As vidas mutiladas pela hanseníase, momentos de dor e tristeza.
No momento da decadência do látex e as fracassadas iniciativas do Governo Federal em salvar a produção do látex, os soldados da borracha deslocaram-se de suas terras de origem e vieram para Manaus, naturalmente o destino final era o seringal onde a população que lá existia vivia momentos difíceis e de incertezas. Alguns seringais já haviam sido abandonados, assim como várias propriedades.
Nas transformações ocorridas nos anos de 1832 à 1890 na cidade de Manaus, costumes e tradições foram se perdendo no tempo. A madeira substituída pelo ferro, o barro pela alvenaria, a palha pela telha, o igarapé pela avenida, a carroça pelo bonde elétrico a navegação a remo pelos navios a vapor. Nessa época, havia uma grande preocupação em sanear a cidade, procurando retirar de circulação os pedintes e os doentes de hanseníase, cuja presença nas ruas da cidade comprometia a boa impressão a todos que visitavam a chamada Paris das selvas (Souza, O., 1997; SOUZA, M., 2001). História da Medicina no Amazonas
Foto: Reprodução/Site Santa Casa de Misericórdia
(…) Júlio Schweickardt (2009b), em sua tese Ciência, Nação e Religião: as doenças tropicais e o saneamento no Estado do Amazonas (1890-1930), mostra que a capital amazonense estava na vanguarda do debate médico a respeito de enfermidades como a febre amarela e malária. Além das ações de saneamento levadas a cabo pelas autoridades, pesquisadores discutiam a transmissão e as formas de combater as moléstias dentro das concepções mais avançadas da época. O debate incluía também, pesquisadores estrangeiros, que representavam instituições científicas que visitavam o Amazonas para estudar as doenças tropicais. O saneamento de Manaus começa no final do século XIX, quando as chamadas doenças do clima quente passaram a conflitar com as imagens de civilização que as autoridades politicas queriam construir. Segundo Schweickardt, a elite urbana ufanava-se pelas belezas da cidade, mas, por detrás os cortiços se multiplicavam em pleno centro obrigando estrangeiros e nacionais que trabalhavam no comércio.
RIBEIRO, Maria de Nazaré de Souza. Vidas mutiladas nos espaços da hanseníase. Júlio César Suzuki. Manaus: UEA Edições. Pág. 37.
Por esse motivo, os cortiços sofriam constantes intervenções sanitárias, especialmente no período epidemias. O subúrbio, por outro lado, concorriam com a mata e com os igarapés, dificultando qualquer ação de saneamento. As condições ambientais do subúrbio propiciavam o meio favorável à reprodução do temido Anopheles que transmitia a malária […] os costumes da população, o regime das águas e as dificuldades de saneamento contribuíam para a continuidade das doenças tropicais em Manaus. Desse modo viver na capital amazonense era perigoso, pois significavam riscos constantes de se contrair uma dessas terríveis doenças que atemorizavam os estrangeiros e migrantes (SCHWEICKARDT, 2009b, p.72).
RIBEIRO, Maria de Nazaré de Souza. Vidas mutiladas nos espaços da hanseníase. Júlio César Suzuki. Manaus: UEA Edições. Pág. 37.
Vila de Paricatuba. Foto: Reprodução/No Amazonas é Assim
Vale ressaltar que inúmeras pesquisas apontavam que a hanseníase já era reconhecida como sério problema de saúde pública na Amazônia, especialmente nos idos do ano 1800, com nos afirma o escritor Artur Viana; “Ser a hanseníase doença de importação muita antiga nas cidades de Belém e Santarém.”
O médico e pesquisador Souza Araújo concluiu, à época, que a leprose já existia em Manaus, em razão do forte e intenso comércio realizado entre a nossa capital e as de Santarém e Belém.
No período de 1832 a 1890, principalmente a capital do Amazonas fora atingida por processo migratório expressivo, aumentando seu contingente populacional de 8.500 para cerca de 5.300 habitantes. Tudo isso, era possível porque estávamos no auge do período da extração do látex e influencia da Europa atingia-nos com modernidade em todos os aspectos, hábitos, vestir, comer e beber, incluindo a promiscuidade resultante de prostituição das famosas polacas.
No processo de transformação uso, costumes e tradições próprias, foram aos poucos, sendo coladas de lado, em todos os sentidos. Vale ressaltar a famosa “Rampa da Ribeira”, o celebre Porto Real, que descia para o Igarapé da Ribeira. Não mais existe o igarapé, aterrado, que serpenteava mais ou menos o local onde está o edifício colonial ocupado pela Loja 22 Paulista.
