Todos nós já fomos índios uma vez na vida, menos a ministra Katia Abreu. Nossa imaginação infantil nos cobriu um dia a pele de pinturas e tivemos um cocar de penas.
Brincamos de peles vermelhas que o cinema americano glamourizava escondendo a tragédia. Éramos crianças e não sabíamos que aqueles exóticos seres poderiam um dia pular da tela para os jornais de nosso café da manhã. Aqueles corpos que tombavam como moscas soba mira deum inesgotável revólver de herói, não eram sombras de matinê.
Nos Estados Unidos, um século depois do último confronto sangrento, quando já não restam senão algumas centenas de peles vermelhas aviltados e uma ecologia ameaça da pelo lixo industrial, começavam a compreender o significado da grande tragédia. Nós, os brasileiros, queremos esquecer, cobrir a incômoda situação com os velhos argumentos de um pregresso que sustentou os pioneiros do século XIX e hoje sofre severos reveses na opinião dos conservacionistas e ecologistas.
Estamos persistindo no mesmo caminho cego da depredação.
Vendados pela ideologia do progresso, ninguém toma em consideração esses filhos incômodos de uma humanidade primitiva que impedem o caminho da sociedade até o lucro. E se somos aparentemente donos do maior poder de persuasão, o que são algumas centenas de estranhos homens armados de bordunas para impedir uma estrada? Afinal, não é com estradas que se faz um país? Não são elas as artérias do progresso e da integração, dignas de sonetos e discursos? Nos últimos séculos, a Amazônia tem experimentado o encontro nada pacífico entre duas formas de cultura. O resultado será um beco sem saída ou o nascimento de uma nova cultura compatível. Betty J. Meggers, no ensaio “Amazônia, a ilusão de um paraíso “, sintetiza assim o drama regional: “A Amazônia é (…) um laboratório apropriado para o estudo da adaptação cultural.
Durante os últimos milênios, foi alvo de dois sucessivos e distintos tipos de utilização humana. O primeiro se desenrolou sob a influência da seleção natural, resultando dos ingredientes trazidos pelos primeiros homens que povoaram há alguns milênios antes da era cristã. O segundo, introduzido no princípio do século XVI, foi um sistema de exploração controlado do exterior, que não apenas destruiu o equilíbrio anterior, mas impediu o estabelecimento de um novo equilíbrio. ( …. ) A história. no entanto, não termina aí. A Amazônia de hoje é um lugar bem diverso do que era anteriormente a 1500 — não porque o clima e a topografia tenham mudado sensivelmente, mas porque o desenvolvimento cultural sofreu alterações drásticas. A degradação que se operou no habitat, sobretudo no decorrer dos últimos 50 anos, demonstra claramente a relação cultura/meio ambiente em sua forma mais desarmoniosa. A persistência do mito da produtividade ilimitada, apesar do vergonhoso fracasso de todas as iniciativas em grande escala para desenvolver a região, constitui um dos mais notáveis paradoxos do nosso tempo. “Firmemente sustentados pelo ideal do avanço econômico, não fazemos mais do que seguir a tradição espoliadora. Pomos abaixo a maior floresta do planeta, sem ao menos conhecermos as consequências desse gesto, para alimentarmos a voracidade das grandes empresas monopolistas. E para caminho de índios obstinados e preguiçosos. Pois nada mais obstinado e preguiçoso que essa gente que permitiu-se recusar através do tempo os favores da “civilização e do conforto”. Nossos dominadores portugueses já nos mostraram os métodos e, como hoje somos mais sofisticados, não necessitamos, na maioria das vezes, recorrer às “guerras justas”. Aprendemos muito com Dachau e Treblinka, assim como recebemos inestimável lição dos jesuítas.