Sempre me perguntam se foi na escola que adquiri o gosto pela leitura. É claro que a escola ajudou muito, especialmente com um professor como Carlos Eduardo, que entusiasmava seus alunos falando dos livros que estava lendo, ou nos incentivando a comparar “Ressurreição” de Machado de Assis com o romance homônimo de Tolstoi. Isto nos tempos em que se chegava ao final do segundo ciclo sabendo ler e escrever. Mas na casa de meus pais tinha uma biblioteca. Um bom número de livros era herança da biblioteca de minha avó. Não tive berço de ouro, mas aprendemos cedo o valor dos livros. A escola em Manaus, nesta época anterior às leis de diretrizes e bases da educação e do acordo MEC-USAID, era excelente e a sociedade empobrecida não apresentava grandes desigualdades. Estudei no Colégio Dom Bosco, o mais caro da cidade, com bolsa do Sindicato dos Gráficos. Era uma excelente escola, muito rigorosa e com professores de primeira linha. Tive uma formação sólida, com um corte humanístico em que tivemos, além do currículo básico, ensino de música, desenhos artístico e geométrico, história da arte, espanhol, francês, inglês, latim e grego clássico. Era a escola de elite criada por Dom Pedro II para a Amazônia, que até 1860 poucos falavam português fora das capitais provinciais. Por isso, saí do colégio lendo em quatro idiomas e a lembrança do professor Agenor Ferreira Lima que nos enlouquecia nos fazendo traduzir Ovídio, Plauto e Terêncio.
A Manaus desta época era pobre, mas tinha seis jornais, quatro estações de rádio, oito cinemas e nove livrarias. Os cinemas passavam filmes de todo o mundo e numa das livrarias, a Escolar, podíamos comprar revistas e jornais de muitos países. Minha geração cresceu lendo (em inglês, francês e espanhol) – e vendo cinema. Desde então, sou um leitor insaciável, se não tenho o que ler, leio bula de remédio. Mas não pensava em ser escritor, aliás, pensava apenas em ter um ofício e ganhar o meu sustento. Coisa de filho de operário. E nem a propósito, depois de realizar o filme “A SELVA’ e chegar à conclusão de que eu gostava mesmo era de escreve, me dei um ano para provar que podia me sustentar escrevendo. O Brasil é o único país da América Latina onde um escritor pode escolher ser escritor e professor, ou escritor funcionário público, ou até mesmo apenas escritor. Esta última opção era a minha. Do meu panteão literário faziam parte: Machado de Assis, William Shakespeare (que li em francês porque minha avó tinha as obras completas de; bardo na língua de Molière). Lima Barreto, José de Alencar, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Raul Bopp, Edgar Allan Poe. Charles Dickerrs, Danil Defoe, Jonathan Swift, Robert Louis Stevenson, Honore de Balzac Anatole France, Victor Hugo, Alexandre Dumas pai e filho… Na verdade, eu e meus amigos e amigas competíamos para ver quem lia mais que o outro. E tagarelávamos muito sobre as novidades que chegavam, como as traduções de Kafka, Lolita de Nabokov e a obra dos autores que mais admiramos na Juventude e que fazem parte da minha formação: Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Hoje sou leitor do Milton Hatoum, do Antônio Torres, da Maria José Silveira, Márcia Denser, do Michel Laub. E especialmente de Kurt Vonnegut e Philip Roth. Dos poetas leio Aldísio Filgueira Elson Farias e Antônio Carlos Serchin. Tem coisa melhor?