*Evaldo Ferreira
O cine Avenida foi mais uma das salas que marcaram na história cinematográfica de Manaus junto com o Guarany, o Polytheama, o Eden, o Odeon, o Vitória, entre outros, surgidos nas décadas de 1920 e 30, e que não resistiram à popularização da televisão na cidade no início da década de 1970, mas permanecem vívidos na lembrança de quem os frequentou para assistir aos filmes que chegavam de Hollywood.
Essas salas surgiram como empreendimentos de homens que viam na incipiente 7ª arte uma nova forma de ganhar dinheiro, e assim aconteceu por muitas décadas.
No dia 27 de março passado, se o Avenida continuasse a existir, estaria completando 84 anos, mas fechou suas portas há 48 anos. Atualmente uma loja Bemol, na av. Eduardo Ribeiro, ocupa o espaço onde o Avenida recebeu cinéfilos por 36 anos ininterruptos e se consagrou como o ‘cinema da elite manauara’, na época, de acordo com Ed Lincon Barros, pesquisador da história dos cinemas de Manaus.
O nome do cinema é uma alusão à avenida Eduardo Ribeiro, a principal via da cidade por ao menos 100 anos, mandada construir pelo próprio governador que lhe deu o nome.
“Mas existiram outros dois cines Avenida, na avenida. Um funcionou onde hoje é a loja C&A, mas ficou aberto por apenas um mês. A outra sala ficava num prédio ali perto do Bradesco, e também não vingou. Abriu em 1912 e, em 1913, fechou, demonstrando que não era fácil manter uma sala de cinema. Além dos equipamentos caros, os filmes, então em imensos rolos de película, e sensíveis, precisavam chegar à pequena Manaus incrustada no meio da selva”, falou Ed.
Nova sala de cinema
O terceiro, e mais profícuo Avenida surgiu da sociedade de Antonio Lamarão e Aurélio Antunes que, em 1935, abriram a Empresa Cinema Avenida Ltda.
Os sócios haviam adquirido, então, um prédio na famosa via, onde funcionou a Manáos Arte, entre 1926 e 1934, pertencente ao mega empresário de J.G. Araújo. A Manáos Arte era uma loja especializada em equipamentos cinematográficos e fotográficos, e onde também tinha a representação dos veículos da marca Willys Overland e Willys Night.
No dia 1º de dezembro de 1935 iniciaram as obras de construção da nova sala cinematográfica da cidade. Nela foram instalados projetores da marca Wide Range, que combinavam som e imagem (o Alcazar, precursor do icônico Guarany, foi o primeiro cinema a utilizar este sistema de projeção, denominado de Movietone).
Foto do cartaz de ‘Voando para o Rio’, filme de estreia do Avenida – Foto: Divulgação
Pouco mais de três meses depois, na noite de 26 de março de 1936, com toda a pompa e circunstância, aconteceu a pré-inauguração do cine Avenida, com exibição para a imprensa e autoridades do filme ‘Voando para o Rio’ (Flying down to Rio, 1933/EUA), musical da RKO Pictures, lançado em 29 de dezembro de 1933 e dirigido por Thornton Freeland. ‘Voando para o Rio’ marcou a estreia, no cinema, do casal de dançarinos Fred Astaire e Ginger Rogers. O mesmo foi novamente exibido para o público em geral na abertura oficial da sala de cinema, no dia 27. Empolgados com o negócio, em maio do mesmo ano, Antônio e Aurélio inauguraram, no bairro de São Raimundo, o cine Paroquial, um barraco de madeira localizado entre o colégio e a igreja, direcionado para a patuléia, como se dizia antigamente.
Estreia do Cinemascope
Divulgação para ser vista de longe – Foto: Divulgação
No final de 1937, por motivos que Ed Lincon não descobriu, Antonio, sócio majoritário da Cinema Avenida Ltda., deixou a sociedade com Aurélio e foi embora para Belém, onde morreu em 1956. Em seu lugar entraram Antonio Relvas Jr. e o português Adriano Bernardino. Adriano assumiu o poder majoritário da empresa, em 1942, alterando-lhe o nome para Empresa de Cinemas A. Bernardino & Cia Ltda.
Enquanto isso o Avenida mantinha a sua trajetória, exibindo grandes sucessos do cinema americano e brasileiro, como ‘O Ébrio’, de 1946, escrito e dirigido por Gilda de Abreu e que fez enorme bilheteria em todo o país, tendo como ator principal o cantor Vicente Celestino, marido de Gilda, exatamente por causa da música que dava título ao filme.
“Outro filme que lotou o Avenida, e as pessoas fizeram fila para assistir, foi ‘O manto sagrado’, de 1953, da 20h Century Fox, dirigido por Henry Koster, e que tinha como atores principais os galãs de Hollywood, Richard Burton e Victor Mature. ‘O manto sagrado’, marcou a estréia do Cinemascope, em Manaus, tecnologia criada pelo presidente da 20h Century Fox, naquele ano, e que permitia a perfeita projeção do filme numa tela duas vezes maior que a anterior, visando combater a televisão, que se expandia nos Estados Unidos”, falou.
Filas foram constantes em toda a trajetória do Avenida
Foto: Divulgação
No cine Avenida foi criada a sessão das moças, quando eram exibidos somente filmes românticos, e uma personagem ficou marcada na memória de quem frequentou a sala de cinema no seu auge. Dona Yayá, esposa de Aurélio, que praticava o que se chama hoje de marketing agressivo.
Marketing de dona Yayá
D. Yayá, marketing agressivo para atrair clientes
Foto: Divulgação
Dona Yayá ficava na entrada do cine de seu marido persuadindo as pessoas que passavam na rua, a irem assistir aos filmes.
“Quem a conheceu conta que ela usava uma maquiagem bem forte, que chamava a atenção, bem como vestia roupas coloridas e vistosas, talvez como parte de sua estratégia de marketing. Costumava ficar sentada numa cadeira de embalo, na estrada do cinema, e quando não estava chamando as normalistas do IEA para a sessão das moças, conversava com quem estava na fila, contando a sinopse dos filmes exibidos, para atrair quem a ouvisse falando”, revelou.
Apesar de o Avenida ser considerado uma sala de cinema frequentada pela elite da cidade, como os demais, nada tinha de especial ou confortável, com cadeiras de madeira e ventiladores para refrescar o ambiente.
Em 1961, Adriano Bernardino morreu, mas seu filho, também Adriano Bernardino, continuou mantendo a sala de cinema em funcionamento. Segundo Ed, Adrianinho até quis modernizar o Avenida colocando aparelhos de ar-condicionado mas, numa entrevista, disse haver gasto o dinheiro que tinha para tal com o funeral do pai.
Finalmente, como as demais salas de cinema de sua época, o Avenida não aguentou a concorrência da televisão e, em 2 de julho de 1973, fechou suas portas encerrando com o filme ‘Fugido do Inferno’, da Metro Goldwyn Mayer, de 1963, com Steve McQueen e Charles Bronson. Pelo ano de produção da película, de dez anos antes, dá para se perceber que a empresa já não tinha mais dinheiro para trazer filmes novos.
*Evaldo Ferreira é repórter do Jornal do Commercio
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