Manaus, 16 de abril de 2024

Urnas e democracia

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A democracia, nas palavras imortais de Sir Winston Churchill, herói da Segunda Guerra Mundial, é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais.

Ela, quando genuína, permite o livre debate de ideais, mesmo as mais estapafúrdias ou inverossímeis, sem que, por isso, ninguém seja levado à prisão, seja torturado ou seja perseguido de qualquer forma, sobretudo quando a discussão se desenvolva no campo político, o qual é uma arena de dissensão por excelência e onde os seus protagonistas estão acostumados ao jogo duro das acusações, das informações e das contrainformações. Michel Focault, invertendo a máxima de Carl Von Clausewitz, já dizia e, a meu ver, com toda a propriedade, que a política é a guerra por outros meios… Não deveria ser, mas é. Entre uma guerra civil e uma escolha, sem derramamento de sangue, nas urnas, evidentemente que a segunda hipótese é a preferível.

Numa democracia, portanto, precisa haver algo como demonstrado no livro de Anthony Lewis, onde o autor desvela a evolução da jurisprudência da Suprema Corte Americana, que se consolidou ao longo do tempo, no sentido de garantir uma liberdade de pensamento e de expressão quase que irrestrita nos EUA. O título da obra, aliás, é retirado de um voto do ministro Oliver Wendell Holmes Jr, no caso United States vs Schwimmer, o qual, embora vencido, deixou gravado em letras de fogo a seguinte sentença: “a Constituição exige fidelidade imperativa, mais do que a qualquer outro, ao princípio do livre pensamento – não livre pensamento para aqueles que concordam conosco, mas LIBERDADE PARA AS IDEIAS QUE ODIAMOS”.

De fato, se somente houver liberdade para o nosso grupo, para os nossos parceiros, para os que comungam de nossos pensamentos, não haverá liberdade e, muito menos, democracia, palavra, a propósito, que vem sendo deturpada no Brasil por seus supostos defensores, tudo em nome de um nefando projeto de poder.

Vejam: o STF, não faz tanto tempo assim, com outra formação, seguindo o voto lapidar do ministro Carlos Ayres Britto, nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130/2009, derrubou a Lei de Imprensa e consignou que “a uma atividade que já era livre (incisos IV e IX do art. 5º) a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de plena (§1º do art.220)”, donde se deflui que, salvo em caso de “estado de sítio” (art.139), não pode o Estado definir de modo prévio o que pode ou não poder ser dito pelas pessoas ou pelos meios de comunicação. Isso, contudo, não é o que vemos atualmente. O famigerado “Inquérito das fakes news” que o diga, o que é profundamente lamentável.

A discussão, por exemplo, sobre o caráter violável ou inviolável das urnas eletrônicas, no ponto de vista das liberdades e da democracia, é plenamente legítima. Muitos prefeririam que houvesse o comprovante impresso, quanto mais segurança, quanto mais certeza, melhor; outros acham isso desnecessário, optam por confiar cegamente na tecnologia até aqui desenvolvida. Seria possível querer criminalizar o segundo grupo por ter esse entendimento, por supor que querem fraudar as eleições? Julgo que não. Assim como não é possível criminalizar quem acha que o voto deve ser auditável. A decisão sábia e salomônica para este caso, que pacificaria tudo, seria simplesmente o TSE, ao invés de defender a infalibilidade das urnas, permitir, sobre elas, a maior vigilância possível. Isso acabaria com a discussão e seria, no fundo e no fim, a real defesa da democracia. Afinal de contas, num país que é laico, ou seja, em que é possível até não acreditar em Deus (eu acredito, mas não demonizo quem não crê, só lastimo), por que não seria possível manifestar desconfiança ou descrença em relação às urnas, feitas e manipuladas por mãos humanas?

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