À época, 1845, a atual Praça Osvaldo Cruz não existia, pois constitui excelente obra de engenharia urbana, quando havia engenharia urbana em Manaus, o local onde está construída a Sé – Catedral era um corte quase abrupto para o rio e no alto estava a celebre olaria que promovera a transformação da cidade de Manaus, criada pelo importante Lobo D’Almada.¹
Registra a cronica que, em 1867, for recolhida a primeira hanseniana, que viviam numa palhoça em Umirizal, local situado acima de Manaus, à margem esquerda do Rio Negro. Não há dúvida de que nessa época, a hanseníase já se desenvolvia com grande intensidade no Amazonas. Os pacientes, recolhidos em estado avançado da doença eram internados na Santa Casa de Misericórdia.
Vila de Paricatuba. Foto: Reprodução/No Amazonas é Assim
Em 1891, no início da era republicana, foi criada em Manaus uma repartição de saúde pública, denominada Inspetoria de Higiene do Estado do Amazonas, que englobava o serviço de saneamento e habitação. A saúde pública era prioridade e era tratada com rigor. Em 1893, o Código de Postura do Município estabelecia uma pena alternativa de multa no valor de cem mil reis, ou cinco dias de prisão para família do paciente acometido de doença infectocontagiosa, que n]ao comunicasse o fato à Inspetoria de Higiene. No decorre do tempo em face do aumento de infectados, o Serviço do Estado foi reorganizado e ampliado na forma da Lei n. 286, de 30 de setembro de 1899.
Os primeiros levantamento estatísticos, relacionados aos casos de hanseníase em Manaus, foram organizados de 1900 a 1920. O bairro da Cachoeirinha foi o local mais detalhadamente trabalhado por se o mais distante, apresentando um resultado de 131 casos, sendo 103 masculinos e 28 femininos. Nessa mesma época, as estimativa para todo o Amazonas tínhamos um total entre 800 e 1000 doentes.
Para proceder a um levantamento das doenças endêmicas na Amazônia em 1903, o governo do Estado entrou em ação, contratando os serviços do famoso sanitarista Osvaldo Cruz e sua equipe. Em 1903, foi construída uma casa de isolamento em Umirizal destinada a portadores de varíola e ante a impossibilidade de manter os doentes de hanseníase na Santa Casa de Misericórdia de Manaus, estes foram removidos para o respectivo local tratados e assistido pelo dr. Miranda Leão. Segundo dados dos registros da Diretoria do Serviço Sanitário, até 1921, já haviam sido recolhidos ao Umirizal 75 pacientes.
Em 12 de novembro de 1906, foi assinado pelo Governador Constatino Nery, em relação à profilaxia da hanseníase e tuberculose, determinado que:
[…] Nenhum estabelecimento em que vendam gênero alimentícios o medicamento, nem habitações coletivas, poderão empregar tuberculosos e leprosos que eliminem o bacilo especifico, sob pena de multa de 200 mil reis.
Instituto Alfredo da Matta. Ontem e hoje: uma história de saúde pública. Manaus: IDTVAM, 1997, organizado por Francisco Gomes.
Doutor João Coelho de Miranda Leão, médico e ex-superintendente de Manaus. Foto: Acervo/Abrahim Baze
Por sua vez, o Decreto n. 1 1413, de 30 de maio de 1921, no seu artigo 13 enfatiza que a Direção Clínica e Administrativa da Colonia dos Leprosos e do Hospital de Isolamento ficará a cargo de um inspetor sanitário. Nesse mesmo ano assumia a chefia do Serviço de Saneamento Rural do Amazonas, o Dr. Samuel Uchôa. No ano seguinte, foi empossado no posto de Inspetor Sanitário Rural do Estado o Dr. Alfredo da Matta.
De acordo com pesquisa realizada entre 1922 e 1923, foram relacionados 1436 portadores de hanseníase no Estado do Amazonas. Até então, o cadastramento e tratamento dos pacientes eram centralizados na capital, o que torna extremamente difícil a efetivação de cuidados em favor dos pacientes residentes no interior do Amazonas, devido às distâncias e a precariedades dos meios de transporte.
No entanto, a preocupação de afastar do espaço urbano e de seus entornos os doentes de hanseníase permaneceu como no período áureo da economia do látex. Embora a nova estética urbana empreendida não tinha conseguindo bani-los do centro de Manaus, mesmo que para isso as autoridades, tenha colocado grande esforço neste sentido.
Samuel Uchôa entendia a lepra como […] o maior mal do Amazonas é a mais tremenda ameaça […] não uma simples ameaça, mas uma apavorante; uma fulminadora realidade. Por isso, ao assumir a Diretoria de Saneamento Rural em 1921, juntamente com sua equipe dedicou-se na sensibilização da sociedade para a construção de um isolamento nos moldes que consideravam adequados, isso implicava principalmente no distanciamento de Manaus, pois colônia de asilamento existente não atendia as condições necessárias para um isolamento eficaz, como constatava Uchôa. O isolamento do Umirizal é defeituoso até a própria localização perto de Manaós, no Bairro de São Raymundo, não offerece garantias, tornando-o fácil a evasão dos doentes.
