Manaus, 9 de dezembro de 2023

As tropas de resgates e os descimentos

Compartilhe nas redes:

A escravidão indígena instalou-se, na Amazônia, desde os primeiros dias da colonização, pela falta de braços, pois o pequeno contingente de colonizadores sempre foi insuficiente para as plantações das comodidades de exportação, a exigir produtos de baixo preço. Também necessitavam de pessoas conhecedoras da região empregadas: na caça e na pesca de animais desconhecidos, na agricultura de subsistência de vegetais locais, como a mandioca, da qual se produzia a farinha de guerra, que depois se tornou o principal alimento da colônia, nos trabalhos domésticos e como guias e remeiros das viagens feitas ao interior.

Eram passíveis de escravização os índios que cometessem um dos seguintes atos, considerados como motivos justificados:

  1. Entrada em aliança com os inimigos de Portugal.
  2. O hábito da antropofagia comum entre muitas populações amazônicas.
  3. A prática de religião não cristã.
  4. A prática costumeira do furto, pela inexistência da propriedade individual.
  5. A resistência à catequese e à ação civilizadora.
  6. Os índios libertados, mediante pagamento, quando aprisionados e destinados à antropofagia.

Por só possuírem armas primitivas, os índios não tinham como se defender das armas de fogo, sendo presas fáceis, embora as viroses e outras doenças introduzidas pelos brancos tenham sido a principal causa da diminuição dessas populações.

No início, os principais adversários dos colonizadores, na escravização, foram as ordens religiosas, a quem eles foram enfeudados, a partir de 1655, quando o padre Vieira conseguiu o domínio temporal da ordem jesuítica sobre os índios e posteriormente em 1693 e 1694, quando o território e os indígenas da Amazônia foram distribuídos entre os capuchos de Santo Antonio, os capuchos de São José ou da Piedade , os mercedários, os carmelitas e os jesuítas.

A partir de então as ordens enveredaram no campo econômico, aproveitando-se do trabalho indígena, o que trouxe uma série de conflitos sobre a posse dessa mão de obra, nos séculos seguintes, com o governo português emitindo leis que ora proibiam, ora autorizavam a escravidão indígena.

Entre os principais métodos de captura de escravos vermelhos incluíam-se:

  1. As guerras justas pelas alianças dos índios com outros europeus, que foi o caso dos tupinambás, aliados aos franceses, no Maranhão, com a decretação de um cativeiro por dez anos, e dos manaus, considerados aliados dos holandeses.
  2. As guerras justas por antropofagia como ocorreu aos aruãs acusados desta ação, por terem devorado parte dos cento e sessenta soldados e onze jesuítas desaparecidos no naufrágio da nau do governador Pedro de Albuquerque, nas costas do Marajó, em 1643.
  3. Guerras justas por ataques a civilizados ou missões exemplificadas pela destruição das aldeias guanavenas e caboquenas do rio Urubu, feita pelas tropas de Pedro da Costa Favela e Antonio da Costa, por terem emboscado as tropas de Antonio Vilela e atacado as missões daquele rio, em 1663, resultando na destruição de 300 malocas e na matança e na escravização de algumas centenas de índios, o que tornou o rio despovoado até o século XX.
  4. Os descimentos ou o encaminhamento de grupos inteiros de indígenas do alto Amazonas, para as regiões de Belém e do Marajó, para trabalharem nas lavouras ou nas fazendas dos colonizadores e das ordens religiosas. Francisco Portilho desceu 1200 barés, para Santana do Portilho, no Amapá, e os jesuítas Francisco Veloso e Manuel Pires desceram quase 2000 tarumãs, para as fazendas do Marajó.
  5. As tropas de resgate criadas, conforme João Daniel, por Vieira e outros missionários, para evitar a matança dos índios encurralados, nas caiçaras, para serem comidos, talvez decorrentes da Carta Régia de 28 de abril de 1688, restabelecendo a escravidão neste caso especial e em outros. Esta lei foi bem recebida pelos colonizadores, que passaram a ter uma nova fonte de fornecimento de mão de obra. Todos os anos essas tropas subiam os rios da região tendo um cabo no comando, com diversos oficiais, soldados e remadores, e um padre para acompanhar as inquirições, a fim de comprovar se os resgatados já eram escravos, quando eram soltos, ou destinados à antropofagia, quando eram comprados.

Embarcadas em grandes canoas, as tropas levavam para as trocas: velórios, ferramentas, sal, panos, miçangas, espelhos, tesourinhas, facas e outros produtos, para as trocas por escravos, tudo às expensas da Fazenda Real, logo levados a leilão público, em Belém, e vendidos para cobrirem as despesas, com os lucros distribuídos entre governantes, participantes da expedição e até órgãos públicos e religiosos. Ali algumas pessoas chegaram a possuir mais de mil peças e milhares foram exportados para o Maranhão e até para Minas Gerais, para o trabalho da mineração.

Com o tempo, as tropas de resgate transformaram-se em um intenso comércio de escravos, passando a atacar tribos pacíficas e missões, a induzir guerras intertribais, e a comprar dos chefes seus subordinados.

O padre João Daniel cita que dois milhões de índios foram apresados no Negro, em duzentos anos, o que teria despovoado o médio e baixo curso daquele rio.

Os resgates só terminaram, em 1757, com a emissão das leis pombalinas de libertação dos índios, mas continuaram veladamente até o ciclo da borracha, em pleno século passado.

Compartilhe nas redes:

3 respostas

  1. Bom dia,

    Sem dúvida, o “selvagem” autóctone brasileiro, nativo que era de nossas plagas, matas e sertões, pagou com a vida, a sua aviltante servidão e abjeta escravização, o fato de estar no meio do caminho da empreitada colonizadora luso-brasileira…! Foi vítima constante de estupros, mortes, doenças, etc…o contato do índio brasileiro com branco português não poderia ter sido pior…!

  2. Outra forma de violência contra os indígenas daqueles tempos foi o aliciamento compulsório, feito a título de conversão e “salvação” pelos padres com a sua catequese e doutrinação religiosa…! Como disse um indígena da época das missões/reduções: “…Os bandeirantes nos caçam por fora, os padres nos matam por dentro…”

  3. Afinal de contas…o índio brasileiro não precisa/precisava das nossas noções religiosas ou da nossa moral…! Fica o dito popular para a devida reflexão: “…Antes de Cabral descobrir o Brasil, os índios por aqui já haviam descoberto a felicidade…”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques