A matéria publicada em O Globo de domingo, 7, apenas ratifica o que Suframa e governo se recusam a admitir há muito tempo. O perigoso quadro de deterioração do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus (PIM), que vem inegavelmente sofrendo profundo processo de exaustão do modelo por fadiga de materiais. Isto é, típico processo de desajuste estrutural em relação ao padrão tecnológica da indústria de ponta que detém a primazia do mercado mundial.
A discussão do problema, não obstante seu elevado grau de importância restringe-se a apenas alguns economistas, executivos, professores universitários, empresários e jornalistas. Alertas têm sido endereçadas às autoridades e a classe política via imprensa ou foros especializados, como em reuniões técnicas no CIEAM e na Federação das Indústrias do Amazonas (FIEAM) demonstrando a gravidade da situação. Sem sucesso, entretanto. Não tem sido possível sensibilizar o governo sobre a premência de ações visando conter o iminente processo de esgotamento do Polo Industrial de Manaus e do desastre sobre a economia do Amazonas, da Amazônia Ocidental e do próprio País derivado dessa crise.
A queda das atividades do PIM, conforme exposto e discutido por O Globo, configura de fato crônica de uma morte anunciada. Nada de original. Em sentido contrário, não há reação firme e objetiva visando conter a crise. Crise que, em última instância decorre exatamente da falta de previsibilidade, da ausência de um Plano B para fazer face à queda de mercado e estagnação econômica, amargos períodos já vividos pelo Brasil e que hoje se repete. Quão próxima e ameaçadora a debâcle do período áureo da borracha se encontra. Quase já pode ser vista pelo retrovisor. Foi ontem, início do século XX; pode voltar a se repetir cem anos depois, exatamente no segundo decênio do século XXI?
Há um detalhe assustador, ao que penso muitíssimo mais perigoso que a perda de 10 mil empregos no PIM: a indiferença da classe política, de autoridades governamentais e da própria sociedade. Tal qual avestruz, aparentemente prefiram enterrar a cabeça na areia como forma de recusar-se a enxergar e enfrentar a realidade dos fatos, torcendo para que o perigo logo se afaste. Conversando com o escritor Tenório Telles, na Livraria Valer, ouvi dele esse desgastante estranhamento. No seu entendimento tal estado letárgico, de certa apatia em relação ao problema não pode ser normal. Em outros tempos e momentos a sociedade, puxada pela classe estudantil, dos trabalhadores, pela própria Universidade estaria reagindo em manifestações públicas em busca de soluções.
Por e-mail a escritora e historiadora Etelvina Garcia, analisando a questão afirma que “nestes quase 50 anos que se estenderam de 1967 a 2014, esquecemos de nos preparar para fazer parte da Economia do Conhecimento. Não fomos (e ainda não somos) capazes de converter os dividendos do modelo Zona Franca de Manaus em educação, ciência, tecnologia, inovação, consciência sociopolítica…”. Segundo Garcia, “não nos apercebemos de que esses fatores são absolutamente essenciais para que possamos promover mudanças substantivas e inadiáveis na estrutura da nossa sociedade e acumular competência (em escala crescente, e só Deus sabe em que velocidade!) para responder aos desafios de competitividade da economia globalizada”.
O momento é grave. A crise brasileira (moral, política e econômica) assume proporções avassaladoras. E assim, como elo mais fraco, a ZFM não pode mais continuar dependendo apenas, e exclusivamente, dos negócios e dos parcos empregos gerados no PIM. Urge explorar as riquezas da biodiversidade e assim capilarizar investimentos no interior. Para tanto, torna-se necessário direcionar recursos para ciência, tecnologia e inovação de grande monta. Precisamente, o ponto de maior fragilidade do modelo, razão pela qual o gap tecnológico relativamente à economia industrial do resto do mundo cada vez mais se ampliará.