Manaus, 28 de novembro de 2023

Histórias esquecidas

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A justiça de Deus ou o jacaré de monte cristo

Raimunda era uma mulata bonita e bem conformada, moradora lá para as bandas do que hoje é a Praça 14, com sua irmã paralítica e o cunhado. Os vizinhos comentavam que ela, desde que a irmã ficara paraplégica, vivia maritalmente com ele, e falavam, à boca pequena, que os dois haviam assassinado e enterrado a aleijada, no fundo do quintal.

O certo é que a irmã desapareceu e o caso foi ter à polícia.

Lá, diante de um delegado, Raimunda jurou por todos os santos não ter morto a irmã e contou que ela fora para o interior, onde desaparecera. O quintal foi escavado palmo a palmo, nada sendo encontrado. E veio o seu último juramento, propondo um julgamento celeste:

– Se eu for culpada pela morte de minha irmã, quero que um jacaré me coma.

Estava feita a proposta da atuação da Justiça Divina, neste escabroso caso.

Meses depois, em uma grande falta de água, na cidade de Manaus, o que de vez em quando ocorria, pela quebra das obsoletas máquinas do Bombeamento, Raimunda foi lavar roupa, no igarapé do Monte Cristo, em uma prancha, ali no fim da Rua dos Andradas, onde ficava o porto das catraias dos Educandos. Naquele tempo a água ainda era limpa, sem a poluição atual e o aterro, que acabaram com a antiga geografia do local.

Entretida no ensaboar e bater a roupa suja, não se apercebeu da aproximação de um gigantesco jacaré-açu-do-papo-amarelo, que a abocanhou pela cintura, em um só bote, levando-a para o meio do igarapé do Educandos.

A vítima, ainda viva, gritava, mas quando alguma canoa se aproximava a fera mergulhava, até matá-la afogada.

Por estar atravessada na boca do animal, este não podia ficar no fundo por muito tempo e nem a engolir, sendo por este motivo abatido a tiros, pelos soldados da polícia, que ali chegaram em uma canoa.

O animal tinha mais de seis metros e trinta centímetros, um monstruoso espécime, ficando por muitos anos o seu couro exposto em um museu da cidade.

Por muito tempo a pintura desse sáurio, em pedra de raio e em cuia de tatacá, foi motivo para os trabalhos dos os artesãos de Manaus.

Ainda me lembro de uma dessas pedras servindo de peso para papeis, na portaria do Hospital da Beneficente Portuguesa. Que fim teria levado?

Dizem que Raimunda foi julgada pelas suas vãs e abusivas palavras, e a sentença fora por ela mesma ditada e cumprida como um castigo, uma espécie de ordálio divino.

Passou-se o tempo e essa história está quase esquecida nesta nossa cidade de Manaus, que queima os seus filhos e mata os seus profetas.

Dizem que o animal continua empalhado, no alto de uma estante do Instituto Histórico.

NOTA – Usei o nome primitivo de tatá – fogo e caá=mato, planta = tatacá- mato quente depois alterado para tacacá, falavam os antigos.

Raimunda é um nome fictício, para cobrir identidade.

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