
*Mario Ypiranga Monteiro
A Vila – Continuação (I)
Os cargos se sucediam, aproveitando-se aqueles elementos mais em evidência no comércio, e que não deixavam de, pelo menos, saber assinar o nome, visto que cultura não havia ainda. Em 1844 eram nomeados outros Juízes de Paz. O tempo que duravam no cargo era de quatro anos, e de acordo com a lei, podiam recusar o encargo depois de haver servido antes. Recusar, todavia, sobre pretexto fútil, não adiantava. Qualquer cidadão que soubesse ler e escrever era obrigado a servir sem esperanças em recompensas monetárias. Empregos gratuitos. Assim mesmo serviam com prazer e com muita justiça e honradez. Havia quem, vez por outra, fosse chamado às barras do tribunal, por incúria e alcances.
Termo de Juramento que prestarão Jozé Antonio Ezequiel, para exercer o cargo de quarto Juiz de Paz desta Villa e Belizario Roiz Vieira para exercer o cargo de primeiro Juiz de Paz da Freguezia de Serpa.
Aos quatro dias do Mez de Dezembro de mil oitocentos e quarenta e quatro annos nesta Villa da Barra do rio Negro, em as Cazas que Servem de Salla das Sessões da Camara Municipal, onde se achava presente o Presidente interino da mesma Antonio José da Trindade Barrozo, no impedimento do atual João Inacio Roiz do Carmo, compareceo José Antonio Ezequiel a-fim de prestar juramento para exercer o Cargo, de Juiz digo de quarto Juiz de Paz desta Villa, na seguinte Legislatura, e Belizario Roiz. Vieira por seu procurador Vicente Ferreira dos Anjos, para exercer o cargo de primeiro Juiz de Paz da Freguezia de Serpa e sendo vistos e examinados seus Diplomas, pelo dito Presidente intirino, e achando-os conforme lhes difirio o Juramento dos Santos Evangelhos na forma do Estilo, e de tudo para constar os lavrou o presente Termo. Eu Martiniano Ferreira dos Anjos Secretario o escrevi.
José Antonio Ezequiel Vicente Ferre. dos Anjos
Antonio J. da Trin.de Barrozo
Martiniano Ferr.ª dos Anjos. Secr85
Em 1845 vamos encontrar outro documento com o juramento de Evaristo Rodrigues de Lima para Juiz de Paz de Serpa:
Termo de Juramento que prestou José Maria da Conceição por seu Constituinte Evaristo Roiz. de Lima, para servir o Cargo de quarto Juiz de Paz da Freguezia de Serpa. Aos vinte sete dias do Mez de Março de mil oito centos quarenta e cinco annos nesta Villa da Barra do rio Negro em as Casas que servem de Salla da Camara Municipal, digo de Sala das Sessões da Camara Municipal, onde se achavão presentes o presidente da mesma Manoel Thomas Pinto, compareceo José Maria da Conceição, e apresentou uma Procuração, e Diploma de seu Constituinte, Evaristo Rodrigues de Lima, a fim de prestar Juramento dos Santos Evangelhos, para o ditto seu Constituinte servir o Cargo de quarto Juiz de Paz da Freguezia de Serpa na presente Legislatura, e sendo vista e examinada pelo ditto presidente, a referida Procuração, e Diploma, e achando tudo em forma lhe deferio o mencionado Juramento dos Santos Evangelhos na forma do estilo; e de tudo para constar se lavrou o presente termo. E eu Martiniano Ferreira dos Anjos Secretario o escrevy.
Jose Maria da Conceição
Manoel Thomas Pinto P.
Martiniano Ferreira dos Anjos Secret.
Também a Câmara da Vila da Barra do rio Negro pedia contas aos administradores das rendas daquela Freguesia e exigia prestações, como se vê do documento abaixo, extraído da ata do dia 14 de abril de 1845:
O Fiscal e Procurador dessa Freguezia de Serpa, compa receu pelo seu Procurador Leonardo Ferreira Marques, a fim de prestar contas, e sendo nomeado huma Comissão de três Membros, que forão os Senr. Vereadores, Ribeiro, Páo Brasil, Coelho, declarou a mesma que punhão duvi da, em levar-lhe em conta doze alqueires de farinha que o mesmo Fiscal, forneceu, para os Guardas das Praias da facturação de manteigas, e em consequencia deliberou a Camara, se Officia-se a Sua Excelência o senhor Presidente da Provincia, tomando esclarecimento a este respeito, para assim poder tomar-se as contas ao dito Fiscal e Procurador.
