Manaus, 28 de novembro de 2023

Mãe Preta

Compartilhe nas redes:

Bruno de Menezes
*Bruno de Menezes

 

No acalanto africano de tuas cantigas,

nos suspiros gementes das guitarras,

veio o doce langor

de nossa voz,

a quentura carinhosa de nosso sangue.

 

És, Mãe Preta, uma velha reminiscência

das cubatas, das senzalas,

com ventres fecundos padreando escravos.

 

Mãe do Brasil? Mãe dos nossos brancos?

 

És, Mãe Preta, um céu noturno sem lua,

mas todo chicoteado de estrelas,

teu leite que desenhou o Cruzeiro,

escorreu num jato grosso,

formando a estrada de São Tiago…

 

Tu, que nas Gerais desforraste o servilhismo,

tatuando-te com pedras preciosas,

que deste festas de esmagar!

Tu, que criaste os filhos dos Senhores,

embalaste os que eram da Marqueza de Santos,

os bastardos do Primeiro Imperador

e até os futuros Inconfidentes!

 

Quem mais teu leite amamentou, Mãe Preta?…

 

Luiz Gama? Patrocínio? Marcílio Dias?

A tua seiva maravilhosa

sempre transfundiu o ardor cívico, o talento vivo,

o arrojo máximo!

 

Dos teus seios, Mãe Preta, teria brotado o luar?

Foste tu que na Bahia alimentaste o gênio poético

de Castro Alves? No Maranhão a glória de Gonçalves Dias?

Terias ungido a dor de Cruz e Souza?

 

Foste e ainda és tudo no Brasil, Mãe Preta!

 

Gostosa, contando a história do Saci,

ninando murucututu

para os teus bisnetos de hoje…

 

Continuas a ser a mesma virgem de Loanda,

cantando e sapateando no batuque,

correndo o frasco na macumba,

quando chega Ogum, no seu cavalo de vento,

varando pelos quilombos.

 

Quanto Sinhô e Sinhá-Moça

chupou teu sangue, Mãe Preta?!…

 

Agora, como ontem, és a festeira do Divino,

a Maria Tereza dos quitutes com pimenta e com dendê.

És, finalmente, a procriadora cor da noite,

que desde o nascimento do Brasil

te fizeste “Mãe de leite”…

 

Abençoa-nos, pois, aqueles que não se envergonham de ti,

que sugamos com avidez teus seios fartos

– bebendo a vida! –

que nos honramos com o teu amor!

 

Tua bênção, Mãe Preta!

 

*Poeta e folclorista. Genitor da religiosa e escritora Marília Menezes. Nasceu em Belém (21/03/1893) e faleceu em Manaus (02/07/1963). Ex-presidente da Academia Paraense de Letras. Pertenceu ainda ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Poema retirado do livro de sua autoria “Batuque”, 8ª edição, Belém, 2015.

 

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques