É costume falar-se muito da Manaus da “belle époque”, sobretudo sob o prisma da riqueza, esbanjamento, orgias e da decadência que se seguiu com a queda vertiginosa da exportação da borracha no mercado internacional. Sob o mesmo ponto de vista, fala-se das edificações suntuosas que embelezaram e ainda agora enriquecem a cidade, como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça, assim como de todas as modernidades europeias experimentadas na ocasião. Em meio a isso, lamentavelmente, houve uma população pobre, trabalhadora e resistente às intempéries cuja importante presença e contribuição ainda reclamam estudos que lhes façam justiça quanto ao papel no crescimento da economia do caucho e definição da identidade amazonense.
Os registros de jornais de época, entretanto, permitem constatar que a forma de viver de boa parte da população manauense antes da fase áurea do ouro branco, pelos idos de 1867, por exemplo, já demonstrava haver uma sociedade sofisticada e à moda dos padrões europeus. A recomposição da memória dessa Manaus mais antiga feita pela descrição de hábitos e costumes, forma de ser, viver e vestir, pode ajudar na confirmação dessa assertiva.
O comércio da cidade, centrado nas ruas e vielas próximas ao beiradão do rio Negro, já vendiam coques de cabelo, leques de sândalo, espartilhos com molas reais, cintos com fivelas em gorgorão de seda importado de Macau, camisas com peito de algodão, peitos de linho, luvas de pelica, gravatas brancas de seda, chapelinhos para senhoras, isqueiros de metal, bocas para charuto da verdadeira espuma do mar, casimira com pingos para fatos, chapéu de palha da Itália para senhoras e meninas, pentes para bailes, cadeiras inglesas, botinas francesas, chapéu de sol de seda para homens, enlatados com peixe, ostra, lagosta, linguiça e carne, biscoito inglês, licor francês, vinho do Porto, licores rosa, canela e laranja, botões de seda, armas holandesas, caixas de música…
Foi o ano de inauguração da coluna do Largo São Sebastião (1867), mandada fazer sob a responsabilidade de David de Vasconcellos Canavarro, o homem que inventou o Largo, a qual foi inaugurada como parte dos festejos da Independência do Brasil, em 7 de setembro naquele ano, com salva de 21 tiros, benção do monumento pelo padre António José Bentes, execução e Hino Patriótico, especialmente escrito para a ocasião por Miguel Torres a cuja solenidade se seguiu a realização de regata e desfile dos batalhões patrióticos por várias ruas da cidade e encerramento na coluna do Largo.
Para demonstrar harmonia cívica, como dito, os militares desfilaram de paletó ou jaqueta branca, calça branca, chapéu de palha ou boné, laço de fita verde-amarelo no braço direito ou capela igual a que os baianos usavam no dia 2 de julho, data singular para a Bahia. Como evento noturno, deu-se a iluminação geral das fachadas das casas e das repartições e a demonstração de uma máquina aerostática no Largo de São Sebastião, obra singular do senhor Vianna, que era um respeitável inventor local. Pouco depois, o baile oficial da Independência que servia ao passear de moda, elegância e charme dos casais e de alguns poucos jovens, mas, sobretudo, ao congraçamento social das personalidades mais importantes e de suas famílias. Quem terá guardado as fotografias que registraram toda essa programação, especialmente aquelas feitas por Guilherme Potter que chegara a pouco na capital amazonense?
O que se verifica, também, é que o Largo se constituíra, desde pouco antes dessas comemorações, em ponto principal de referência social, política, militar e cultural da pequena cidade de menos de 15 mil habitantes, mas boa parte de sua população respirava ares de modernidade e vida europeia e era intelectualizada.
Nesse novo tempo que vivemos em nossa terra – no século XXI – com progressos e mazelas de todas as proporções, a mim me pareceu acertado e estimulante recuperar um pouco desse passado mais antigo que anda escondido para homenagear aqueles que, antes das gerações presentes, participaram de importante fase da edificação do nosso berço, ocasião em que me pergunto que Manaus vamos legar aos pósteros.