Como se verifica, não havia pressa em fornecer quitação às contas duvidosas do Fiscal de Serpa. Doze alqueires de farinha para sustento dos trabalhadores das praias de tartarugas era muito oneroso para a Câmara e esta resolvia consultar a presidência da Província sediada em Belém do Pará. Quanta demora! Mas os vereadores não queriam saber de demoras. Queriam era honestidade nos negócios do povo. Doze alqueires de farinha era muito, não? Todavia, as praias de Serpa eram bastante férteis em tartarugas, cujo rendimento em ovos transformados em manteiga, servia para a iluminação da vila da Barra e de todos os demais povoados próximos.
Se o Lugar da Barra não evoluiu quando estava na dependência da antiga vila de Serpa, considerando nós que a sua evolução dependeu de outras causas, em compensação quando a Barra passou à condição de vila Serpa teve uma esplendida posição como distrito, recebendo a atenção e a assistência dos vereadores de Câmara, muitos dos quais de lá vieram prestar seus serviços aqui.
No dia 12 de abril de 1845, por proposta do vereador Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, Serpa teve o seu primeiro professor de primeiras letras, solicitado ao presidente da Província. Isto não quer dizer que lá já não os houvesse. Havia, naturalmente, o padre mestre, o vigário. Mas oficialmente, o professor vai ser nomeado agora por inspiração do vereador citado: Que se solicitem dois professores de primeiras letras, sendo hum para Silves, e outro para Serpa.
E também a sua força militar, ali acantonada, pois que naqueles tempos de insuficiência econômica, todos os povoados de relativa densidade populacional, possuíam uma guarnição policial, vinda da Guarda Nacional. Na ata do dia 17 de abril de 1845, lê-se que a Câmara Municipal da Barra recebeu outro (oficio) do Senr. Commandante Militar solicitando desta Camara um prédio que servia de antiga Cadeia na Freguesia de Serpa, para Q. dos Policiais ali em Serviço, e teve por resolução que Officiasse ao Senr. Administrador da Recebedoria, visto ser um predio sujeito as rendas geraes.
Em junho de 1845 eram nomeados os Coletores para Serpa, notícia que vem exarada na ata de Câmara Municipal da Barra, no dia 26 de junho de 1845:
Leo-se outro officio do mesmo Inspector acima (sem indicação do nome, apenas diz-se Inspector Publico Provincial do Pará) remettendo duas nomeações passadas a favor de Manoel Joaquim da Costa Pinheiro, e de Diogo Duarte, sendo a do primeiro para servir o lugar de Collector das Rendas Provinciaes da Freguezia de Serpa e a do segundo para o de escrivão, e bem assim os quadernos em que deve mandar lançar o que arrecadar o mesmo Collector Pinheiro, de primeiro de Julho do presente Anno, em diante, a fim de lhe serem entregues logo que prestem o Juramento dos Santos Evangelhos, e o ditto Pinheiro fiança edonêa, do que a Camara ficou inteirada, e resolveo que se Officiace aos dittos Pinheiro, e Duarte, a fim de virem prestar o referido juramento, e que se respondesse ao mencionado Inspector.
Não encontrei o termo de juramento do cidadão Manuel Joaquim da Costa Pinheiro, apenas outro documento a ele referente. Encontrei, no entanto, o termo de juramento do nomeado Diogo Duarte:
Termo de Juramento que prestou Diogo Duarte para servir o lugar de Escrivão da Colectoria da Freguezia de Serpa.
Aos quatro dias do mez de Julho de mil oito centos e cincoenta, nesta Cidade da Barra do rio Negro e no Paço da Camara Municipal, onde se achavão presentes o V. José Antonio d’Oliveira Horta, presidente entirino da mesma, ahi compareceo Diogo Duarte para prestar juramento do Cargo d’Escrevão da Collectoria da Freguezia de Serpa, para o qual foi nomeado pelo respectivo Inspector, e sendo-lhe deferido o dos Santos Evangelhos, prometteo bem e fielmente desempenhar os deveres do Cargo que passa á exercer. Em firmesa do que lhe mandou passar o presente pelo presidente assignado, digo, em firmeza do que se lavrou o presente Termo em que assignou o juramentado. E eu Agostinho Hermes Pereira, Secretario o fiz e subscrevy.
