Manaus, 1 de dezembro de 2023

‘Nada de pretos…’

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Imagina, então, aceitar e aplaudir a decisão de um chefete da polícia civil que determinou que o serviço de segurança do Teatro do Rio de Janeiro fosse feito, somente, por guardas “que sejam apuradamente de cor branca.

Com a mania que tenho de volta e meia folhear revistas antigas publicadas em Manaus, outro dia me deparei com pequeno artigo lançado em “Amazônida,” de 1928, e que trazia o título que revolvi repetir e encimar esta crônica, sem que com ele esteja de acordo.

A matéria, assinada sob pseudônimo de X.Z., escandalosamente se solidarizava com o chefe de Polícia da cidade do Rio de Janeiro, Coriolano de Góes, que, em 1927, proibiu a prestação de serviços de cidadãos afrodescendentes nos postos de guardas do Teatro Municipal da capital da República, medida que, ao seu tempo, devia parecer normal aos olhos da sociedade de então, ainda que injusta, desrespeitosa, ilegal, incorreta e criminosa ao olhar no tempo presente.

Como se não bastasse a proibição e a discriminação de que se trata, o autor do artigo se excede ao considerar incompreensível que um país como o nosso, “sério, agrícola e supercivilizado em vésperas de estabilizar sua moeda e de outorgar o direito de voto às mulheres, tenha ainda em seu território pretos e caborés, afrontando com a sua carapinha e o seu bodum apele branca, aveludada e cheirosa de trinta e cinco milhões de brancos autênticos, sem gota sequer de sangue africano.”

No mesmo artigo o autor ressalta o comportamento que Campos Salles teria tido quando em viagem ao rio da Prata em visita ao general Rocca, e na qual fixou como “proibido a presença de marinheiros pretos” na esquadra Em seguida, X.Z. almejou que pessoas dessa cor de pele deveriam ser eliminadas por serem “mácula que avilta e destoa.”

Trago o tema à baila, tal como foi defendido pelo escritor da década de 1920, passados tantos anos, precisamente quando, mais uma vez e com toda a razão, inúmeros setores da sociedade brasileira se erguem contra o racismo, a discriminação de qualquer natureza, a perseguição aos afrodescendentes, a falta de oportunidades que permitam que eles disputem a escolarização, o trabalho e tudo o mais em igualdade de condições com grupos humanos de outras origens e raças, em uma sociedade que se diz plural.

Impossível admitir em um país multicultural e multirracial como é o Brasil, discriminação em relação a qualquer grupo humano, seja em razão da cor, da língua, da preferência sexual, da opção de organização de família, do interesse político, partidário, ideológico, enfim, por qualquer razão.

Imagina, então, aceitar e aplaudir a decisão de um chefete da polícia Civil que determinou que o serviço de segurança do Teatro do Rio de Janeiro fosse feito, somente, por guardas “que sejam apuradamente de cor branca.”

Achando pouco essa conduta inconcebível, meses depois Coriolano ameaçou colocar em prática a regra de lei que proibia crianças de comparecerem a velório e acompanharem sepultamentos, assim como ordenou o varejamento das associações que, no seu entendimento, fossem constituídas de comunistas, e ameaçou retirar o pátrio poder de pais que permitissem que seus filhos recebessem lições de revolucionários comunistas, no caso, os defensores da candidatura de Vargas e alguns tenentes.

Esse poderoso “chefe” era advogado formado em 1916, policial civil com exercício da função de delegado em várias pequenas cidades do interior até chegar a dirigir a Polícia da capital do País, no governo de Washington Luís, a quem prestou serviços de resistência a oposicionistas, fossem varguistas ou não, sempre de forma agressiva e poderosa, e terminou nomeado para o importante cargo de ministro do Superior Tribunal Militar, cujo decreto foi anulado pelo governo implantado pela revolução de 1930, o que o obrigou a buscar exílio em Paris.

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