Manaus, 6 de dezembro de 2023

Pereirinha

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O “Pereirinha” que conheci – Francisco Pereira da Silva – poeta, jornalista e advogado, já não tinha mais o vigor dos anos 1930 quando enfrentou e venceu os últimos estertores da resistência contra a Revolução Getulista de 1930 em Manaus, ocasião em que, além de outras providências, fez instalar uma estação clandestina de radiocomunicação por meio da qual conseguiu acompanhar, em tempo real, as notícias mais reservadas e quase secretas sobre o movimento armado que levaria Vargas ao Palácio do Catete e à chefia do Governo Provisório da República, e que, na capital amazonense, o conduziria a compor o triunvirato da Junta Governativa que depôs o governador Dorval Pires Porto que fora empossado em janeiro daquele ano.

Jornalista combativo, daqueles que assumia o lado de sua preferência efetiva, mesmo quando o temporal dominava as redações dos jornais em razão de larga influência, controle ou domínio do governo de plantão, mas que também sabia posicionar-se em segredo, conseguiu manter-se por algum tempo na Junta governativa cabocla e depois na importante função de secretário geral do Estado, uma espécie de vice-governador, naqueles primeiros meses da revolução. Atritado com Álvaro Botelho Maia, o interventor, segundo se deduz pela forma como os acontecimentos políticos intestinos se tornaram conhecidos pela população por meio da imprensa (1931), ele perdeu prestígio em Manaus e junto ao governo central, mas retornaria anos depois com mandato parlamentar federal em cujo exercício marcaria, definitivamente, sua presença na história política, social e econômica amazonense com o Projeto de Lei que criava o Porto Livre, que, anos mais tarde, seria transformado em Zona Franca de Manaus.

Quando me deparei com aquele cidadão de tez maltratada, falando baixo, trajes modestos, acompanhado apenas por um jovem que lhe servia de apoio, assessoria e segurança, meio perdido e largado naquele casarão da Av. Silva Ramos, no alto do Nazaré, que servia de sede ao partido político de sustentação do governo da época, e percebi que estava cogitando candidatar-se a deputado estadual, não pude compreender, de pronto, porque os maiorais do governo e da agremiação não lhe devotavam qualquer atenção especial. Logo ele, de história relevante. Passado o pleito em que “Pereirinha” teve votação pífia até mesmo para iniciantes em eleições, conclui, sem muito esforço, que os “chefes do partido”, pela experiência, sabiam que o líder das grandes tribunas era coisa do passado e nele ficara. Somente ele, talvez isso, somente ele imaginasse que ainda seria possível reacender a chama que seus vibrantes discursos eram capazes de inflamar nos tempos idos, e que seu projeto salvador da nossa economia e de todo um Estado e sua população ainda tivesse força suficiente na memória do povo para conferir-lhe um novo mandato legislativo. No ocaso das forças humanas, a última oportunidade de servir a terra que adotara como sua e que cantara em poesia e prosa se esvaiu sem um aplauso sequer ou uma palavra mais carinhosa de agradecimento.

Depois disso não o vi mais por canto algum, mesmo tendo feito procuração acerca de seu paradeiro. O potiguar de 1890, advogado muito bem prestigiado no júri popular, deputado Constituinte de 1946, orador inflamado nos templos maçônicos, operoso cidadão e defensor dos sindicatos, veio a falecer em 1973, sepultando, consigo, muitos outros sonhos de melhor servir à causa do desenvolvimento, ocupação, proteção e defesa da Região Amazônica, naturalmente com a mágoa do esquecimento.

Bem sei que não há de ter sido o único a atravessar agrura dessa natureza nesse meio em que a maioria dos interesses são imediatos, pouco ou quase nada há de respeito pelo contributo dos que nada podem oferecer de futuro, mas esse caso veio à memória para registro em razão de episódios recentes que me saltaram aos olhos volvendo minha atenção àqueles dias de caminhadas infrutíferas em que Pereirinha procurava apoio político e sustentação partidária para sua última campanha.

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