Jozé Antonio de Oliveira Horta
Diogo Duarte
P. entro.
Mas a respeito daquele fulano Costa Pinheiro, existe um -cumento bastante expressivo, a ata do dia 14 de abril de 1848, em que – aparece envolvido em prestações de contas:
Comparecerão o Procurador desta Camara Francisco Antonio Roberto, e o Fiscal da Freguezia de Serpa Manoel Joaquim da Costa Pinheiro, ambos convocados para prestarem contas como é determinado pelo artigo 25.° da Ley n.º 33 de 1840, Capitulo 4.º; e logo o S Prezidente passando a nomear os Senr. Vereadores Brandão, e Paula Azevedo, dos Livros respectivos, digo, para o exame dos Livros respectivos, de que acharão impor (no Livro que pertence a esta Camara) a Receita em 227-873 reis, e a despeza em 201-461 reis, havendo de saldo a favor do cofre 26-412 reis; ao que se lavro o competente Termo em que todos assignarão com dito Procurador; e na Conta Corrente apresentada pelo referido Fiscal, acharão importar a Receita em 43.000 reis, e a Despeza em 20-980 reis, aparecendo um saldo a favor de 22-020 reis, cuja quantia foi entregue ao Procurador desta Camara, que presente estava. Avista do exame procedido no livro pertencente a Freguezia de Serpa, deliberou a Camara se oficiasse ao ex Fiscal Damaso de Souza Barriga afim de vir prestar suas contas na Sessão de Julho fucturo, visto que não as prestou logo que deixou de accupar o referido cargo. Foram lidos dois requerimentos, sendo um de Raymundo da Cruz Nonato, em que pede certa porção de terreno que se achão de voluto no rio Autaz, e outro de João de Freitas, morador da Freguezia de Serpa, em que pede sete ou oito braças de terreno, na mesma Freguezia, e sendo vistas as informações, tanto d’um como d’outro. requerimento, deliberou a Camara que o Secretario lhes passasse Carta de Data.
Aquele Damaso Barriga já estivera antes envolvido em coisas de números com a Câmara, que o chamou às falas, na sessão do dia 8 de julho de 1845:
Compareceo Damaso de Souza Barriga, Procurador Fiscal da Freguesia de Serpa, a fim de prestar contas, e a apresentar huma conta de Receita e Despeza, na qual mostrava ser o saldo a seu favor da quantia de quatorze mil seis centos e vinte reis, e sendo vista e examinada pela Camara, as houve por approvadas, e resolveu que se lhe pagasse ditta quantia.
Residia em Serpa, mas depois veio para a Barra, onde serviu como vereador, etc. Em 1847 aparece um requerimento de Damaso de Souza Barriga, pedindo dez braças de Chões na Freguezia de Serpa; mandou-se que o Fiscal daquela Freguezia informasse.86
Ainda como complemento ao desastre provocado pelo célebre Código de Processo Criminal do Império, que desfaz muitas esperanças e destruiu todo um complexo administrativo-econômico, vamos encontrar a pá de terra, por assim dizer, dada na antiga vila de Serpa, com as suas casas da Câmara levadas à hasta pública; documento esse extraído da ata da Câmara Municipal da Vila do dia 5 de julho de 1836:
Compareceu egualmente duas petições do P. Felippe São Thiago Pinto, huma em q. requeria lhe facultasse p. venda huns prédios que outr’ora servira de Cazas de Sessões da extincta Camara de Serpa, cujo se lhe Despachou da maneira seguinte – Accordão em Sessão Ordinaria & Esta Camara passa aproceder a avaliação na forma requerida; marcando odia 30 do corrente o q. será anunciado p. Edital. Cuja arrematação deverá ser feita nesta Vª Manáos era ut Sup. Assignados os vereadores presentes. Outra em que requeria se lhe mandasse passar a nomeação de Professor de 1.as Letras da Freguesia de Serpa, visto achar se ahi vago este emprego cuja se lhe Despachou do theor seguinte Accordão em Sessão Ordinaria // Passe-lhe a nomeação na forma do estilo. Manáos era ut Sup. Seguia se a assinatura do Prez: d. Vereadores presentes.
