Para Fátima
Era dezembro em Belém do Pará. Em Belém de Judá, num dezembro passado, um Rei nascia para pastorear o povo, segundo Miquéias (5.2). Na Freguesia de Belém, em Portugal, a origem portuguesa, dezembro, mês de círios. Em todas as Belém, virada de ano, como se fosse virada de vida. No Pará, entre tardes de mangueiras molhadas e o creme de bacuri, o tempo reclama devaneio, ao ritmo do carimbó de Marapanim: “Tá chuvendo, tá relampiando; tá truvejando, tá relampiando; tá chuvendo, tá relampiando; ta truvejando, tá relampiando”. Anúncio de desvario que é essa vida namoradeira, profana e sagrada. Agradecimento aos céus e os céus já respondendo pela linguagem dos fenômenos naturais. Fazendo Belém virar açaí ao entardecer. “Beber açaí lá em Icoaraci”. No litoral, o desfile dos coqueiros, perfilados, dobrando o caule em direção ao mar, em reverência ao mar, indicando ao viajante para que lado fica o mar, e o cabelo das copas eriçado pela dança da aragem marinha, como carimboleiros enlouquecidos. Dançarinos escolados na cadência do “oh, lé, lê, oh, lá, lá, misturei carimbó e siriá.”. A vida misturada no sobe e desce das marés da praia de Ajuruteua, em Bragança, e do Farol Velho, em Salinópolis, embaralhando a esperança persistente e o instantâneo dos fogos de artifícios da Estação das Docas. O mix de luzes do revellion e o acompanhamento do sirimbó do alquebrado ano-velho, que vai, contrastando com o requebro do ano-novo, que chega. Chama Verequete para trazer boa iluminação às mentes das gentes, e pergunta “Pescador, pescador, por que é que no mar não tem jacaré…? por que foi que no mar não tem peixe-boi..?. por que razão no mar não tem tubarão..?.” Não, não precisa responder, não. Deixa como está. Não precisa Ver-o-Peso, nem é hora de medição do que passou. Deixa pra lá. A vida, se não está boa, vai de banda, que nem o “o tombo do gavião (que) é de banda.”. O importante é o prosseguir, é o desviar, é o espantar, pois se o “O sol vive sem amor, eu não vivo sem te ver; quem chega em maré cheia é cantiga de bem querer.” Por quanto tempo do ano novo, ficará nas nossas almas o sabor murici desses dias, em que “viemos de nossa terra fazer barulho na terra alheia”?