Manaus, 28 de novembro de 2023

Eleições de boi bumbá

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Começam a ferver os ânimos na bela ilha Tupinambarana, a cidade de Parintins, terra de mestre Waldir Viana que rezava, curava, benzia, pegava desmentidura e conhecia o segredo das plantas e ervas medicinais, muitas delas plantadas no quintal de sua própria casa, e assim procedia desde há muitos anos, sempre com êxito em suas investidas as quais lhe rendiam agradecimentos e preces dos favorecidos.

Lembro bem de vê-lo atuando quando em algumas visitas que fiz a sua casa de residência acompanhando meu amigo e governador Paulo Pinto Nery, que o procurava para abraço fraterno como antigo correligionário de campanhas políticas, sendo sempre bem recebido com sorrisos largos, papos longos e café bem quentinho.

Trata-se de terra que apaixona quem a conhece, mesmo que não tenha a oportunidade de invadir as suas intimidades em lagos, fazendas e passeios em suas cercanias ou não desfrute do prazer e da devoção de participar da festa de sua padroeira, mas é o espírito do seu povo que contagia, o ritmo de seus “dois pra lá dois pra cá” que anima o visitante e o som de sua marujada e batucada que arrepia qualquer mortal.

E é nesse mundo muito particular de uma ilha quase encantada e que é conhecida em várias partes do mundo pela festa mais popular do país que se vai travar, muito em breve, a escolha dos dirigentes das agremiações boi bumbá Caprichoso e boi bumbá Garantido. São eles que realizam espetáculos indescritíveis de beleza e arte, de cultura típica, expressão popular, musical, poética e simbólica do povo amazonense e que, todos os anos, dominam e reanimam os corações apaixonados, vermelhos ou azuis.

Mais do que animar os corações apaixonados, a festa é a sustentação econômica mais relevante do município, constituindo-se, por isso mesmo, em exemplo singular de como a arte folclórica e um espetáculo de valor mais do que centenário pode impulsionar uma cidade, sustentar esperanças e realizar sonhos.

No dia certo do fim de junho, quando rufa o tambor, a galera toda se anima porque “a festa vai começar” e ninguém consegue ficar parado no seu canto por um minuto sequer. A vibração é geral. O que deve prevalecer, e acaba prevalecendo ao final, é a criatividade e a engenhosidade da comissão de arte e seus artistas, e todo o povo se derrama em emoção. O sofrimento do ano inteiro é esquecido, torna-se página virada cedendo lugar a alegria de ver seu boi ocupar a arena e realizar sua apresentação com entusiasmo e inovação, mas com profundo respeito a certas tradições que servem de base e sustentação para o show que se vai assistir.

Na coxia devem estar os dirigentes da agremiação a tudo supervisionando, ainda que, ao mesmo tempo, estejam brincando de boi como se fazia desde antigamente em animada folia. E são estes, precisamente estes, que em breve virão a ser escolhidos pelos associados – azuis e vermelhos –, para assumirem as elevadas responsabilidades de organizar, dirigir e levar o boi para a arena em condições de boa disputa e, melhor ainda, de sagrar-se campeão.

Trata-se de eleição direta, submetida ao Estatuto bovino a qual movimenta céus e terras, mundos e fundos, ardores e paixões, amizades antigas e novas, famílias inteiras, compadres e vizinhos em busca de conquistar o privilégio – belo privilégio – de presidir a agremiação. É pleito de grande importância social, política e econômica para a população parintinense quase se assemelhando à escolha de prefeito e vereadores, certamente porque deles vai depender realização dos próximos festivais folclóricos e sobre eles vão recair os louros da vitória ou as dores da derrota. Mais que isso, é preciso que se entenda, vai recair parte do futuro dessa terra e dessa gente abençoada por Nossa Senhora do Carmo e pelos gênios da criação artística.

Que vençam aqueles que melhor possam cumprir a missão de manter esta festa de forma grandiosa e que nunca mais haja vexame para o mundo ver.

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