*Bruno de Menezes
“Lavadera da campina
Lavadera!
Lava roupa sem sabão
Lavadera!”
O mastro vem vindo na ginga vadia
da velha toada.
Vem vindo rolando nos ombros melados
da tropa devota de tantos festeiros.
O mastro já veio do fundo da terra,
assim todo verde vestido de folhas.
Depois lhe puseram a tal bandeirinha
onde surge o Divino pintado num Sol…
As outras bandeiras de pano encarnado
não sobem no topo do mastro votivo
porque lá na ponta só fica o Divino…
No arraial decorativo um arco-íris de artifício,
todo de bandeirolas e correntes de papel,
dá um ar de tradição a esses festejos da Coroa.
E o mastro vem, chega na ginga vem na onda
vem no som da caixa funda
no soturno baticum:
Tam…bum!
Tam…bum!
Chegam os juízes as madrinhas e os mordomos.
Chispam pincham foguetes,
num papouco festivo
ao mastro do Divino!
A tia Ana das Palhas que foi do tempo dos cabanos,
ornamentada de chitão
e jóias de ouro português
é a dona do Santo que paga a promessa.
E por vontade do Divino,
no Dia da Ascensão o mastro vai se levantando,
carregado de frutos e verdes folharadas,
apontando para o céu que a Pomba Branca vai subindo.
As tiradeiras vêm tirar as ladainhas africanas
que o povo bastardo resmunga contrito:
“Meu Divino
olhai por nós.
Meu Divino
meu Sinhô”.
O mastro plantado depois vai murchando,
perdendo a folhagem caindo seus frutos.
Mas alegra o arraial, que tem palmas verdes,
açaí munguzá caruru tacacá,
tem sortes brinquedos comidas leilões…
“Dou-lhe uma…
dou-lhe duas…
dou-lhe três…”
– É seu o segredo das “moças donzelas…”
A tia Ana das Palhas quer música e baile
no dia em que o mastro vai ser derrubado.
A fita encarnada que foi toda benta
e estava lá em cima enfeitando a bandeira,
vem leve voando cair direitinha
na cabeça do novo juiz do outro ano.
A dona do Santo derruba o seu mastro,
soltando folguetes cantando toadas
dos sambas do engenho…
“Meu canarinho
amarelo
Ela casa comigo
eu com ela…”
É o coco brabo no terreiro poeirento
malhando bolindo mexendo o mocambo.
E a tia Ana das Palhas
que benze põe cartas faz banhos de sorte,
rezando acendendo três velas sagradas
pede à Pombinha Branca que a conduza sob as asas,
quando a dona for ao céu ver os festejos do seu Santo…
*Poeta e folclorista. Genitor da religiosa e escritora Marília Menezes. Nasceu em Belém (21/03/1893) e faleceu em Manaus (02/07/1963). Ex-presidente da Academia Paraense de Letras. Pertenceu ainda ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Poema retirado do livro “Batuque”, 8ª edição, Belém, 2015.