As casas foram, com efeito, leiloadas. Acompanhamos esse aspecto histórico da vida da antiga vila e na ata das Sessões da Câmara Municipal de Manaus, referente ao dia 8 de julho de 1836, encontramos esta indicação: Officie-se igualmente ao Juiz de Dir intro desta Com. ca afim de mandar por em hasta publica as Cazas pertencentes á este Senado, cita na extincta Villa de Serpa. A Câmara de Manaus fazia sua, por cessão de direito, os restos do patrimônio municipal de Serpa. Na ata do dia 12 de outubro lê-se:
Foi apresentado nesta Sessão hum Requerimento de João Ignacio Roiz do Carmo, como Procurador bastante e Geral do Dr. Manoel Bernardino de Souza e Figueiredo, em q. requereo, ouvesse esta Camara de mandar passar Mandado de entrega do valor das Cazas q. em hasta publica foi arrematada pertencente á este Conselho, cuja quantia importa em cento e hum mil e sem reis aqual se Despachou na forma que requer. Officiouçe nesta mesma dacta ao Cap. Ambrosio Pedro Ayres, de fazer empossar aos Juizes de Paz da Freguezias de Serpa e Saracá q. forão Eleitos p. aquellas Freguezias, e de lhes dar todo o auxilio necessário q. estiver a seu alcance, p.” fazerem manter a boa Ordem, e por áLei em seu pleno vigor. E bem assim oficiou-se ao mesmo Cap. agradecendo-lhe o seu Patriotismo, o quanto se tem prestado pela defesa da Lei e da Patria. Já no dia 14 de janeiro de 1837, a Câmara volta ao mesmo assunto, deixado em silêncio desde a discussão supra. Essa interrupção foi em parte motivada pela presença dos cabanos em Serpa, assunto que falaremos em lugar adequado. Voltando às Casas da extinta vila, lê-se na ata daquele dia:
O Vereador José Casemiro Ferreira do Prado apresentou huma indicação, cuja he do theor seguinte Indicação – Sendo huma das principaes brilhantes atribuições dos Vereadores o cuidarem, e Velarem sobre o estado em que se achão os bens do Conselho para reivindicarem o zelo e aboa arrecadação de tais bens, cumpre-me como hum dos membros desta Corpuração indicar que se tendo posto em haste publica pela repartição competente as Cazas que servirão de Sessão a extincta Camara da Villa de Serpa, cujas sendo arrematadas pelo Reverendo P. Felipe Santiago Pinto pelo valor de cento e hum mil e tantos reis, e como me consta que odito Reverendo desistio da arrematação em razão de não entrar com seu equivalente, passando as ditas Cazas particularmente as mãos do Senr. Ignacio Rodrigues do Carmo como Procurador do Doutor Manoel Bernardino de Souza e Figueiredo para indennização a huma dívida passiva ao referido doutor sem se seguirem aquellas formalidades que Lei prescreve, e para que sobre mim não recaha a responsabilidade da Comissão, voto que se relaxe tal transpasse ilegal que se observe a Lei na nova arrematação, eque se faça certo ao referido Carmo o sem efeito atal nulla determinação. Salla das Sessões nesta Villa de Manaos 16 de Janr.º de 1837. -Jozé Cazemiro Ferreira do Prado. O que sendo posta amateria em discução todos os mais Senr. Vereadores forão do parecer da indicação por consequência de que o Snr. Prezidente fez suas reflexões dizendo visto não se ter lançado nas Actas transactas adesistencia de tal objeto, mais sim ter sido feito adis digo particularmente o transpasso de hum negocio pertinente ao conselho sem se proceder a nova avaliação e correr em hasta publica aquelles dias que a Lei tem designado hera depareçer que se sanasse esta falta de formalidade, oficiando-se ao Juiz competente para proceder os requisitos legais eque se fizesse constar ao procurador do acredor passivo, o que foi apoiado edessidido pela afirmativa.
Para Juiz de Paz de Serpa no quatriènio 1837-1849, fora juramentado o cidadão Antônio de Macedo Portugués, que depois serviu como vereador em Manaus e fez-se notar, ainda em Serpa, por ocasião da guerra contra os cabanos, por uma atitude covarde, denunciada ao repúdio público pelo então Juiz de Direito da Comarca. O juramento desse cidadão aparece no dia 19 de abril de 1837, no livro de Atas – 1:
O Presidente disse que convocou esta Sessão p. afim de se prestar ojuramento dos Santos Evangelhos á Antonio de Macedo Portuguez eleito Juiz de Paz da Freguezia de Serpa, aq se havia ontem officiado p.ª esse fim, e sendo o mesmo prezente, lhe foi deferido ojuramento do estillo na forma Seguinte. Juro aos Santos Evangelhos de desempenhar as obrigações de Juiz de Paz da Freguezia de Serpa de promover quanto em mim couber, os meios de sustentar a felicidade pública.
(Continua na próxima semana)
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85 Documento do Arquivo da Prefeitura Municipal de Manaus.
86 Ref. ao romance O Missionário.