Manaus, 1 de dezembro de 2023

Efeitos da Ditadura Militar

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Estava eu descendo a minha maltratada Saldanha Marinho quando um dos meus sete leitores veio puxar dois dedos de prosa. É um professor aposentado, muito discreto e com uma consistente história de honestidade e modéstia, virtudes raras nestes tempos. Confessou-me sua perplexidade com a sofreguidão que certos indivíduos andam pedindo a instauração de uma ditadura militar em nosso País. Confidenciei o quanto estava estarrecido e me lembrei de muitos episódios ridículos gerados pela truculência dos agentes da ditadura que se abateu sobre o País em 1964. Em meio ao papo suado da canícula que nos faz arder ele perguntou: Por que não escreve sobre isso no seu mormaço? E prontamente aqui estão algumas lembranças retiradas daquele escaninho que guardamos vivências tisnadas pela vergonha. Vou chamar a série de “A DITADURA ALÉM DE TRUCULENTA FOI RIDICULA”. Em 1976 eu trabalhava como Diretor de Planejamento com meu amigo Joaquim Marinho, então superintendente da então Fundação Cultural do Amazonas, na gestão do governador Henoch Reis. Marinho teve a ideia de editar livros de baixo custo, em papel jornal, para ampliar a circulação das obras de autores amazonenses entre os leitores da cidade. Eu tinha na gaveta um romance pronto, mas não havia ainda me decidido a procurar um editor. Uma das poucas pessoas que tinha lido era o Nivaldo Santiago e vaticinara que o livro faria muito sucessos, mas achei que aquilo era bondade provocada pela amizade. A ideia do Joaquim era lançar um livro de cada gênero, já estava com originais de contos, crônicas, poesia e teatro, mas faltava um romance. Sabendo do meu livro, Joaquim Marinho me cercou de tal forma que acabei entregando os originais. E no dia 5 de setembro de 1976, à sombra do mulateiro da Praça da Polícia, sede do Clube da Madrugada, foram lançados os livros de Ediney Azancoth, Arthur Engrácio, Aldísio Filgueiras, Jorge Tufik e o meu romance, “Galvez, Imperador do Acre”. Eram mil exemplares, que se esgotaram em menos de duas semanas. O sucesso poderia nos ter dado muitas alegrias, mas o Conselho Estadual de Cultura considerou o livro ofensivo às ‘tradições amazonenses e Joaquim Marinho foi sumariamente demitido do cargo. No ano seguinte, 1977, a editora Alfa & Ômega, de São Paulo, publica o meu ensaio “A Expressão Amazonense”, também com grande repercussão de crítica e de vendas. Então foi a fez da Assembleia Legislativa do Amazonas mostrar serviço ao militares, como já havia vergonhosamente feito ao cassar o mandato do deputado Arlindo Porto. Um dos sabujos da Arena, partido da Ditadura, levou ao plenário a proposta de cassação de minha naturalidade de amazonense. Faça-se justiça a dois nomes que levantaram a voz contra tamanha demonstração de abjeta subserviência e estupidez: Beth Azize e Farias de Carvalho.

Esses dois protagonizaram um dos mais luminosos momentos de nossa história política enfrentando o obscurantismo vigente na época, sendo que coube à deputada Beth Azize afirmar que nenhum poder tinha a autoridade para cassar a naturalidade de amazonense.

O poder discricionário podia cassar a nacionalidade e transformar um cidadão em apátrida, mas um amazonense nascia amazonense e morria amazonense, era um direito inalienável. “Galvez, Imperador do Acre” já vendeu mais de um milhão de exemplares e está entre os 50 mais importantes romances da literatura brasileira. “A Expressão Amazonense” faz parte da bibliografia de muitos cursos universitários, influenciando gerações. No mesmo período o livro do poeta Aldísio Filgueiras, “Estado de Sítio”, foi vetado pela censura e a, edição inteira incinerada. O TESC, recém fundado, mal conseguiu estrear o espetáculo “Eles Não Usam Black Tie”, logo viu a censura tirar de cena a peça. (No próximo domingo tem mais).

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