Manaus, 28 de novembro de 2023

Informação Bur(r)ocrática

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O fenômeno da penetração da televisão em Manaus, cidade isolada, é um choque bem mais fascinante que os verificados nos meios industrializados, posto que na capital do Amazonas subsistem padrões culturais pré-capitalistas agravados pelo sempre ineficiente meio de comunicação tradicional.

Mesmo o sistema de ensino é precário e burocratizado, afastando a eficiência da informação impressa para um nível restrito. O jornal amazonense é uma espécie de boletim de pressrealese e, com o emprego de off set, facsimile atrasado de jornais paulistas e cariocas. A redação de um jornal de Manaus é reduzida ao mínimo e o sistema de editoriais foi há pouco tempo adotado. O jornalista, o repórter, é tratado como um funcionário público e remunerado precariamente, já que a elite é incapaz de valorizar o trabalho intelectual e o jornal foi sempre o bico dos letrados ociosos. O discurso jornalístico ainda é narrativo, provinciano e algumas vezes indigente. Certas notícias escapam à lógica, ou transformam se, subitamente, em pregações moralistas. Instala-se, então, um choque entre a linguagem dos textos fotocopiados da imprensa sulista, analítica e moldadora e a linguagem do texto local. Mesmo o editorial, que representa no jornalismo capitalista liberal a voz do jornal, é quase sempre transcrito. Quando o editorial não é transcrito, está redigido num estilo rebarbativo e completamente ininteligível. É possível ao leitor amazonense decodificar mais facilmente um fato internacional que uma notícia política local. A objetividade da matéria local é sempre truncada pelo pudor, ou pelos compromissos, e, sem a necessária uniformidade de linguagem, a personalidade de cada jornal é extra discurso. Um jornal é popular por apresentar notícias de crimes e fotos sangrentas; outro é ponderado, por evitar estes fatos e preocupar-se com a vida legislativa, transcrevendo discursos e pareceres como notícias. As reportagens locais, que pretendem escapar do pressrelease, são sempre vazamentos do jornalismo típico da década de 50. Recentemente, um jornal editou uma série de reportagens sobre tóxico e prostituição. Um furor inexplicável tomou conta de certos setores da sociedade: tomavam as reportagens como pressreleases degradados. As reportagens, na verdade, não ofereciam nenhum risco. Híbridas, entre o grosseiro moralismo e o release oficial da política antitóxico, mais pareciam uma peça de nostalgia. Era como se o jornal estivesse fotocopiando antigas reportagens de Vida Doméstica ou de O Cruzeiro. Uma linguagem pretensamente pessoal do repórter aguçava os detalhes escandalosos, esquecendo de analisar as contradições dos temas. Se bem que o tóxico e a prostituição, enquanto assuntos setoriais, já não ofereçam nenhum atrativo para urna imprensa dinâmica, em Manaus, poderia ter sido uma isenta colocação dos problemas.

Se a imprensa é ainda muito paroquial, o livro é quase uma presença exótica. Menos requisitado que o jornal, de publicação acessível apenas para os que possuem recursos próprios, geralmente velhos senhores em fim de carreira, o livro amazonense é um ente raro e difícil. O público leitor é pequeno e ainda não existe um mercado interno para este tipo de produto. Mesmo as revistas editadas no Sul circulam numa porcentagem reduzida em relação às possibilidades do mercado alfabetizado. As únicas revistas amazonenses de circulação razoável são em verdade separatas das colunas sociais e uma espécie de pressrelease doméstico ao alcance do exibicionismo de meia dúzia de arrivistas. O livro circula marginalmente e torna-se um cadáver incomodo nas mãos do autor. O livro não é um produto cultural, mas uma moeda na economia do capital social e o amazonense forma-se como um desmemoriado sem tradição.

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