Manaus, 11 de dezembro de 2023

Sem teoria não dá

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Dois meses atrás fui convidado pelo Professor Doutor Alvaro Sanchéz Bravo, do Departamento de Filosofia del Derecho de la Universidad de Sevilla, para escrever um dos capítulos do livro “’Agua e Derechos Humanos” que será editado pela Associación Andaluza de Derecho, Medio Ambiente y Desarollo Sontenible. Creio que esse convite se deve à boa repercussão que teve outro texto que escrevi – Meio ambiente e ordenação do território na Amazônia – para o livro “Ordenación del território y medio ambiente” publicado em 2009 pela editora espanhola ArCiBel.

O texto atual

O título do texto que enviei agora é: “Água na Amazônia: a escassez na abundância” e nele faço uma reflexão sobre o contraste entre a abundância hídrica natural e a que é provocada pelas enchentes e a escassez social e de qualidade enfrentada, tanto pelos ribeirinhos no período da vazante, quanto pelos que moram na periferia das cidades e que sofrem com a dificuldade de acesso e uso de um bem que, muito antes de ser um direito fundamental positivado, é um direito natural e uma liberdade na perspectiva de Amartya Sen.

No âmbito do direito positivado a água ao incorporar valor econômico é elencada como mercadoria vendável, embora à sua escassez não possa inserida no conceito da teoria econômica já que seu uso não comporta a alternativa de mudança de hábito ou redução de consumo, pois é insubstituível.

A ineficácia das leis

De um modo geral as leis ambientais têm pouca eficácia e eficiência porque são redigidas e aprovadas pelos parlamentos onde existe pouco trabalho legislativo e muita atividade política, esta última, como todos sabem, muito subordinada à direção dos ventos econômicos.

Refugiados ambientais

No Amazonas a legislação e a política de recursos hídricos são desprovidas de base teórica e não reconhecem a diferença entre a dinâmica funcional da natureza (ecossistemas) e a dinâmica funcional da sociedade (meio ambiente). No mundo natural a água é um composto químico essencial ao fenômeno da vida e no espaço do homem ela é um recurso hídrico economicamente valorado.

O pulso de enchente e vazante que Spix e Martius denominaram “drama of nature” é um fenômeno cíclico natural com o qual o homem amazônico convive harmonicamente, há milhares de anos. Com as mudanças climáticas algumas enchentes de magnitude têm provocado graves dramas sociais e, por isso, já deveria ter sido desenhado um projeto de estado (não de governo) teoricamente bem fundamentado e direcionado para equacionar essa questão que se agrava a medida que o clima se torna menos previsível. Esse projeto de estado precisa ser cientificamente denso e contemplar o apoio tanto aos seres humanos que se deslocam temporariamente da beira do rio para a terra-firme, como para os que migram definitivamente do beiradão para a periferia das cidades.

A meu juízo essas pessoas deveriam ser enquadradas na categoria de refugiado ambiental, com a Amazônia sendo o “fiat lux” da implantação desse novo direito que confere mais dignidade aos migrantes do que os planos assistencialistas emergenciais sempre revestidos de humilhantes donativos (esmolas).

Essa categoria de refugiado que não envolve cruzamento de fronteiras internacionais já foi reconhecido pelo Pnuma/Onu e o projeto de estado desenhado sob essa perspectiva, pode garantir apoio digno tanto para o deslocamento e abrigo das pessoas (seres humanos) da beira do rio para áreas seguras no período da enchente, como para fornecer meios para a reconstrução do patrimônio quando do retorno à beira do rio. No caso das mudanças definitivas para a cidade, o projeto deve fornecer os documentos da cidadania e garantir moradia, saúde, educação, alimento, água tratada, saneamento, qualidade de vida etc.

Algumas pessoas pretensamente cultas chegam a sugerir um esvaziamento da beira do rio, obrigando os ribeirinhos a ocupar locais mais “seguros”. A pretensa cultura não permite ver que se no beiradão as pessoas estão sujeitas ao pulso de enchente e vazante (cíclico) e vivem em estado de exclusão socioeconômica, na cidade elas são inseridas na exclusão socioeconômica urbana e seus filhos, via de regra, são recrutados pela economia do crime que termina em prisões que é o estado mais grave de exclusão social.

Os problemas socioeconômicos são enormes e os dramas socioambientais são de extrema magnitude, mas para resolvê-los ou minimiza-los é preciso conhecimento científico porque, sem teoria não dá.

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