Não levo a sério esse negócio de literatura amazônica, como também não levo nada a sério essa história de regionalismo. Uma literatura amazônica parece ser algo tão improvável quanto uma literatura regionalista. Ambos os conceitos são invenções recentes. O regionalismo, por exemplo, é uma invenção nordestina, um rótulo geográfico e ideológico que os nordestinos – que nunca inventaram a ideia de uma cultura do latifúndio, embora certas manifestações da literatura daquela região tenham um caráter tipicamente latifundiário – fomentaram para se contrapor ao esforço vanguardista do modernismo paulista e carioca.
Modernismo, aliás, que participamos na primeira hora. Abguar Bastos, Pereira da Silva e Bruno de Menezes que o digam. Trata-se de um rótulo tão pouco cultural e histórico que os sulistas acabaram por entender que regionalismo é tudo o que é produzido da Bahia para cima. A explicação é que talvez essa história de regionalismo tenha mais a ver com o vigor econômico de cada região geográfica, com o tamanho da pobreza, com a quantidade de políticos corruptos e folclóricos, enfim, esses índices do subdesenvolvimento físico e mental. Quando me sinto exposto a rótulos desse tipo, logo me vem à mente o outro carimbo não menos preconceituoso: o de Latino-Americano.
Eu tenho o maior orgulho de me declarar latino americano quando podemos incluir os artistas e os escritores da Guiana Francesa, do Quebec, do Haiti, da Martinica. Ao fazer isso, veremos o espanto dos que usam o termo latino americano como rótulo geopolítico. O que precisamos é fugir do risco de nos deixar capturar em guetos, onde os parâmetros de recepção de nossas obras não são de excelência literária, mas fruto da condescendência porque somos pobres e moramos longe. De minha parte, durante muitos anos recusei, e continuo recusando editoras estrangeiras que queiram me colocar em coleções latino-americanas, porque autor latino-americano, na Alemanha, por exemplo, é analisado não pelo melhor crítico literário do jornal, mas pelos jornalistas que resenham livros sobre o turismo sexual na Tailândia. t para as mesas desses últimos que são encaminhados os livros exóticos que chegam do Terceiro Mundo, outro rótulo que se cola automaticamente à pele do latino-americano. Não sei quem inventou a expressão literatura amazônica, mas ela tem inegavelmente uma conotação restritiva, uma roupagem ideológica que mais parece uma desculpa por antecipação. Estes guetos geopolíticos é que nós temos por obrigação rechaçar. t claro que há povos latinos, com há Amazônidas. Eu mesmo sou amazonense de Manaus, filho de paraense de Alenquer, com muito orgulho, mas me considero cidadão do mundo e, espero, autor inscrito na grande vertente da literatura brasileira, braço possante da cultura de língua portuguesa, esta por sí uma rica floração da cultura latina. Estamos situados na outra margem do ocidente e postos como os principais guardiões de seus valores. Permitam-me aqui uma louvação à cultura latina, porque ela tem sido o Sal da Terra.
A cultura latina foi a primeira cultura não provinciana, além de ter criado o conceito da alteridade, ou seja, a possibilidade do diferente ser diferente, foi Roma que estabeleceu as bases do Direito, que é hoje exercido em todo o mundo. É latino, também. os conceito de República e de democracia representativa, enfim, a nossa cultura americana é derivativa de uma grande tradição. Há, no entanto, um aspecto comprometedor para o nosso tempo. Esta é a primeira vez depois da queda de Roma e na história moderna da humanidade que o mundo não está sob o domínio hegemônica de uma potência latina. O mundo hoje é domina do pelos herdeiros dos antigos bárbaros anglo-saxões, e isto quer dizer alguma coisa. Talvez estejamos todos pagando o preço do péssimo serviço meteorológico do Rei Felipe 11, da Espanha.