O mal de hansen: exclusão, segregação geográfica e o imaginário dos higienistas em Manaus (1921-1926): Ruth Jacó Lopes. Centro Universitário do Norte – Uninorte – Licenciatura Plena em História.
Foto: Acervo/Revista HUGV
Os doentes cadastrados eram encaminhados para o leprosário “Belizário Pena” inaugurado em 1923, na localidade de Paricatuba, a margem do Rio Negro, duas horas acima da cidade de Manaus.
Com este trabalho idealizado e realizado pelo doutor Alfredo da Matta e sua equipe, passou-se a ter um certo controle dos pacientes de hanseníase.
A falta de recursos na época era o mais grave obstáculo do governo estadual, para manter os doentes internados; surgiu a partir daí a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, coordenada pelo Dr. Alfredo da Matta, organização que ogo se estendeu a quase todos os municípios do interior do Amazonas. Em consequência da doença, muitas famílias se separavam dos entes queridos, pais ou irmãos. Em 26 de abril de 1926, na Rua Urucará, no Bairro da Cachoeirinha foi inaugurada a Creche Alice Sales, destinada ao amparo dos filhos de pacientes portadores de hanseníase.
A ‘Colonia Antônio” Aleixo” situado nas cercanias, na época o local era considerado afastado, inaugurada em 1942, pelo Governo do Estado do Amazonas, oferecia melhores condições de vida comunitária aos hansenianos internados. Esta medida amenizou, de certa forma as dificuldades enfrentadas pelo governo para localizar o grosso dos pacientes, pois o isolamento de Paricatuba só podia ser de barco. Assim, de forma lenta, porém progressiva, os doentes foram transferidos, sendo que, naquele mesmo ano, também entrou em funcionamento o educandário “Gustavo Capanema, destinado na época aos filhos de hansenianos internados.
Não só como registro histórico, mas, também por justiça destacaram-se os médicos Geraldo Rocha, Menandro Tapajós e Leopoldo Krichanã, que se dedicavam ao atendimento dos pacientes das Colonias “Antônio Aleixo Belizário Pena” e a Casa Amarela, mais tarde denominada dispensário Alfredo da Matta.
A partir de 1953, a campanha nacional contra hanseníase tomou vulto, tendo o Governo Federal feito a convocação de especialistas para elaborar o Plano Nacional de Combate à Endemia. O plano apoiava-se interiormente, na politica dos doentes em leprocômios. O Estado do Amazonas acompanhou a politica adotada.
Do dispensário ao centro de saúde
Em 28 de agosto de 1955, foi inaugurado o Dispensário Alfredo da Matta, em um prédio modesto, adaptado da antiga Casa de Trânsito, conhecida popularmente como Casa Amarela. A adaptação por esse tradicional imóvel, para funcionar como dispensário, em linhas gerais, a uma planta elaborada pela diretoria de obras do Ministério da Saúde e que serviu de modelo, para a construção e instalação de outros similares na Amazônia.
O nome dado ao dispensário foi escolhido pelos médicos: Silas C. De Andrade, Célio Mota e Menandro Tapajós, prestando uma justa homenagem ao sanitarista Dr. Alfredo da Matta, tendo como primeiro diretor o Dr. Leopoldo Krichanã.
A medida que o tempo passava, o trabalho desenvolvido no dispensário “Alfredo da Matta” foi solidificando-se e adquirindo respeitabilidade. O resultado deste trabalho deu essa instituição o reconhecimento oficial pelo Ministério da Saúde, pela Organização Mundial da Saúde e outras instituições não governamentais, sendo logo transformado em Centro Regional em Dermatologia da Região Amazônica, tendo mais tarde denominado-se em Centro de Dermatologia Tropical em Venereologia Alfredo da Matta.
Referências:
MONTEIRO, Mário Ypiranga. A Catedral Metropolitana de Manaus – Sua longa história. Manaus: Edição Sérgio Cardoso, 1958.
Instituto Alfredo da Matta. Ontem e hoje: uma história de saúde pública. Manaus: IDTVAM, 1997 – GOMES, Francisco.
O mal de hansen: exclusão, segregação geográfica e o imaginário dos higienistas em Manaus (1921-1926): Ruth Jacó Lopes. Centro Universitário do Norte – Uninorte – Licenciatura Plena em História.
Instituto Alfredo da Matta. Ontem e hoje: uma história de saúde pública. Manaus: IDTVAM, 1997. Organizado por Francisco Gomes.
RIBEIRO, Maria de Nazaré de Souza. Vidas mutiladas nos espaços da hanseníase. Júlio César Suzuki. Manaus: UEA Edições. Pág. 37. Confira um programa especial sobre a Vila de Paricatuba: