quando o Peru invadiu o território no início do século e fundou a cidade de Letícia.

Foi uma terrível forma de se descobrir parte da Amazônia, mas felizmente a Colômbia acabou retomando o território. Retomando o nosso raciocínio, parece hoje pacífico que aqui na Amazônia se formou uma cultura nova, uma forma de viver que é própria da região.                .

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