Manaus, 3 de dezembro de 2024

ZFM, 47 anos

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“Nunca me esquecerei desse acontecimento. Na vida de minhas retinas tão fatigadas. No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma pedra”. Carlos Drummond de Andrade

Transcorridos 47 anos desde 1967, quando foi instituída, o cenário contemporâneo da Zona Franca de Manaus faz vislumbrar a fatigadas retinas vigilantes que profundas mudanças conjunturais processam-se mundial e internamente. Confrontos inevitáveis, transcendentes a um simples tropeço numa pedra colocada “no meio do caminho”, vêm se materializando  aqui e ali. E desta forma avisam que novos desafios estão por vir, exigindo de quem de direito enorme esforço de adaptação e ajuste a uma realidade até então estranha aos padrões político-econômicos vigentes.

São muitas e diversificadas as “pedras” que se acumulam no caminho da ZFM no momento em que o “modelo de desenvolvimento” desponta na reta de chegada rumo a 2017, quando serão celebrados seus 50 anos. E quais são essas “pedras”,  precisamente?  Uma das mais importantes, a fadiga de materiais a que chegou o modelo, que se esgotou, estando a demandar reestruturação conceitual e planejamento de longo prazo.

Pesquisando artigos escritos por colegas economistas publicados por A Crítica em cadernos comemorativos dos aniversários de 10, 15, 20, 30, 40 anos da ZFM verifiquei que as análises críticas centram-se, ao longo das décadas, exatamente no mesmo ponto: déficits acumulados nos investimentos em modernização industrial, em ciência, tecnologia e inovação como meios de promover a competitividade internacional do PIM; paupérrima infraestrutura de transporte, portos e logística; débeis políticas econômicas visando à modernização do setor agropecuário, setor com forte capacidade de geração de emprego e renda, e, portanto,  de fazer face ao êxodo rural responsável pelo inchaço atual da capital e sedes municipais.

Nesse meio tempo o mundo evoluiu; a ZFM, apenas relativamente. Queira-se ou não, continuamos caudatários da mesma política protecionista de substituição de importações superada, posta em desuso no Brasil inteiro, menos aqui, desde os anos 1980. A realidade impõe um olhar pragmático, revisionista e modernizador a respeito. Enquanto isso não ocorre, os riscos de mutilação se multiplicam. A começar pela indefinição, até aqui, da prorrogação do prazo de vigência dos favores fiscais que o sustentam prometidos pelo governo federal por mais 50 anos.

Os problemas não acabam aí. O PIB – Produto Interno Bruto de Manaus, segundo o IBGE, é o sexto do Brasil. Em contrapartida, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é apenas o 23º entre as 27 capitais mais o DF. Só ficamos à frente de Porto Velho, Macapá, Rio Branco e Maceió. Esses dados por si induzem a um raciocínio simples de que a renda gerada no PIM não permanece aqui, não gera riqueza, nem sustenta processo de crescimento econômico. O governo, o poder legislativo, as representações de classe e a sociedade de modo geral precisam levar em conta seriamente tão graves  distorções.

Mais ainda: a União Europeia denunciou como danosa ao bloco a política de redução do IPI para carros e os benefícios que o governo federal concede à ZFM, que estariam a violar as regras internacionais do comércio. A pressão sobre o governo brasileiro iniciou-se formalmente na quinta-feira, 13, data em que Brasil e Europa iniciaram consultas em Genebra, depois que os europeus entraram com uma queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC) para julgar a política industrial brasileira.

Como se observa, o quadro é complexo. Menosprezo e protelações não solucionarão o problema. Até porque o Planalto está sendo muito pressionado por setores internos do próprio governo, pelas classes empresariais e os demais estados da Federação, contrários ao atual modelo ZFM.  Mantidas as atuais condições políticas, a tão ansiada prorrogação por mais 50 anos, comprometida pela presidente Dilma Rousseff em sua campanha eleitoral de 2010, e repetida em sua visita a Manaus na sexta-feira, 14/2, dificilmente será aprovada pelo Congresso Nacional. A não ser com fortes condicionamentos no que tange à estrutura da atual política de incentivos fiscais.

Disse Tomasi di Pampedusa, em O Leopardo: se queremos que tudo fique como está, é preciso que mude tudo.

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