Minha relação com Manaus começou com meu nascimento na Santa Casa de Misericórdia, um espaço que foi ampliado para a casa de D. Olindina Rocha,na Rua José Clemente n. 217, onde eu e minha mãe ficamos por uns dias antesde irmos, de navio, para Itacoatiara onde morávamos e onde os limites deminha infância foram marcados pelas margens do rio Amazonas. Dentro desse“mundo” a Matriz e sua Praça, o Grupo Escolar Coronel Cruz, o Bosque, a nossa casa e, como marco da sofisticação, o “carro de luxo” do Seu Aprígio, puxado por dois cavalos brancos e no qual só andei uma ou duas vezes. Quando vim para Manaus o espaço se alargou, embora minha territorialidade estivesse resumida ao sobrado na Rua Leovegildo Coelho, alugado do Sr. Monassa, um amigo de infância de meu pai lá na Velha Serpa. A mudança para uma casa própria na Leonardo Malcher n.815, quase esquina com a Ferreira Pena, foi uma conquista do mundo.
MEU SAUSALITO
Manaus, desde essas priscas eras (como dizia Elza Rezende) tem sido meu “sausalito”, embora a vida me tenha levado para outras plagas em busca de outros horizontes, porém depois da gênese no espaço Manaus/Itacoatiara, o “fiat lux” de minha história consciente aconteceu na nossa casa da Leonardo, cuja porta se abria para uma calçada onde eu desenhava, com pedra jacaré, um reduzido campo de futebol para os jogos de “botão” feitos com caroço de tucumã e uma bolinha esculpida em rolha de cortiça, com gilete e lixa. Foi dali que minha vida se ampliou, começando pelas viagens diárias de bonde, pelas linhas Circular Avenida e Circular Cachoeirinha, até o Grupo Escolar Euclides da Cunha, passando pelo Entroncamento, Seringal Mirim, Beco do Macedo, Parque Amazonense, Reservatório do Mocó, Cemitério, que eram alguns dos ícones de uma Manaus alcunhada de “Cidade Sorriso”. Depois minha trilha se infiltrou pelo Grupo Escolar Princesa Isabel, (saudade da professora Garcineia do Lago e Silva) ali na Praça da Saúde onde ficava a casa da Arlene Miranda Correa, minha musa da escola, amiga apenas do Samuel Benoliel que era da mesma classe social e econômica.
GENTES DA ADOLESCÊNCIA
Meu universo juvenil abrigou amigos muito próximos, entre os quais Júlio Cesar Lima, José Pina (filho) e sua irmã Virginia, Simon Sabbá, as irmãs Marília e Lúcia Botelho e, em paralelos e meridianos mais distantes, as irmãs Nicinha e Glorinha Guimarãs, Lúcia e Sônia Tereza Lima.
VIDA EXPANDIDA
Para alargar a vida me “alistei” na turma da Praça da Saúde, onde ajudei a criar um time – Guarani – que nunca conseguiu ganhar ou sequer empatar com o Tamandaré dos irmãos Clemente e Lídio, do Marcus, Dadá, Lacinha, Sidney, Orsine, Eduardo um negão enorme que só tinha um braço mas jogava muita bola.
A escalação do Guarani tinha o Aloisio Oseas Pinto no gol, Waldemar Silva, Gilson Cabral dos Anjos, Fernando Andrade e Ilter Oliveira (Tereco) na defesa, Rochinha, Aderbal Rocha e Hylace Miranda Braga no meio campo e Gustavo Barbosa, Antônio Barroso (Tonico) e o Jander Cabral dos Anjos no ataque. Na reserva e na torcida, eu, Jorge Andrade, Sidney Gadelha, os irmãos Elmar e Elimar, Cirilo e Jose Alberto Neves, Leone Carvalho e o Mirandinha (que era baixinho, bom goleiro, bom de porrada e gay assumido).
Nas quadras e nos clubes por onde arremedei jogadores de vôlei e basquete, fiz muitos amigos entre os quais Pedro Brasil, Álvaro e Adalberto Santos, Hugo Reis, os irmãos Gaudêncio e Thiago de Melo. Aos sábados nos reuníamos em frente à Credilar ou na Loja de Discos do Joãozinho, (Eduardo Ribeiro com Henrique Martins) e, quando havia algum dinheiro íamos “lanchar” na Insinuante ou na Confeitaria Avenida que servia uma deliciosa empada acompanhada de xarope de guaraná dissolvido em água gasosa. Manaus dessa época tinha interessantes personagens de rua como Bombalá, Carmen Doida, Fracasso, Nega Raimunda, Guabiru, Jau, que não figuram nos livros de história. E, em vez do “carro de luxo” da Velha Serpa, havia duas empresas de taxi – Garagens Avenida e Esportiva – com poucos carros e poucos usuários. O lazer se resumia aos encontros dançantes nos clubes, no “footing” domingueiro na Praça da Polícia, batalhas de confete na Eduardo Ribeiro, Festival Folclórico no General Osorio. A cidade e eu tínhamos pouco a oferecer e de nossas carências surgiu uma forte relação que hoje, mesmo com horizontes e limites expandidos, continua densa e só se apagará no dia em que eu partir, deixando o que sobrar incorporado ao chão desta cidade amada.